Thinking outside the box

Como os problemas no setor bancário gringo colocam o Banco Central numa sinuca de bico

17 mar 2023, 18:20 - atualizado em 17 mar 2023, 18:34
Banco Central
“O contexto não é trivial. O Banco Central terá que fazer uma escolha difícil”, escreve Matheus Spiess (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Os mercados financeiros globais lidaram ao longo dos últimos dias com muita volatilidade. A liquidação da Silvergate Capital, focada em criptomoedas, e o colapso do Silicon Valley Bank (SVB), seguido do Signature Bank, levantaram questões sobre os riscos de instabilidade financeira para a economia norte-americana, bem como o risco de contágio para outros bancos regionais nos EUA.

O problema começou quando o SVB Financial Group, controlador do Silicon Valley Bank (o “banco do Vale do Silício”), que era o 16º maior banco americano, registrou um grande prejuízo, provocando a venda de ações de grandes bancos dos EUA — a instituição vendeu títulos de sua carteira com uma perda de US$ 1,8 bilhão, ao mesmo tempo em que anunciava planos para levantar capital por meio de uma oferta de ações ordinárias e preferenciais.

A notícia gerou muito pessimismo. Para se ter ideia do tamanho do problema, já havia se passado 15 anos desde que o Bear Stearns chocou Wall Street e o mundo ao ser forçado a se vender por um preço baixíssimo.

Com isso, o Silicon Valley Bank é a primeira instituição segurada pelo Federal Deposit Insurance Corporation, ou FDIC (Uma espécie de fundo garantidor), a ser liquidada desde 2020 e o maior banco falido desde a crise financeira de 2008.

No fundo, o problema decorre do aumento das taxas de juros. Como? Bem, os bancos estão sobrecarregados com títulos mais antigos e de menor rendimento que perderam valor repentinamente com a alta de juros nos mercados centrais.

Ninguém quer uma carteira de títulos com rendimento de 1% quando o mercado atual está vendendo títulos do Tesouro de 6 meses rendendo acima de 5%.

No passado, o SVB pegou os depósitos de seus clientes e os usou para comprar esses títulos de baixo rendimento. No começo do mês, o banco foi forçado a vender os títulos com prejuízo, provocando a queda das ações. A partir daí, o pânico cresceu, culminando na falência do banco.

Não há sinais, porém, de risco sistêmico, apesar da subsequente quebra do Signature Bank e do estresse com o First Republic Bank.

Por isso, deixo claro desde já que, em minha visão, os eventos não devem ter implicações mais amplas e significativas para a economia, não compondo, portanto, um sinal de risco sistêmico para o setor bancário.

Não estamos em 2007 ou 2008.

Para aliviar o mercado, o Tesouro americano, o Federal Reserve (BC dos EUA) e o FDIC (fundo garantidor), intervieram em conjunto já na noite de domingo para proteger os clientes do SVB e apoiar outras instituições depositárias elegíveis, conforme necessário. A ideia aqui é evitar o surgimento de um risco sistêmico.

O problema mais recente, no entanto, foi com o Credit Suisse. As ações do Credit Suisse, que atingiram seu pico acima de US$ 75 por ação em 2007, antes da crise financeira global, entraram em 2023 cotadas em torno de US$ 3 e negociam ao redor de US$ 2 hoje em dia, uma queda de mais de 30% no ano.

O gatilho para a queda de agora foi a identificação de fraquezas materiais nos relatórios financeiros de 2021 e 2022 do Credit Suisse, além da notícia de hoje de que o Saudi National Bank não forneceria mais capital para manter sua participação abaixo de 10%.

O Credit Suisse tem lutado contra problemas há anos, incluindo perdas relacionadas ao colapso em 2021 da empresa de investimentos Archegos Capital. A crise recente dos bancos regionais nos EUA apenas reacendeu as preocupações com os setores financeiros. Há quem diga que, para solucionar a questão, uma fusão entre UBS e CS pode acontecer, mas acredito ser difícil.

Por enquanto, o resgatar do Banco Central suíço parece servir de salva-vidas. A autoridade monetária forneceu suporte à instituição financeira ao oferecer um empréstimo (linha de liquidez) de até 50 bilhões de francos suíços (US$ 53,7 bilhões). A notícia traz um pouco mais de calma aos mercados, mas está longe de resolver o problema.

Ao mesmo tempo, o First Republic Bank, dos EUA, foi resgatado por um grupo de grandes credores dos EUA, o que aliviou as preocupações sobre a atual turbulência bancária — o banco deve receber US$ 30 bilhões de um grupo dos maiores bancos da América, incluindo JPMorgan, Bank of America, Wells Fargo e Citigroup. Ajuda importante, mas não o suficiente para combater todo estresse.

O nervosismo permanece, sim, mas os movimentos das autoridades e grandes players do mercado deveriam servir ao menos para acalmar marginalmente os temores que, de outra forma, poderiam ter desencadeado novas corridas aos bancos, como aconteceu no caso da SVB.

Não desisto de pensar que a economia dos EUA passará por uma leve recessão durante o segundo semestre deste ano. Não vejo, porém, um desfecho catastrófico. Sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, diante do aperto monetário sem precedentes do Fed, algum corpo poderia aparecer boiando. Dito e feito. Resta saber se teremos mais corpos.

Pix Estados Unidos FedNow
Tanto o Federal Reserve dos EUA como o Banco Central do Brasil conduzirão suas respectivas reuniões de política monetária na semana que vem (Imagem: REUTERS/Sarah Silbiger)

Ao mesmo tempo, por mais distante que possa parecer, o contexto guarda relação com o que está acontecendo com o Brasil.

