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Como o coronavírus evidenciou a infraestrutura imperfeita do mercado cripto

13 abr 2020, 12:12 - atualizado em 13 abr 2020, 12:14
No dia 12 de março, conhecido como “Quinta-Feira Sombria”, os mercados de criptoativos sofreram uma das piores quedas da História. O que aconteceu e quais lições podemos aprender? (Imagem: Crypto Times)

Nesta publicação, Hugo Renaudin, CEO e cofundador da corretora institucional de criptoativos LGO, sugere que a “Quinta-Feira Sombria do Bitcoin” revela sérios problemas sobre a estrutura de mercado do Bitcoin.

O dia 12 de março de 2020 agora é conhecido como o dia em que a estrutura do mercado cripto falhou, mas a culpa não foi das “grandes liquidações”. O bitcoin atingiu uma baixa de US$ 3.867 por alguns minutos antes de se recuperar acima dos US$ 4 mil.

Por conta de diversos acontecimentos em apenas 13 horas, desde o pânico dos investidores conforme os mercados tradicionais caíram à liquidação de US$ 1 bilhão de posições compradas, 25% do mercado foi aniquilado. A infraestrutura do mercado cripto simplesmente cedeu.

A culpada é a estrutura de mercado

Para entender como isso aconteceu, precisamos entender como funciona a estrutura do mercado cripto. Diferente do mercado tradicional, esse mercado usa diversas plataformas de negociação, e não apenas uma, centralizada.

Geralmente, os preços variam entre plataformas de negociação, mas a menor escala, graças a negociadores que capturam, de forma contínua, essas oportunidades de arbitragem (arbitragistas).

Ao realizar arbitragem em todos os mercados e entre diversos formadores de mercado, é possível obter uma convergência de preço na maioria das plataformas de negociação (Imagem: Unsplash/@silverhousehd)

Arbitragistas são uma parte fundamental do mecanismo de descoberta de preço no mercado. São a mão invisível que torna os mercados cripto (mais) eficientes ao harmonizar preços entre uma plataforma e outra.

A maioria dos negociadores usam a mesma plataforma para obter a referência de preço: BitMEX. Essa plataforma dá acesso ao mercado mais líquido de BTC/USD com um custo relativamente baixo de capital, por meio do uso de instrumentos chamados “perps” (futuros perpétuos).

Por conta da alavancagem desses instrumentos, usuários precisam fornecer garantias ao negociar na BitMEX, e essa garantia pode ser liquidada automaticamente se o preço de movimentar demais em apenas uma direção.

Geralmente, arbitragistas depositam uma margem na BitMEX, negociam em outra corretora e fazem o hedge (abrem novas posições para proteger as existentes quando houver movimentações imprevisíveis de mercado) de todas as suas negociações na BitMEX, coletando a diferença de preço (“spread”) entre outras corretoras e a BitMEX.

Ao fazer isso em todos os mercados e entre diversos formadores de mercado, é possível obter convergência de preço na maioria das plataformas de negociação.

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Para evitar o fechamento de posições, diversos negociadores começaram a enviar garantias adicionais em bitcoin para a BitMEX ao mesmo tempo, congestionando o blockchain Bitcoin (Imagem: Pixabay/FirmBee)

O que isso significa?

O preço do bitcoin em qualquer plataforma de negociação é próximo ao preço na BitMEX graças aos formadores de mercado. Assim, o preço na BitMEX é o preço de referência, criando uma concentração de fundos na corretora.

A forma como a BitMEX funciona é que, quando preços variam e a posição de um usuário fica muito baixa, a BitMEX liquida a posição em sua própria corretora. Geralmente, isso funciona bem por conta da impressionante liquidez nos contratos futuros perpétuos da BitMEX.

Quando o preço do bitcoin caiu no dia 12 de março, a extraordinária volatilidade atingiu primeiro a BitMEX, que começou a liquidar posições de forma bem agressiva.

Para evitar o fechamento de posições, diversos negociadores começaram a enviar garantias adicionais em bitcoin para a BitMEX ao mesmo tempo, congestionando o blockchain Bitcoin.

Por isso, as garantias adicionais não atingiram a maioria das contas de usuários na BitMEX, resultando em uma reação em cadeia de liquidação em seu livro de oferta.

