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Cânhamo: agro do Brasil pode arrecadar até R$ 4,9 bi por ano fora impostos, diz consultoria

22 abr 2023, 9:00 - atualizado em 19 abr 2023, 12:40
Cânhamo
A China, principal produtora no mundo, destina 75% da sua produção à indústria têxtil; planta conta com mais de 25 mil usabilidades Foto: Pixabay

O Brasil se destaca internacionalmente pela agropecuária como referência na produção de alimentos. O país é o principal produtor mundial de diversas culturas. Entre elas, soja, café, açúcar e suco de laranja. Quando se olha para a exportação, o destaque é ainda maior: o país é principal exportador também de aves e carne bovina, além das culturas citadas.

No entanto, existe um potencial adormecido no agro brasileiro. Trata-se da produção de cânhamo no país. Com isso, o Agro Times conversou com Maria Eugênia Riscala e Thiago Cardoso, co-fundandores da Kaya Mind, consultoria que surgiu em 2020 e passou a prestar serviços para o mercado da cannabis, logo após a regulamentação do uso medicinal no Brasil.

O que é o cânhamo e quais são suas usabilidades?

O cânhamo é uma subespécie da Cannabis sativa L. e está presente como matéria-prima para fins medicinais (através do óleo do CBD) e industriais. Aos poucos, a cultura vem sendo reintroduzida na agricultura de diversos países. A planta, que pode ser usar por sua biomassa, pode atingir alturas significativas e tem alto rendimento, além de ser resistente a pragas.

O cânhamo conta com no máximo 0,3% de tetrahidrocanabinol (THC), substância que causa efeitos psicoativos. No entanto, pelo baixo índice de THC, 33 vezes mais baixo do que o encontrado nas plantas de cannabis, é impossível sentir efeitos psicotrópicos pelo uso do cânhamo.

Assim, a cannabis e o cânhamo fazem parte da mesma espécie. Contudo, o fator determinante para a denominação da planta em questão passa pelo teor de THC presente. Enquanto a cannabis é cultivada por seus fatores psicoativos, o cânhamo é produzido por suas usabilidades em diferentes indústrias.

Vale ressaltar que apenas as plantas fêmeas da cannabis são cultivadas pelos efeitos psicoativos, já que as plantas macho contam com baixos níveis de THC.

Do cânhamo, é possível utilizar quatro partes das plantas. São eles:

  • Caules: Transformados em fibras, utilizadas para fraldas, sapatos, cordas, papel e embalagens
  • Folhas: Transformadas em polpa, utilizada para papel e embalagens, cimento, camas para pets e fibra de vidro
  • Flores: Transformadas em extratos, utilizados para produção de óleos e destilados
  • Sementes: Transformadas em óleos, usados como azeite, margarina, suplementos, biocombustível, solventes, bioplásticos, cosméticos e outros, além de serem utilizadas cruas em alimentos, como na granola.

Na Kaya Mind, há um mote: “A cannabis é tudo e tudo pode ser feito de cannabis”. O exemplo, considerado como  superlativo pela própria consultoria, busca apenas enunciar diferentes destinos da planta, que conta com mais 25 mil usabilidades.

Maria Eugênia Riscala, CEO da Kaya Mind, ressalta as características alimentícias da planta. Afinal, a proteína do cânhamo só tem menos quantidade de proteína por porção do que a ervilha.

“O cânhamo é alimento, sendo grão ou semente, esse é um potencial muito diferente de outros produtos sustentáveis. Isso porque é possível fazer desde a ração animal até um grão benéfico para saúde humana. Essa seria uma grande revolução em termos de alimentação. Além disso, o cânhamo utiliza muito menos água que outras culturas. Além de ser forte, resistente ao vento e acostumada a nascer em qualquer lugar. Então, existe toda essa questão da sustentabilidade”, avalia.

Thiago Cardoso, chefe de inteligência da consultoria, explica que o cânhamo pode substituir tudo que é feito a partir do plástico e ressalta os benefícios do concreto feito a partir do produto, chamado de hempcrete.

“Existem fábricas de automóveis que fazem portas de carros de cânhamo, existe isolante de ar-condicionado, camisetas, tênis e calças feitas a partir do produto. Hoje, o concreto feito a partir da planta traz muito mais benefícios como durabilidade e sustentabilidade na comparação com o concreto tradicional”, explica.

Outro destaque fica para as vantagens do cânhamo como matéria-prima na comparação com o eucalipto.

Cânhamo Eucalipto
Fibras para papel por hectare 4x 1x
Porcentagem de celulose na composição até 77% até 45%
Ciclo de cultivo 100-140 dias 6-7 anos
Durabilidade média do papel 200 anos 66 anos

China e o cânhamo

A China, principal produtora de cânhamo no mundo, destina mais de 407 mil hectares para produção da planta e conta com uma longa história de produção da matéria-prima com destino ao uso industrial, com o caule sendo utilizado para produção de fibras têxteis. De acordo com a Kaya Mind, de tudo que o país produz, 75% se destina para produção de fibra.

