Câmbio

Historicamente incomum, combinação de títulos dos EUA em alta e dólar em queda tem efeitos sobre o real; veja quais são

02 jun 2025, 11:53 - atualizado em 02 jun 2025, 18:09
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(Imagem: Reuters/Dado Ruvic/Ilustração)

Nas últimas semanas, o dólar tem perdido força ante as moedas globais. O indicador DXY, que compara a divisa norte-americana com uma cesta de seis outras moedas (euro, iene, libra, dólar canadense , coroa sueca e franco suíço) acumula queda de mais de 8% no acumulado do ano e opera abaixo dos 100 pontos. 

Já na comparação com o real, o dólar caiu do patamar de R$ 6,40, em janeiro, para o nível de R$ 5,70 agora. 

Por outro lado, os rendimentos (yields) dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, chamados de Treasuries, atingiram as máximas desde 2023 nas últimas semanas. 

No longo prazo, os juros projetados para a dívida de 30 anos, referência para o mercado de hipoteca norte-americano, superou a marca dos 5% recentemente e operam no maior nível do ano. 

Em linhas gerais, o desempenho dos Treasuries estão diretamente relacionados com o dólar e, geralmente, quando os títulos do Tesouro dos EUA se valorizam, o dólar tende a ganhar força. 

Isso porque os Treasuries são considerados os títulos mais seguros do mundo por serem emitidos pelo governo dos Estados Unidos — sem nenhum histórico de “calote”. Esses ativos são cotados em dólar, aumentando a demanda pela moeda norte-americana em tempos de incerteza. 

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Dólar e Treasuries em direção contrárias: o que está por trás do movimento

Entre outubro e novembro de 2023, os rendimentos dos Treasuries operaram na casa dos 5%, até então no maior patamar desde 2016, e a valorização bateu no dólar. 

Agora, porém, o movimento é outro: títulos dos EUA em valorização e dólar fraco. O gatilho para o ‘descompasso’ foi o anúncio do ‘tarifaço’ de Trump no início de abril — que elevou as incertezas sobre a dinâmica do comércio internacional, com desaceleração do crescimento mundial, além do aumento da inflação norte-americana, que permanece acima da meta do Federal Reserve (Fed), de 2%. 

“Com todas essas incertezas do governo Trump, agora o mercado piorou o humor em relação a essa história de continuar financiando os Estados Unidos”, disse Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad em entrevista ao Money Times

“O ‘tarifaço’ é uma grande questão e não vai ser resolvido no curto prazo. Então, veremos bastante volatilidade também na moeda”, acrescentou Igliori. 

Venda de títulos pela China 

Como parte da retaliação, a China reduziu as suas posições em Treasuries e caiu de segundo para terceiro país no ranking dos maiores detentores de títulos de dívida da maior economia do mundo. Japão e Reino Unido são os maiores ‘credores’ dos EUA. Esse movimento, porém, foi “só foi um barulho no mercado”, na visão de Juliana Benvenuto, sócia e coordenadora de conteúdo da Avenue.  

“O que aconteceu, principalmente no ‘tarifaço’, foi justamente um descolamento das taxas de longo prazo para as de curto prazo. Foi um momento em que as pessoas estavam buscando ativos de segurança e os títulos de curto prazo dos Estados Unidos continuaram sendo parte da busca dos investidores”, afirma Benvenuto. 

“A venda de títulos públicos americanos por parte do governo chinês, acabou não fazendo muito preço, trouxe só barulho, porque não é um valor muito expressivo.”

Mesmo com o enfraquecimento, o dólar segue como a moeda de reserva global. “A China está vendendo [os Treasuries] e quer tirar o dólar como moeda principal, mas dificilmente isso vai acontecer no curto prazo. É um movimento que leva muito tempo para acontecer”, disse Juliana. 

Na mesma visão, o economista-chefe da Nomad afirma que o chamado ‘excepcionalismo americano’ ajuda a manter a perspectiva de dólar ainda dominante. 

“Desde o final da Segunda Guerra Mundial, principalmente, os Estados Unidos tem construído uma estrutura complexa. Então, você desmontar isso de uma forma importante não é uma tarefa simples”, disse Igliori. 

“Uma turbulência, por sua vez, já começou, que muito provavelmente vai piorar e que pode ser mais ou menos profunda. Mas tivemos a crise do subprime há quase 10 anos e outras crises durante as últimas décadas, e o que a gente viu como resultado é sempre uma recuperação e uma proeminência nos Estados Unidos”, acrescentou. 

Rebaixamento da Moody’s e Orçamento

Além das tarifas de Trump, o rebaixamento da nota de crédito pela agência de risco Moody’s e a aprovação do projeto de lei tributário pela Câmara dos Representantes — acrescentará cerca de US$ 3,8 trilhões à dívida de US$ 36,2 trilhões do governo federal na próxima década — também injetaram mais cautela no mercado de títulos e câmbio. 

Na visão de Benvenuto, da Avenue, o risco maior do déficit e da dívida pública norte-americana aumentar por conta de uma redução de impostos é o principal fator de preocupação, por ora. 

Dólar versus Real  

O dólar também tem perdido força ante o real. No acumulado do ano, a divisa norte-americana acumula baixa de cerca de 8% em relação à moeda brasileira — resultado da rotação global de ativos após o tarifaço que injetou mais de R$ 20 bilhões no mercado brasileiro. 

“Quando se olha para DXY e vê o dólar perdendo força parece significativo, mas a gente não pode esquecer que estamos no Brasil e o real não é uma moeda que está na cesta do DXY”, afirma Juliana Benvenuto, da Avenue. 

Historicamente, em cenários de forte desvalorização do DXY, o real também opera enfraquecido — pressionado pela incerteza sobre a dinâmica global e fuga dos investidores em países emergentes. 

“Em momentos de estresse lá fora, o real costuma perder valor. Na crise de 2008, por exemplo, o DXY perdeu bastante valor e chegou às mínimas no nível de 71 pontos. Naquele momento, a nossa moeda também perdeu muito valor frente ao dólar. Então a gente não pode esquecer desses aspectos como brasileiro e como investidor aqui no Brasil”, disse. 

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Repórter
Jornalista formada pela PUC-SP, com especialização em Finanças e Economia pela FGV. É repórter do MoneyTimes e já passou pela redação do Seu Dinheiro e setor de análise politica da XP Investimentos.
liliane.santos@moneytimes.com.br
Jornalista formada pela PUC-SP, com especialização em Finanças e Economia pela FGV. É repórter do MoneyTimes e já passou pela redação do Seu Dinheiro e setor de análise politica da XP Investimentos.