Azul (AZUL4): Um pedido de recuperação judicial é tão ruim assim?

Da tríade que domina o setor aéreo brasileiro, só faltava ela passar por um processo de recuperação judicial nos Estados Unidos. Na terça-feira (27), a Azul (AZUL4) anunciou ao mercado entrada no pedido de Chapter 11, mas já de cara afirmando que o seu processo não se assemelha a outros vistos na América Latina.
O termo “recuperação judicial” está comumente associado as empresas tentando se safar de uma falência. Alguns casos marcantes, como Americanas, com o rombo contábil, e Oi, que precisou de uma segunda recuperação judicial, reforçam a imagem de sérios problemas financeiros.
No entanto, um pedido de recuperação judicial pode não ser tão ruim assim para a Azul. Na visão de Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, o pedido é parte da atual estratégia empresarial adotada.
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Ele recorda que Latam e Gol (GOLL4) já enfrentaram o processo, sendo que ambas reestruturaram suas dívidas e conseguiram financiamentos importantes. Vale destacar que, no caso da Gol, a companhia se aproxima do movimento inverso da Azul: deve deixar o Chapter 11, iniciado em 2024, no próximo mês.
A visão do diretor da FGV Transportes vai de encontro com o posicionamento do CEO da Azul, John Rodgerson. Segundo o executivo, a empresa optou por iniciar uma reestruturação financeira voluntária tendo em vista a sobrecarga da pandemia na estrutura de capital, o que se somou à deterioração macroeconômica, trazendo problemas para a cadeia de suprimentos da aviação.
“É uma situação que vem desde a pandemia. Tudo que eles estão falando é uma verdade. A situação se agravou”, coloca Quintella sobre o cenário que levou ao pedido.
Com o Chapter 11, a Azul afirma que a estratégia não se resume à reorganização financeira, mas visa uma otimização da estrutura de capital.
“Lógico que não é desejável, mas é uma estratégia empresarial”, diz Marcus Quintella. Ele lista como benefícios desse movimento o ganho de tempo com os criadores, linhas de financiamento e a possibilidade reequacionar as dívidas.
“Só seria ruim você começar a afetar a operação, o pagamento de pessoal, o atendimento das compras, de todo mundo que já tem passagens compradas. A operação precisa continuar”.
Fontes a par da situação da Azul afirmam que o Chapter 11 da companhia é uma ferramenta utilizada para formalizar os acordos fechados antes de entrar com o pedido.
O que a Azul negociou?
A Azul entrou no processo com os acordos já firmados com diversos de seus parceiros, sendo justamente este o argumento com o qual sustenta que o processo é diferente de outras aéreas.
A companhia iniciou um processo de reestruturação para viabilizar acordos que envolvem aproximadamente US$ 1,6 bilhão em financiamento DIP (debtor-in-possession).
O DIP é uma modalidade de crédito específica para empresas em processo de recuperação judicial, que visa fornecer os recursos financeiros necessários para que a empresa opere e atinja seu objetivo. No caso da Azul, a busca é pela redução da dívida e melhorar a estrutura financeira. Esse dinheiro geralmente vem dos credores, que em troca, têm benefícios e prioridade dentro do processo de recuperação judicial.
A Azul aponta que esse compromisso de financiamento pagará parte da dívida existente e irá fornecer aproximadamente US$ 670 milhões de capital novo para reforçar a liquidez durante e após o processo.
Ao final do processo, a United e American Airlines devem ter participação acionária na Azul, por meio de um possível aporte de até US$ 300 milhões na empresa como um investimento. O valor engloba as empresas combinadas.
A companhia, segundo fontes familiarizadas com o assunto, não espera sair do processo de recuperação judicial com uma dívida, uma vez que, na saída, realizarão uma oferta pública em que vão chamar investidores para participação societária. O dinheiro levantado será utilizado para pagar o financiamento do DIP.
Os impactos do Chapter 11 da Azul
A Azul elaborou um novo plano de negócios com foco na otimização da frota e crescimento moderado da oferta de assentos (ASK). A previsão é encerrar 2025 com 170 aeronaves, ante uma frota operacional de 184 aeronaves de passageiros no primeiro trimestre de 2025 e uma frota contratual de 216 em 2024.
Com isso, a Azul projeta crescimento de ASK de 8,7% em 2025, zero em 2026 e 4,6% em 2027.
Para mitigar riscos na execução do plano, a Azul reduziu sua projeção de Ebitda (juros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) para 2025, de R$ 7,4 bilhões para R$ 7 bilhões.
Na avaliação de André Ferreira, do Bradesco BBI, e Wellington Lourenço, da Ágora Investimentos, o pedido de recuperação judicial pode reduzir significativamente o endividamento da Azul e melhorar sua liquidez.
Para eles, a necessidade de reestruturação já era esperada, devido ao atraso no financiamento com garantia do governo, à posição de caixa enfraquecida e aos desafios operacionais. Na visão dos analistas, a eliminação de US$ 2 bilhões em dívidas deve resultar em diluição significativa para os atuais acionistas.
O BBI e Ágora pontuam que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) não votou a proposta de garantias para compra de combustível de aviação, adiando a última chance de obter liquidez de curto prazo via garantias de R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões, que poderiam servir como base para novos financiamentos para a Azul e o setor aéreo.
“Em nossa visão, isso pode ter contribuído para o pedido de recuperação judicial. Enquanto isso, o novo plano de frota da Azul prevê 170 aeronaves contratadas, abaixo das 201 anteriormente planejadas. Isso indica que a empresa poderá devolver cerca de 30 aeronaves atualmente fora de operação, ajustando seu balanço à frota efetivamente utilizada”, dizem os analistas.
A Azul espera sair do Chapter 11 com alavancagem líquida de 3 vezes, caindo para 2,2 vezes até o final de 2026, ante cerca de 5,1 vezes antes do pedido.
A alavancagem é medida pela relação dívida líquida sobre o lucro antes dos juros, tributos, depreciação e amortização (Ebitda). Quanto mais elevado o número, maior é o risco financeiro.
Nas estimativas dos analistas, a companhia deve sair do processo em um período de 6 a 9 meses. Fontes familiarizadas com o assunto também apontam que o processo pode durar menos de um ano.
Uma volta no tempo: Os casos Latam e Gol
Marcus Quintella destaca que o setor aéreo brasileiro enfrenta uma série de dificuldades, englobando custos dolarizados e, por consequência, impacto do câmbio, além de leasing de aeronave, combustível e o impacto de juros altos sobre suas dívidas, isso sem mencionar os impactos da pandemia de Covid-19.
A Latam enfrentou o seu processo de recuperação judicial nos Estados Unidos entre 2020 e 2022, pegando o auge da pandemia.
A companhia conseguiu se reestruturar, após uma redução de US$ 3,6 bilhões na dívida, além de aumento de liquidez e apoio dos acionistas,
Já a Gol recorreu ao Chapter 11 em janeiro de 2024, visando fôlego para reestruturar suas dívidas. Na última semana, a aérea anunciou a aprovação do plano de reestruturação e deve deixar a recuperação judicial em junho.
Após a saída, a companhia afirma que terá uma forte posição de liquidez de aproximadamente US$ 900 milhões e alavancagem significativamente reduzida, de 5,4 vezes, além de uma alavancagem líquida projetada de 2,9 vezes ao final de 2027.