Tanto o Federal Reserve dos EUA como o Banco Central do Brasil conduzirão suas respectivas reuniões de política monetária na semana que vem. Acontece que, considerando o episódio, o jogo está em aberto.

Nos EUA, por exemplo, Jerome Powell, o presidente do Fed, colocou recentemente mais uma vez na mesa a possibilidade de uma alta de 50 pontos-base na reunião, o que reaceleraria o processo de aperto. A fala envelheceu muito mal.

Nunca acreditei nesse movimento de 50 pontos, na verdade, entendendo a participação de Powell como um desastrado exercício de atuação vocal, mostrando tom ainda contracionista. Sim, se levarmos em conta a inflação e o mercado de trabalho, o Fed ainda tem espaço para continuar subindo os juros e mantê-los elevados por mais tempo, como aconteceu na Europa.

No velho continente, o BCE elevou as taxas de juros em 50 pontos-base, para 3,5% ao ano, e sinalizou que seus próximos passos dependem dos dados, como está acontecendo nos EUA também (aliás, em qualquer banco central bem administrado, a política monetária sempre depende dos dados, mas isso não vem ao caso). Este aumento da taxa do BCE é uma boa notícia no contexto de taxas de inflação persistentemente altas.

Ocorre, porém, que os choques no sistema financeiro foram relevantes e, consequentemente, os elevados riscos de instabilidade financeira argumentam ligeiramente a favor do aumento das taxas do FOMC em apenas 25 pontos-base na próxima reunião, o que será um modesto suporte para os mercados.
São muitas instituições do mercado financeiro agora observando o fim do aperto monetário do horizonte.

Muitos nomes respeitados já indicaram que há espaço para um afrouxamento do tom. Há quem diga, inclusive, que há espaço para um corte já em março.

Duvido, mesmo que o cenário esteja entre os possíveis. Trabalho com a chance predominante de um último ajuste de 25 pontos base, sinalizando uma pausa, ao menos por enquanto, do processo de aperto monetário.

Claro que isso pode mudar nos próximos dias, a depender da digestão dos dados de inflação e de novidades envolvendo o setor bancário americano, em especial o regional.

O ponto é que esse evento dialoga com o que estamos vivendo no Brasil. Diferentemente dos EUA, já encerramos o processo de aperto monetário, restando agora saber quando começaremos a redução de juros.

Ter que lidar com tantas crises em tantos lugares ao mesmo tempo é um verdadeiro desafio para o BC.

Temos três frentes de atuação: para pensar:

  1. a inflação corrente;
  2. a possibilidade de uma crise de crédito (local e internacional); e
  3.  problemática fiscal, que prejudica a formação de expectativas.

Hoje, vivemos em uma situação na qual o primeiro ponto impede o BC de subir os juros, enquanto o segundo demanda alguma flexibilização, de modo a evitar uma quebradeira descontrolada pelo Brasil. O terceiro e último ponto, mas não menos importante, está em aberto, e tem como grande divisor de águas o novo arcabouço.

Os meses de janeiro e fevereiro foram marcados por um embate duro entre o Poder Executivo e o Banco Central. Lula e sua base, bem como várias lideranças do país, estão nervosos com os juros elevados, que prejudicam as perspectivas de crescimento. Conversamos sobre esse tema recentemente.
Antes do final do próximo Copom, teremos a apresentação formal da regra fiscal que deverá substituir o teto de gastos.

O problema é que ele é condição necessária para a queda dos juros, porém não suficiente. Com isso, partindo dessa perspectiva, poderíamos ter uma flexibilização do discurso na semana que vem, sinalizando queda da Selic em maio.

Isso pode irritar os políticos e empresários brasileiros, mas há pouco que possamos fazer. As expectativas ainda não estão ancoradas, há muita incerteza no ar, vivemos diariamente com atritos desnecessários contra a autoridade monetária e a inflação, como pudemos ver sexta, ainda está vindo acima do esperado.

O contexto não é trivial. O Banco Central terá que fazer uma escolha difícil.

O caminho pode ser um argumento técnico no sentido da possibilidade de uma crise de crédito (se o arcabouço fiscal for decente, também pode ser usado como argumento).

Ao mesmo tempo, a quebra dos bancos americanos pode dar impulso ao Banco Central sinalizar o início do ciclo de corte da Selic – entendo que ele vai indicar possibilidade de queda marginal dos juros em maio ou, no mais tardar, em junho (sem deixar o mês especificamente claro).

O motivo? O colapso dos bancos, ainda que regionais e não primários, coloca as condições financeiras globais, que já estavam se contraindo, em situação de ainda mais aperto, tendo efeito baixista para a inflação, uma vez que é inibidor de atividade.

Com menos espaço para mais juros nos EUA, o Brasil pode reduzir sua taxa de juros com maior tranquilidade, ou ao menos planejar a redução.

Dessa maneira, se torna menos problemático para a autoridade monetária começar a reduzir gradualmente a restrição, uma vez que o balanço de riscos domésticos e internacionais mudou.

Ainda temos alguns dias até a reunião. Ultimamente, cada dia parece uma eternidade em termos de informação. Será importante acompanharmos a apresentação do arcabouço fiscal e os próximos capítulos da novela dos bancos gringos.

Só assim conseguiremos ter uma clareza maior de para onde estamos navegando.

Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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