De um barracão em Paris ao Nobel de 2025: o legado de Marie Curie

Em 1906, um cavalo em disparada matou um homem nas ruas de Paris. Seu nome era Pierre Curie — físico, pesquisador, companheiro de laboratório e marido de Marie Curie, a mulher que transformaria o luto em revolução científica.
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Três anos antes, o casal havia conquistado o Prêmio Nobel de Física pela descoberta da radioatividade — um fenômeno tão novo que ainda nem tinha nome certo. Mas, quando Pierre morreu, Marie ficou sozinha com duas filhas, um microscópio e o peso de uma ausência que nenhuma equação explicava.
Do luto à descoberta
Sem o marido e sem recursos, Marie continuou seus experimentos em um barracão improvisado, entre vapores e minerais que brilhavam à noite — um brilho bonito, perigoso e mortal.
Foi ali que isolou dois novos elementos químicos, o rádio e o polônio, e redefiniu os limites do invisível.
Curie manipulava substâncias radioativas sem proteção — sem luvas, sem saber que o mesmo brilho que encantava seus olhos corroía seu corpo por dentro.
Décadas depois, morreria de anemia aplástica, causada pela exposição contínua à radiação. Seus cadernos de anotações continuam radioativos e são guardados em cofres de chumbo na França.
Nada disso, porém, a deteve enquanto viva. Durante a Primeira Guerra Mundial, ela criou unidades móveis de raio-X — as Petites Curies — e levou a tecnologia aos campos de batalha para salvar soldados feridos.
O segundo Nobel
O brilho do rádio iluminou laboratórios e vitrines. Por um tempo, virou moda: cremes, relógios e brinquedos usavam compostos radioativos, como se a luz invisível de Marie tivesse se espalhado pelo mundo.
Mas ela nunca se interessou pela fama. Até que, em 1911, cinco anos após a morte de Pierre, Marie se envolveu com o físico francês Paul Langevin, ex-aluno e colaborador do marido.
O caso se tornou escândalo nacional. A perseguição foi tamanha que manifestantes cercaram sua casa em Paris, e ela precisou se refugiar com as filhas.
Enquanto os jornais exploravam sua vida privada, a Academia Sueca anunciou: Marie Curie era a vencedora do Prêmio Nobel de Química de 1911 — o segundo de sua carreira.
A própria Academia sugeriu que ela não comparecesse à cerimônia, “para preservar a dignidade do prêmio”. Marie respondeu: “O prêmio foi concedido pelos meus méritos científicos. Não há relação entre minha vida privada e minhas descobertas.”
Mais de um século depois, Marie Curie segue entre as figuras mais influentes da ciência moderna. O Instituto Curie, fundado por ela, continua referência mundial em pesquisa médica — e sua filha, Irène Joliot-Curie, também ganhou o Nobel de Química, em 1935.
Um salto de 90 anos no Prêmio Nobel
A química, aliás, era a área mais importante para o trabalho de Alfred Nobel (1833–1896), criador do prêmio.
Hoje (8), o Prêmio Nobel de Química de 2025 foi concedido a Susumu Kitagawa (Universidade de Kyoto, Japão), Richard Robson (Universidade de Melbourne, Austrália) e Omar M. Yaghi (Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA) pelo desenvolvimento das estruturas metal-orgânicas, conhecidas como MOFs (metal-organic frameworks).
Trata-se de materiais ultraporosos capazes de capturar, armazenar e separar moléculas em nível atômico.
Essas estruturas podem ser usadas para extrair água do ar do deserto, capturar dióxido de carbono, armazenar gases tóxicos, remover os “químicos eternos” (PFAS) da água, catalisar reações químicas e até transportar medicamentos dentro do corpo.
“Imagine que, com as ferramentas químicas, pudéssemos criar materiais inteiramente novos com propriedades desconhecidas… sólidos cheios de pequenos espaços, onde moléculas de gás podem se sentir em casa e com propriedades ajustáveis conforme a necessidade”, disse Heiner Linke, presidente do Comitê Nobel de Química, ao anunciar os vencedores.
É como se fosse um lego microscópico feito de metais e moléculas orgânicas: as peças se encaixam e formam uma espécie de esponja invisível, cheia de canais minúsculos — tão pequenos que só átomos ou moléculas conseguem passar.
E é justamente isso que torna os MOFs tão promissores.