Em vez de apagar, acordo entre EUA e China reacende a volatilidade no mercado global de soja
Após a viagem do presidente Donald Trump pela Ásia, Estados Unidos e China anunciaram os contornos de um novo acordo comercial que promete reduzir tensões e ampliar as compras chinesas de produtos agrícolas norte-americanos, especialmente soja.
Apesar do entusiasmo inicial, o anúncio foi recebido com ceticismo pelos agentes de mercado. A falta de detalhes concretos sobre volumes, prazos e cronogramas de embarque reforça a percepção de que o pacto tem mais valor simbólico do que efeito prático imediato — um gesto político, não um compromisso vinculante.
Autoridades norte-americanas sugeriram que Pequim se comprometeria a adquirir até 12 milhões de toneladas no curto prazo e 25 milhões por ano nos próximos três anos. No entanto, sem clareza sobre se os volumes seriam adicionais ou substitutivos, o impacto potencial sobre os estoques norte-americanos permanece incerto.
Caso as compras sejam efetivamente extras, os estoques finais dos EUA cairiam para menos de 9 milhões de toneladas, cenário de suporte aos preços. Caso contrário, poderiam superar 14 milhões, o que pressionaria as cotações em Chicago.
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Além da incerteza política, o contexto logístico e comercial na China dificulta a concretização dessas compras. O país adquiriu grandes volumes de soja da Argentina e do Brasil nas semanas anteriores, o que limita sua capacidade física de absorver novos embarques norte-americanos no curto prazo.
As tarifas sobre a soja dos EUA, estimadas entre 13% e 17%, permanecem em vigor, reduzindo a competitividade do produto frente à América do Sul.
A experiência recente também recomenda cautela. No acordo “Phase 1”, firmado em 2020, a China cumpriu apenas 58% das metas de importação prometidas. Mesmo agora, com o novo pacto expresso em volumes, em vez de valores em dólares, as dúvidas sobre sua execução persistem.
Episódios anteriores, como a trégua comercial selada durante o G20, em Buenos Aires, em 2018, mostram que promessas semelhantes resultaram em compras irrisórias e quedas expressivas dos preços na Bolsa de Chicago.
Enquanto isso, as esmagadoras chinesas enfrentam margens negativas após terem adquirido soja brasileira a preços elevados. O recuo dos preços domésticos de farelo e óleo de soja reduziu a rentabilidade, levando os compradores a adotarem uma postura mais cautelosa nas novas aquisições.
Há expectativa de liberação de estoques governamentais ou de uma reabertura às compras de soja norte-americana, mas até o momento prevalece a prudência.
O desgaste na relação comercial entre Brasil e China também se acentuou. Após críticas de compradores chineses aos preços praticados no Brasil, houve relatos de pressão sobre o governo argentino para suspender temporariamente o imposto de exportação, em uma tentativa de barganha. Nas redes sociais chinesas, o tom foi de descontentamento, com o Brasil sendo rotulado como “ingrato” e “míope”, por elevar os preços em meio à escassez.
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Vale ressaltar, mesmo assim, que na semana em que a trading de grãos estatal chinesa Cofco anunciou a compra de três navios (aproximadamente 180 mil toneladas) de soja norte-americana às vésperas do encontro entre Trump e Xi – naquilo que foi visto como um ato político de boa-fé antes do início das negociações –, compradores chineses fecharam a aquisição de volumes consideráveis no Brasil.
E, após o anúncio de entendimento entre EUA e China – com reflexo positivo sobre os preços da soja em Chicago –, a originação brasileira ficou mais barata. Agora, na primeira semana de novembro, há notícias de importadores chineses fechando dez navios de soja no Brasil para entrega em dezembro e outros dez para entrega entre março-julho.
A próxima safra brasileira, prevista para colheita a partir de janeiro, tende a aliviar a situação apenas no segundo trimestre de 2026, quando os novos grãos devem chegar aos portos chineses. Até lá, a volatilidade deve continuar elevada, refletindo tanto a incerteza sobre a demanda física quanto a influência das condições climáticas na América do Sul.