Coluna do Beto Assad

Briga entre Lula e o BC: O que explica o racha?

07 fev 2023, 12:16 - atualizado em 07 fev 2023, 12:16
Roberto Campos Neto
Briga entre Lula e o BC: Investidor não deveria temer saída precoce de Campos Neto, mas isso não quer dizer tranquilidade. (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

Se para bom entendedor meia palavra basta, a primeira Super Quarta de 2023 na semana passada deixou um recado muito claro por parte do Copom. Além disso, a briga entre Lula e o BC está fazendo preço e mexendo nas carteiras de investimentos.

O âmbito fiscal e a inflação continuam preocupando o Banco Central, e a taxa Selic deve permanecer alta por um período maior do que a autarquia gostaria.

O comitê, assim como o mercado esperava, manteve a taxa básica de juros do país em 13,75%. Mas o que realmente importava para o mercado financeiro era a ata da reunião. E no meu ponto de vista, o recado foi duro.

Inflação vai piorar em 2023

O Copom apontou uma piora nas expectativas da inflação para 2023, segundo sua própria projeção e também do Boletim Focus.

Na compilação do BC no último dia 6 de fevereiro, a expectativa das instituições financeiras para o IPCA este ano subiu a 5,74%, com a Selic ficando um pouco abaixo do patamar atual, em 12,50% para o final de 2023.

Ou seja, mesmo com uma expectativa de piora da inflação e as duras palavras do comitê, o mercado ainda aposta numa queda da Selic este ano.

Um ponto importante levantado sobre a razão pela qual o fantasma da inflação continua pairando sobre o país inclui o cenário internacional, onde o processo inflacionário de outros países acaba pressionando o real.

EUA com juros maiores

Nos EUA, por exemplo, a super quarta-feira trouxe um aumento na taxa de juros americana, mas em menor magnitude do que nas últimas reuniões do Fed.

Com a atual taxa trabalhando no patamar entre 4,5 a 4,75% ao ano, o Fed acredita que conseguirá atingir a meta de inflação de 2% ao ano no longo prazo. Mesmo assim, o BC americano continua engajado na luta contra a desvalorização do dólar, destacando que mais ajustes na taxa irão ocorrer.

Se ainda levarmos em conta o quão aquecido está o mercado de trabalho americano, a possibilidade de mais aumentos nos juros é muito grande.

O payroll, principal dado do mercado de trabalho dos EUA, divulgado sempre na primeira sexta-feira do mês, veio muito acima das expectativas do mercado. Foram criadas 517 mil vagas de trabalho em janeiro, enquanto o consenso Refinitiv era de 185 mil vagas.

Os ganhos médios de hora trabalhada também amentaram, mostrando que combater a inflação na terra do Tio Sam ainda pode levar algum tempo, influenciando todo o mercado global.

Arcabouço fiscal

Outro ponto fator levantado pela ata do Copom foi a tese de que o atual arcabouço fiscal pode ser um problema devido ao plano de expansão de gastos do governo federal.

Segundo as palavras do Copom, “A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária.

O Comitê avalia que tal conjuntura eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas”.

Com todos estes ingredientes na mesa, a relação entre o governo Lula e Roberto Campos Neto, presidente do BC, parece ter azedado de vez.

Climão

Lula já vinha criticando tanto o atual nível da taxa Selic, a qual o considera excessiva, quanto à meta de inflação do BC. Para o presidente, o Brasil não deve buscar uma meta de inflação de países mais desenvolvidos e deveria se preocupar mais com a desaceleração da economia.

Ele ainda se tornou um grande crítico do modelo atual de gestão do Banco Central, onde existe uma autonomia da autarquia sobre decisões que visam manter a estabilidade da nossa moeda e do sistema financeiro nacional.

Isso não quer dizer que o governo federal não tenha influência sobre as decisões do BC, mas a atuação do Palácio do Planalto é bem mais limitada do que antes da adoção desse modelo.

Nas palavras de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, o Copom poderia ter sido mais generoso com as medidas fiscais adotadas pelo atual governo.

Vale lembrar que a nota do comitê, em momento algum, comentou algo sobre as medidas que foram adotadas em termos de política fiscal, apenas externando a sua preocupação.

Haddad também quis deixar claro que a situação fiscal atual é herança do governo anterior, e que o ideal seria que as duas casas trabalhassem em harmonia.

Já o presidente Lula parece não ter a mesma paciência de Haddad. Tratando Campos Neto como aquele “indivíduo”, as críticas são bem mais contundentes, onde o presidente não vê justificativa nenhuma para manter a taxa no patamar atual.

O que vem aí

Até circularam boatos de que Lula poderia forçar a saída do atual presidente do BC, mas o custo político para a tal ato e em ativos do mercado financeiro provavelmente seria péssimo. Creio que isso não vá ocorrer.

Por outro lado, integrantes do governo afirmam que Campos Neto perdeu força para influenciar na indicação de novos diretores do BC. A próxima troca acontece no final de fevereiro, quando dois integrantes encerram seus mandatos.

Assim, enquanto não houver uma tentativa de reconciliação entre os dirigentes, a troca de farpas entre Governo Federal e banco central deve continuar, não facilitando em nada a vida de investidores e analistas.

Previsibilidade de atuação e entendimento entre as entidades que cuidam da nação é o mínimo que qualquer cidadão pode esperar, e não só do mercado financeiro. E termos duas instituições fundamentais para o funcionamento do nosso país falando línguas distintas, o que não ajuda em nada.

Fica pra gente a sensação de estar assistindo a uma daquelas novelas antigas, onde ao final de cada episódio, ficamos aguardando às cenas dos próximos capítulos. Que pelo menos o final traga algum desfecho satisfatório. É o que esperamos.

Analista e consultor financeiro no Kinvo
Beto Assad é analista de ações e consultor financeiro para o Kinvo, aplicativo que consolida investimentos de bancos e corretoras em um só lugar. Formado em Administração pela EAESP/FGV em 2004. Fez estágio na BM&F e tornou-se empreendedor antes de voltar ao mercado financeiro em 2009, trabalhando na Leandro&Stormer. Trabalhou posteriormente na Futura Invest, onde conheceu os sócios que criaram o Kinvo. Hoje, atua como analista de ações (CNPI-T) e é consultor de mercado financeiro.
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Beto Assad é analista de ações e consultor financeiro para o Kinvo, aplicativo que consolida investimentos de bancos e corretoras em um só lugar. Formado em Administração pela EAESP/FGV em 2004. Fez estágio na BM&F e tornou-se empreendedor antes de voltar ao mercado financeiro em 2009, trabalhando na Leandro&Stormer. Trabalhou posteriormente na Futura Invest, onde conheceu os sócios que criaram o Kinvo. Hoje, atua como analista de ações (CNPI-T) e é consultor de mercado financeiro.
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