Money Times Entrevista

‘BC fica entre a cruz e a caldeirinha’, diz Gustavo Loyola sobre aumento da Selic

15 mar 2022, 21:16 - atualizado em 15 mar 2022, 22:15
Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e sócio da Tendências Consultoria
“Banco Central fica entre a cruz e a caldeirinha”, diz Gustavo Loyola (Imagem: Marcelo Ferreira/CB/D. A. Press)

Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) deve anunciar nesta quarta-feira (15) mais um aumento da taxa básica de juros. A expectativa do mercado é que seja uma alta de 1 ponto percentual, que elevará a Selic de 10,75% para 11,75%.

Há um ano, em março de 2021, os juros estavam na sua mínima histórica, na casa dos 2%, após uma sucessão de quedas que tiveram início no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), sob a gestão de Henrique Meirelles na Fazenda e Ilan Goldfajn no BC.

Para Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria e ex-presidente do Banco Central (1992-1993 e 1995-1997), a instituição já havia sinalizado a continuidade do processo de elevação da taxa de juros, ainda que com uma redução no seu ritmo.

Em entrevista ao Money Times, ele lembra que com o início da guerra entre Rússia e Ucrânia e a alta do preço das commodities, além dos próprios números de inflação que continuam “bem salgados”, alguns analistas passaram a cogitar a possibilidade de uma alta de 1,5 p.p., o que aumentaria a Selic para 12,25%.

O economista não descarta essa possibilidade, no entanto, julga ser improvável e aposta em uma taxa de juros em 11,75%, dentro de um ciclo de altas que pode se estender ainda mais.

“A elevação da taxa de juros pode se estender mais, por mais tempo, o que quer dizer que a Selic no final do ciclo possa ser maior do que estava sendo considerado anteriormente, tendo em vista a inflação corrente e uma piora nas expectativas, assim como as incertezas adicionais por conta da guerra”, diz.

‘Entre a cruz e a caldeirinha’

O mercado pondera que o momento é de incerteza no cenário global, principalmente por conta da guerra na Ucrânia, que já se estende por 20 dias.

Por isso, também espera cautela por parte do Banco Central no que diz respeito à alta da taxa de juros. Justamente por isso, Loyola acredita que o aumento deve ser de 1 ponto percentual, e não de 1,5.

“O Banco Central fica entre a cruz e a caldeirinha. Se ele dorme no ponto e fica atrasado, depois tem que correr atrás e isso é muito mais negativo para a economia, porque ele vai ter que fazer altas mais fortes de juros. Se ele se adianta muito, de repente amanhã a guerra acaba, o petróleo cai para US$ 80. É uma situação em que as incertezas pedem cautela”.

“É a mesma coisa que dirigir em uma estrada. Quando ela está muito acidentada, você diminui a velocidade, mas continua a frente com os seus objetivos. O Banco Central deveria neste momento fazer o que já se programou para fazer. Acho que se eu estivesse lá, essa seria a minha posição”.

Inflação x Selic

Selic; dinheiro; inflação
Aumentar a taxa básica de juros é uma forma de frear a escalada da inflação (Freepik)

Dados divulgados pelo IBGE na última sexta-feira (11) mostram que a inflação para o mês de fevereiro foi de 1,01%, 0,47 ponto percentual acima do registrado em janeiro (0,54%). Foi a maior variação para um mês de fevereiro desde 2015.

Com isso, no ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 1,56% e, nos últimos 12 meses, de 10,54%.

Ainda que o Banco Central aumente a Selic como forma de frear a escalada da inflação — visando “desaquecer” a economia, reduzindo o consumo — as altas continuam acontecendo.

Para Loyola, no entanto, esta é a solução que pode ser tomada pelo BC.  “Do ponto de vista e política monetária, não vejo outra alternativa. Claro que política monetária não é só taxa de juros, tem que ter algumas ações que são fundamentais. A inflação brasileira tem uma característica que é ter uma alta influência da inflação passada. Existe uma ‘inércia inflacionária’ no Brasil que a gente não vê nos outros países. Essa inércia inflacionária coloca um papel adicional para o BC, que torna mais a desinflação mais demorada”, avalia.