A certo momento, a BitMEX tinha US$ 200 milhões de liquidações pendentes para apenas US$ 20 milhões de ordens pendentes.

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“Circuit-breakers” interrompem a liquidação quando movimentações grandes ou incomuns são detectadas, evitando que negociadores perdam muito dinheiro de forma repentina (Imagem: Pixabay/Pexels)

Se não fosse pela pausa de última hora para a manutenção, que interrompeu a negociação, o bitcoin teria caído para zero na BitMEX, e todas as outras corretoras teriam feito o mesmo, embora temporariamente.

Muitos ativos tradicionais são negociados com alavancagem nas corretoras tradicionais, mas não parecem passar por esse tipo de problema.

Corretoras tradicionais usam “circuit-breakers” para interromper a negociação após determinados acontecimentos, por exemplo, se os preços se movimentam muito em uma direção.

Em cripto, a interrupção na plataforma BitMEX teve o papel de circuit-breaker.

Liquidação institucional foi um fator causal

A opinião geral de que a culpa é de uma grande liquidação institucional é infundada. Em vez disso, o colapso da infraestrutura de mercado foi o principal fator causal.

É irrelevante perguntar se o bitcoin e os mercados tradicionais possuem correlação ou não.

Em primeiro lugar, ter um ativo não correlacionado não resulta em adesão por investidores tradicionais. Em segundo lugar, durante uma crise, todos os ativos que perdem valor são correlacionados, assim como aconteceu no dia 12 de março. Em terceiro lugar, os aspectos fundamentais de preço são muito diferentes entre criptoativos e ativos tradicionais.

Apesar de os negociadores varejistas em criptoativos serem afetados tanto pelo mercado acionário como pelo mercado cripto, a maioria dos agentes institucionais, como mineradores ou fundos de hedge em cripto, não são (Imagem: Freepik)

Bitcoin e outros criptoativos não sofreram tanto como os mercados tradicionais com os impactos da pandemia do coronavírus. Isso faz sentido porque o mercado cripto também reage a fatores, como mineração e atividade em corretoras cripto, dentre outros.

Apesar de os negociadores varejistas em criptoativos serem afetados tanto pelo mercado acionário como pelo mercado cripto, a maioria dos agentes institucionais, como mineradores ou fundos de hedge em cripto, não são.

Além disso, apesar de o mercado ter sofrido um grande colapso na Quinta-Feira Sombria, se recuperou tão rápido quanto caiu. Isso valida o nosso raciocínio acima: o mercado de criptoativos atingiu um limite de volatilidade que fez com que sua infraestrutura cedesse, resultando em grandes liquidações.

Se a BitMEX não tivesse interrompido a atividade de sua plataforma para realizar uma manutenção, o bitcoin teria chegado a 0 — sem alteração na lógica sobre seu valor. Essa não foi uma grande liquidação bem-instruída ou uma mudança na percepção dos investidores sobre o ativo.

Aumento na adesão do blockchain como tecnologia pode acontecer em meio à crise, o que poderia munir instituições financeiras com a tecnologia certa para possuir criptoativos, como o bitcoin (Imagem: Crypto Times)

Lições aprendidas com a crise do COVID-19

Agora, mais do que nunca, o bitcoin é relevante para a economia global. Bancos centrais em todo o mundo, começando com o Federal Reserve dos EUA e o Banco Central Europeu, começaram a aplicar grandes políticas monetárias e inflacionárias.

O fato é que uma única plataforma, BitMEX, poder movimentar o preço do bitcoin de 1 a quase 0 é um grande problema para o bitcoin. Agora, mais do que nunca, existe a necessidade de uma melhor infraestrutura de mercado.

COVID-19 poderia resultar em um aumento na adesão do blockchain como tecnologia, o que poderia munir instituições financeiras com a tecnologia certa para custodiar criptoativos, como o bitcoin.

Com mais da metade da população mundial sob quarentena, a tecnologia blockchain poderia ser uma solução para um problema contínuo: como digitalizar transferências de valor de forma segura na internet.

A maior parte do sistema financeiro depende de operações quase manuais para a movimentação de ativos. Quando operadores não podem desempenhar essas ações, como certificar que o sistema financeiro continue funcionando? Nesse momento, a necessidade não poderia ser maior.

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