Money Times Entrevista

Entrevista: “Defender controle fiscal agora é terraplanismo”, diz CEO da gestora do Fator

09 maio 2021, 14:00 - atualizado em 07 maio 2021, 17:09
Paulo Gala, Diretor geral da FAR Fator Administração de Recursos
Divergente: Paulo Gala, da Fator Administração, diz que estímulos fiscais fazem mais bem do que mal, neste momento (Imagem: Divulgação/ Fator)

Até que a pandemia de coronavírus seja erradicada e o Brasil volte a funcionar plenamente, não há outra saída para o governo, a não ser manter a política de estímulos fiscais. Em bom português, isso significa ignorar o rombo nas contas públicas e continuar injetando dinheiro na economia, como vem fazendo com o auxílio emergencial, que já está em sua segunda rodada.

Em tempos normais, essa ideia seria prontamente rechaçada pelo mercado, que a tacharia de assistencialista, irresponsável e (a maior das ofensas) esquerdista.

Mas, com o Brasil paralisado pela segunda onda da Covid-19, uma massa de 14 milhões de desempregados, falências em alta e projeções de PIB em queda, a proposta passou a ser defendida abertamente por gente com anos de atuação no mercado financeiro.

Riscos e oportunidades

Um deles é Paulo Gala, CEO da Fator Administração de Recursos, a gestora do Banco Fator, com um patrimônio de R$ 3 bilhões sob gestão. Gala também é professor da Fundação Getúlio Vargas, uma das mais respeitadas do país, quando o assunto é economia.

“Defender o controle fiscal, neste momento, é um tipo de terraplanismo econômico”, afirmou, em entrevista ao Money Times. Gala acrescenta que os principais países do mundo recorreram a políticas expansionistas para atenuar o impacto da pandemia sobre o nível de atividade. “O PIB só não caiu mais, no ano passado, por causa do auxílio emergencial”, cita.

Apesar de todos os problemas gerados pela Covid-19, Gala afirma que o cenário para os investimentos continua positivo, devido aos juros baixos. Mesmo com toda a volatilidade dos últimos meses, o CEO da Fator Administração enxerga “mais oportunidades do que riscos” na Bolsa brasileira.

Veja os principais trechos da entrevista concedida por Gala ao Money Times.

Money Times – Ao contrário de muita gente do mercado financeiro, você defende o auxílio emergencial. O risco fiscal não o preocupa?
Paulo Gala – Não. Primeiro, porque o risco fiscal não desestimula, nem estimula a economia real. É uma variável irrelevante para as decisões de consumo e investimento produtivo. Segundo, porque o auxílio emergencial é uma injeção direta de recursos na economia. E, em momentos de depressão econômica, faz mais bem do que mal.

O PIB só não caiu mais, no ano passado, por causa do auxílio emergencial. Em 2020, tivemos um déficit nominal de 13,7%, o maior da série histórica, e um déficit primário de 9,5%, mas a economia não sofreu tanto, quanto poderia, se não houvesse estímulo fiscal.

Então, o raciocínio de que o controle fiscal é importante para o crescimento econômico está equivocado. O que trará crescimento, em momentos de depressão econômica, são os estímulos fiscais. Defender o controle fiscal, nesse momento, é um tipo de terraplanismo econômico.

Auxílio Emergencial Caixa Econômica Federal
Sem opção: auxílio emergencial fez déficit nominal em 2020, mas impediu que PIB caísse ainda mais (Imagem: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

MT – Essa expressão é parecida com outra que você já usou, quando disse que o Brasil vive um negacionismo econômico. Por quê?
Gala – A própria ideia de teto de gastos é, em certa medida, negacionista. Os policymakers mais importantes do mundo adotaram políticas de estímulos fiscais. A Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA e ex-presidente do Fed, é um exemplo. Há vários outros, e muitos deles vieram do mercado financeiro.

Parece que nós, no Brasil, estamos na Chicago dos anos 70. Discutimos ideias e soluções obsoletas. O próprio FMI já recomenda o uso de estímulos fiscais para sair de situações de depressão econômica, embora tenha uma posição ambígua sobre o Brasil.