“A China nunca parou de plantar cânhamo, nunca foi proibido por lá, e por quê? Porque eles são os maiores produtores de fibra do mundo. Eu não vi o mercado têxtil da China diminuir igual o nosso, o Brasil perdeu sua indústria têxtil, que era fortíssima antigamente. Por essas questões, o país pode ser considerado um vanguardista na produção de cânhamo”, explica Cardoso.

Arrecadação da indústria com a regulamentação do cânhamo

Com uma possível regulamentação do cultivo do cânhamo no Brasil, a Kaya Mind estima que no quarto ano após a normatização, o país contaria com uma área de 15,1 mil hectares para produção.

Evolução da área destinada ao plantio de cânhamo – Kaya Mind
1º ano 296 hectares
2º ano 1,9 mil hectares
3º ano 5 mil hectares
4º ano 15,1 mil hectares

 

Produção em toneladas – Kaya Mind 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano
Fibras 666 4,2 mil 11,2 mil 33,4 mil
Sementes 18 112 298 905
Óleo de sementes 6 37 99 302
Óleo de CBD 16 100 268 814

Baseado em estimativas de diferentes países, a Kaya Mind pôde estimar quanto cada um dos insumos valeria no Brasil, e assim, calcular o total produzido pelo setor.

Preço de cada insumo por hectare – Kaya Mind
Fibras R$ 12 mil
Sementes R$ 21 mil
Óleo de sementes R$ 71 mil
Óleo de CBD R$ 160 mil

Assim, no quarto ano da regulamentação do cultivo, as vendas por safras totalizariam R$ 4,9 bilhões, com cerca de 6,7% de impostos por temporada, com isso, seria possível arrecadar cerca de R$ 330 milhões em tributos por ano.

Valor arrecadado por ano – Kaya Mind Produção Impostos
1º ano R$ 96,7 milhões R$ 6,5 milhões
2º ano R$ 608,2 milhões R$ 40,7 milhões
3º ano R$ 1,6 bilhão R$ 108,6 milhões
4º ano R$ 4,9 bilhões R$ 330,1 milhões

Por que o Brasil não avança na regulamentação da produção do cânhamo?

A estigmatização da cannabis não é uma novidade no Brasil. De acordo com especialistas, o país está longe de um cenário para regulamentação do cânhamo.

De acordo com Luciano Ducci, relator do Projeto de Lei 399/2015, que aguarda Deliberação do Recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA), e busca regulamentar o cultivo da cannabis para uso medicinal em território brasileiro e normatizar o cultivo de cânhamo para fins industriais. No entanto, há chance para criação de um novo mercado no Brasil, com a geração de receitas, empregos e impostos.

“Em termos comparativos, a China vem investindo em pesquisa sobre aplicações do cânhamo industrial há décadas, fazendo com que esse país tenha centenas de patentes ligadas à planta. Em termos de vendas, o mercado legal do cânhamo industrial ultrapassou a casa dos US$ 1,2 bilhão em 2018, sendo a maior parte proveniente da indústria têxtil.”, explica Ducci.

Foi publicada em agosto de 2020 a Instrução Normativa nº 52 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que estabeleceu critérios para o cultivo de cânhamo para fins de pesquisa.

Essa instrução normativa permitiu o cultivo de cânhamo para pesquisa científica, desde que cumpridas determinadas exigências e autorizações, como a obtenção de autorização prévia do Mapa, a utilização de sementes certificadas, a manutenção de um sistema de rastreabilidade e a manutenção dos limites de THC estabelecidos em 0,3%.

Essa regulamentação abriu caminho para a pesquisa e desenvolvimento de variedades de cânhamo com baixo teor de THC no Brasil. No entanto, ainda não regulamentou a produção comercial de cânhamo para fins industriais.

Repórter
Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas Tadeu. Atua como repórter no Money Times desde março de 2023. Antes disso, trabalhou por pouco mais de 3 anos no Canal Rural, onde atuou como editor do Rural Notícias, programa de TV diário dedicado à cobertura do agronegócio. Por lá, participou da produção e reportagem do Projeto Soja Brasil, que cobre o ciclo da oleaginosa do plantio à colheita, e do Agro em Campo, programa exibido durante a Copa do Mundo do Catar e que buscava mostrar as conexões entre o futebol e o agronegócio.
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Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas Tadeu. Atua como repórter no Money Times desde março de 2023. Antes disso, trabalhou por pouco mais de 3 anos no Canal Rural, onde atuou como editor do Rural Notícias, programa de TV diário dedicado à cobertura do agronegócio. Por lá, participou da produção e reportagem do Projeto Soja Brasil, que cobre o ciclo da oleaginosa do plantio à colheita, e do Agro em Campo, programa exibido durante a Copa do Mundo do Catar e que buscava mostrar as conexões entre o futebol e o agronegócio.
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