O economista diz que cabe à instituição evitar que determinados “choques” gerem inflação. Ele cita como exemplo o encarecimento das tarifas de energia, em decorrência da diminuição de chuvas e, consequentemente, do nível dos reservatórios.

“O que o BC pode fazer? Dizer que tem que tabelar a energia? Tem que economizar energia, e a maneira de fazer isso é aumentando o preço. O que o BC tem que fazer é evitar que este aumento se transforme em uma inflação. Não tem nada que o Banco Central possa fazer em relação ao [preço do] petróleo? Não, não tem o que fazer. Eu acho que é essa gestão de demanda que o Banco Central pode fazer, e o instrumento mais eficaz para isso é por meio da taxa de juros”.

Responsabilidade fiscal

As projeções têm indicado um cenário econômico complicado para 2022, principalmente se a inflação for utilizada como termômetro.

A última edição do Boletim Focus, divulgada na segunda-feira (15), mostrou mais um salto na projeção do IPCA, de 5,65% para 6,45%.

O aumento veio após os reajustes anunciados pela Petrobras (PETR4) para o preço dos combustíveis em suas refinarias, resultado da alta exponencial do do barril do petróleo, que na semana passada chegou a ultrapassar os US$ 130.

O economista diz que o que se pode fazer é receita já conhecida e que continua valendo: sinalizar responsabilidade fiscal. Ele pondera, no entanto, que uma série de medidas, tanto de iniciativa do Legislativo como do Executivo, têm ido na direção contrária, o que posiciona o Brasil perante o mundo como um país de risco.

“O Brasil é percebido como um país mais arriscado. Na ponta, isso significa uma taxa de juros mais alta. O que eu acho que é um caminho de reação à crise é que tem que ser um caminho que preserve a nossa situação fiscal e que não agrave esse problema”.

Loyola usa de exemplo a medida que está sendo avaliada pelo governo para subsidiar os combustíveis por três meses e que pode custar até R$ 30 bilhões aos cofres públicos.

Para ele, seria uma política de pouca efetividade; um verdadeiro “tiro no pé”, bem como também seria interferir na política de preços da Petrobras.

Eleições 2022

urna eletrônica; eleições
Para Loyola, algumas medidas que estão sendo anunciadas são explicadas por “interesses eleitoreiros” (Jeso Carneiro / Flickr)

As eleições deste ano devem apresentar um cenário polarizado. De um lado, o ex-presidente Lula (PT) é mostrado como o primeiro nas pesquisas de intenção de voto.

O petista deve anunciar a sua pré-candidatura, com Geraldo Alckmin como vice em sua chapa, ainda no mês de abril.

Do outro lado, os levantamentos mostram o atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que deve tentar a sua reeleição, em segundo lugar.

Loyola destaca que algumas medidas como o furo do teto de gastos ou mesmo o adiamento do pagamento de precatórios, além de um possível subsídio para os combustíveis, deterioram a situação das contas públicas e o arcabouço fiscal, sendo explicadas por interesses eleitoreiros.

Aqui, ele vê tanto o poder Executivo como o Legislativo envolvidos nesse processo, ainda que não se possa falar por todos os parlamentares.

“A gente tem vários atores políticos interessados tão somete no resultado eleitoral. O próprio presidente da República se encontra nesta situação. Acho que o mais importante hoje para Bolsonaro é a reeleição. O ministro da Fazenda [hoje, da Economia, Paulo Gudes] fica em uma situação muito difícil. Ele sabe do risco isso pode trazer”.

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Jornalista paulistana formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e editora do Money Times. Passou pelas redações da CNN Brasil e TV Globo como produtora, VOCÊ S/A e VOCÊ RH como repórter e Exame.com como redatora estagiária.
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