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Movimento do governo para conter tarifa de energia deixa setor em alerta

20 ago 2020, 18:58 - atualizado em 20 ago 2020, 18:58
Energia Elétrica
A operação, que envolveu 15 bilhões de reais, será paga pelos consumidores em cinco anos, via tarifa (Imagem:REUTERS/Nacho Doce)

Uma medida provisória em elaboração no governo para conter o avanço das tarifas de energia principalmente no Norte e Nordeste em meio à pandemia de coronavírus, mesmo após um pacote de apoio às empresas do setor por meio de um empréstimo que ajudou a aliviar reajustes previstos para 2020, tem deixado o setor em alerta.

O movimento ocorre em paralelo a uma discussão na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para uma avaliação criteriosa em relação a possíveis compensações tarifárias às distribuidoras de eletricidade pelos efeitos de médio prazo da forte redução do consumo e do aumento de inadimplência associados às consequências da Covid-19.

Mas discussões sobre a MP no Ministério de Minas e Energia e sinais da Aneel de que nem todas perdas das distribuidoras com a pandemia serão recuperadas têm gerado entre alguns especialistas temor sobre um eventual desequilíbrio no setor.

As preocupações devem-se principalmente ao histórico de uma MP do governo Dilma Rousseff em 2012 que prometia reduzir contas de luz, mas gerou diversos problemas para as empresas de energia que levaram a uma sequência de fortes aumentos tarifários que mais do que compensaram o desconto.

“Como diz o ditado, gato escaldado tem medo de água fria”, brincou o sócio da área de energia do Demarest Advogados, Raphael Gomes, ao destacar que mesmo uma medida equilibrada do governo quanto às tarifas pode sofrer distorções no Congresso.

“Em um momento em que estamos vendo vários setores de nossa política querendo algum protagonismo, o que é natural da democracia, a chance de entrar no Congresso um cavalo e sair um jacaré é gigantesca”, acrescentou ele.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse em julho que a pasta prepara “medidas estruturais” para aliviar reajustes, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde distribuidoras privatizadas recentemente pela Eletrobras teriam por contrato direito a aumentar tarifas neste ano.

Uma fonte próxima do assunto disse à Reuters que a MP sairá no curto prazo, talvez ainda em agosto. O ministério afirmou em nota que a medida “ainda é um ato em preparação”, sem detalhar.

O especialista em energia do Veirano Advogados, Tiago Figueiró, lembrou que a maior parte da conta de luz deve-se a encargos e tributos e destacou que contratos de concessão de distribuidoras garantem a elas o equilíbrio econômico-financeiro de suas operações, o que deixa pouca margem para cortar custos.

“Não tem muita mágica. O tema é sensível. As concessionárias têm proteção contra eventos extraordinários, que garante a elas revisão de tarifas, mas neste momento cabe certa exceção. Se o governo estiver pensando em uma coisa equilibrada, que não seja artificial ou eleitoreira, é bem-vindo, mas é um equilíbrio bem tênue, você tem que preservar as companhias.”

A medida em preparação seria a segunda do governo Bolsonaro para conter as tarifas, após uma MP em abril que autorizou empréstimo para apoiar o caixa de distribuidoras por impactos de curto prazo da pandemia.

A operação, que envolveu 15 bilhões de reais, será paga pelos consumidores em cinco anos, via tarifa.

Ao debater a operação, diretores da Aneel destacaram preocupação com reajustes superiores a 10% previstos para distribuidoras do Norte e Nordeste mesmo depois do empréstimo da chamada “Conta Covid” e defenderam medidas de alívio.

Tarifas de consumidores residenciais no Brasil subiram 70% acima da inflação desde 1995, enquanto a conta de energia da indústria teve alta 160% superior ao IPCA, segundo cálculo do Instituto Ilumina.

“A Aneel e o governo tem razão, está insuportável (esse aumento de tarifas). É urgente, é oportuno, mas não é uma tarefa simples, e o governo acabou de tomar uma decisão que pressiona a tarifa no médio prazo”, disse o ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana, em referência ao financiamento que será repassado às contas.

“É uma MP atrás da outra, a tarifa deixou de ser uma coisa regulatória, de cálculo, e passou a ser objeto de decisões políticas.”

Reequilíbrio de Distribuidoras

Na terça-feira, a Aneel deu sinais de que não atenderá totalmente o pleito de distribuidoras de energia, que pedem reequilíbrio econômico de contratos de concessão por perdas de médio prazo estimadas com a pandemia, o que impactaria tarifas.

Apesar do empréstimo viabilizado pelo governo, a Fitch estima que elétricas perderiam 9,7 bilhões de reais em geração de caixa até 2021 sem reequilíbrio contratual.

A diretora da Aneel Elisa Bastos disse que a agência analisará se as empresas sofreram impactos “extraordinários”, uma vez que a pandemia tem afetado toda economia global, e destacou que a revisão de tarifas poderá ou não ocorrer, dependendo de análises detalhadas caso a caso.

A posição desagradou a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee), que representa elétricas.

“Foi uma supresa diria que desagradável. O mecanismo colocado pela agência não é o mais adequado, dá um entendimento de que o desequilíbrio deve ser tratado como uma questão ordinária, e o que estamos vivenciando é uma situação extraordinária”, disse o chefe da associação, Marcos Madureira.

O Instituto Acende Brasil, um think-tank do setor, também criticou a proposta inicial sobre o pleito das empresas.

“Não reconhecer que há um desequilíbrio e estabelecer uma metodologia clara para ponderá-lo, acho que é um passo horrível que estaria sendo dado, muito ameaçador para o reconhecimento futuro de riscos de investimentos no setor”, disse o presidente do centro de estudos, Claudio Sales.

Um especialista que preferiu falar sob anonimato disse que os movimentos do governo e da Aneel reacendem temor sobre intervenções políticas para segurar as tarifas, como no passado.

“Está se querendo fazer populismo tarifário para o pessoal do Norte/Nordeste, você joga isso no Congresso e o pessoal adora”, afirmou.

Um outro especialista também disse ver movimentações políticas sobre o tema tarifário, mas destacou que as elétricas parecem ter criado expectativas exageradas em meio ao cenário de pandemia no Brasil. “Só o setor elétrico passaria incólume? Onde no mundo tem tal nível de proteção?”

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