MT – E o que você responde a quem diz que o descontrole das contas públicas alimenta a inflação?
Gala – Essa é uma discussão importante, mas para outro momento. Hoje, por exemplo, discute-se muito se Biden exagerou ao lançar um pacote de estímulo de cerca de US$ 4 trilhões. Há quem diga que isso vai gerar inflação. Nos Estados Unidos, essa preocupação é razoável, porque a economia americana já está se recuperando, com o avanço da vacinação e o desemprego em queda.

Os estímulos fiscais geram pressões inflacionárias apenas sob certas condições, como em cenários de crescimento econômico e pleno emprego. Mas, em situações de depressão econômica, eles não são inflacionários.

Aqui no Brasil, a inflação atual vem de outros fatores, como o boom das commodities e a desvalorização cambial. Também somos afetados pela desestruturação das cadeias produtivas globais, por causa da pandemia. Mas isso é um problema que afeta a todos, e o Brasil não cresce desde 2014.

MT – A expectativa de crescimento do PIB está se deteriorando, devido à demora da vacinação e à segunda onda. Quais são suas projeções?
Gala – A inflação já está dada e será de cerca de 5%. Não tem como escapar disso. Os IGPs acumularam alta de 30%. É a maior pancada em 30 anos. O que poderia ajudar um pouco a baixar a inflação seria alguma valorização do real.

Já o PIB deve crescer uns 2,5%, não por causa da reação da economia, mas pelo simples carrego estatístico. O Copom deve jogar a Selic para 5% ao ano, e o câmbio deve fechar ao redor de R$ 5. Agora, tudo isso forma um cenário muito ruim para o Brasil, em que teremos queda da renda per capita.

SOMA3 Roupas Varejo
Liquidação: ações do setor de varejo estão baratas e valem a pena, segundo Gala (Imagem: Unsplash/@stereophototyp)

MT – Como CEO de uma gestora, como você vê o cenário para investimentos nos próximos meses?
Gala – Apesar do quadro brasileiro de depressão econômica, o cenário para investimentos é muito bom, porque os juros reais ainda são negativos. Mesmo que a Selic vá para 5%, ainda teremos juro real de zero, e isso cria um ambiente muito favorável para investir em Bolsa e em fundos multimercados.

Para a renda fixa, o ideal são papéis de longo prazo. Os fundos imobiliários também são uma boa opção, por causa da forte reação do mercado imobiliário. Até fiquei surpreso com a força da recuperação. Os melhores FIIs buscam IPCA ou IGP-M mais 4% a 6% ao ano. Isso, com uma Selic de 5% e isenção de Imposto de Renda.

MT – Há algum setor da Bolsa em que é melhor não investir atualmente?
Gala – Não… não deixo de recomendar nenhum setor. A parte de commodities está cara, mas ainda tem espaço para se valorizar. Já as ações de varejo estão muito baratas. Diria que vejo muito mais oportunidades do que riscos na Bolsa hoje.

MT – Algum conselho para os pequenos investidores neste momento?
Gala – O investidor pessoa física deve ter uma postura muito crítica para tomar suas decisões. Não deve acreditar em tudo o que lê na imprensa ou escuta de analistas, economistas. Inclusive de mim. Ele deve ser capaz de analisar tudo criticamente.

Diretor de Redação do Money Times
Ingressou no Money Times em 2019, tendo atuado como repórter e editor. Formado em Jornalismo pela ECA/USP em 2000, é mestre em Ciência Política pela FLCH/USP e possui MBA em Derivativos e Informações Econômicas pela FIA/BM&F Bovespa. Iniciou na grande imprensa em 2000, como repórter no InvestNews da Gazeta Mercantil. Desde então, escreveu sobre economia, política, negócios e finanças para a Agência Estado, Exame.com, IstoÉ Dinheiro e O Financista, entre outros.
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Ingressou no Money Times em 2019, tendo atuado como repórter e editor. Formado em Jornalismo pela ECA/USP em 2000, é mestre em Ciência Política pela FLCH/USP e possui MBA em Derivativos e Informações Econômicas pela FIA/BM&F Bovespa. Iniciou na grande imprensa em 2000, como repórter no InvestNews da Gazeta Mercantil. Desde então, escreveu sobre economia, política, negócios e finanças para a Agência Estado, Exame.com, IstoÉ Dinheiro e O Financista, entre outros.
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