Money Times Entrevista

Entrevista: “Não vai faltar candidato vendendo terreno na Lua”, diz Felipe Salto sobre o orçamento em ano eleitoral

13 jan 2022, 11:43 - atualizado em 13 jan 2022, 13:10
Felipe Salto
Bola cantada: mudanças na lei aprofundarão problema fiscal em 2023, alerta Salto (Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado)

O economista e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Felipe Salto, afirmou em entrevista ao Money Times que teremos problemas fiscais mais profundos em 2023, devido a resoluções que visam o curto prazo em 2022, ano eleitoral, e considera preocupantes as mais recentes manobras fiscais empregadas pelo governo Bolsonaro, como a mudança no cálculo do teto de gastos. 

A medida citada pelo economista foi aprovada junto à PEC dos Precatórios e muda a forma de calcular o teto de despesas primárias segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Antes, o IPCA usado era o de julho a julho de cada ano. Agora, tem-se o cálculo baseado no IPCA até julho, somado às previsões de inflação de julho a dezembro. Com isso, para 2022, o teto ganhou uma folga de R$112 bilhões de reais, segundo a Agência Senado.

A IFI já vem adotando posturas críticas à atual gestão, principalmente no que se refere à manutenção da saúde fiscal, o cumprimento de normas constitucionais e o gasto do dinheiro público com qualidade, principalmente em áreas sociais.

Salto considera que é importante que os eleitores não se iludam com promessas fáceis este ano, fazendo analogia a uma passagem da obra de Homero, Odisseia. Veja a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Money Times.

Money Times – O ministro Paulo Guedes afirma que o Brasil teoricamente estaria melhorando sua saúde fiscal. Ele clama ser o primeiro governo a reduzir o gasto em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), que a dívida está controlada e que o déficit primário será zerado. Essas coisas realmente são sinônimos de saúde fiscal?

Felipe Salto – Não houve melhora nas condições fiscais estruturais. As duas medidas positivas do atual governo foram a contenção de reajuste salarial de servidor civil (mas os militares tiveram aumento, vale lembrar) e aprovação da reforma da Previdência, que já vinha do Temer. De estrutural, nada houve. 

O que aconteceu foi um descontrole inflacionário que levou a inflação a ficar no dobro do que se previa no início do ano. Isso perpassa toda a ilusão de melhora da dívida/PIB, como temos mostrado na IFI. Aliás, a dívida/PIB menor é mais do que compensada pela explosão dos juros. Não só Selic, mas o custo médio das novas emissões. É um quadro muito ruim.

MT – Alguns analistas afirmam que a aprovação das mudanças no cálculo do teto de gastos foi propositalmente feita pelo governo para contar com mais recursos em um ano eleitoral. O senhor concorda com essa visão?

Salto – Se foi proposital ou não, prefiro não fazer juízo de valor. O fato é que a medida abriu espaço maior do que o necessário para comportar o Auxílio Brasil e já ensejou a programação de gastos que nada têm a ver com a área social. 

Essa mudança do teto é, na verdade, o fim da regra. O filme é repetido. Aconteceu a mesma coisa com a meta de resultado primário nos anos da contabilidade criativa. Mas agora é pior: a Constituição passou a contemplar pedaladas.

MT – O fato de que uma folga eventual no orçamento será usada para o financiamento de políticas duradouras, como o reajuste de salários e o custeio de programas sociais, apresenta risco fiscal no futuro?

Salto – Sim. O problema fiscal, a partir de 2023, será ainda mais profundo em razão disso. A orientação das decisões, no curto prazo, parece estar orientada por questões passageiras, e não pela busca da sustentabilidade da dívida. 

Note que dois ex-auxiliares do ministro da Economia, o do Tesouro e o da Secretaria Especial de Fazenda, acabam de publicar texto alertando para tudo que a IFI vem dizendo há meses. Só o governo fecha os olhos. As razões são óbvias. Não preciso listar aqui.

MT – E é possível blindar o gasto público contra o uso político e/ou oportunista? Quais são os caminhos em nosso arcabouço legislativo e orçamentário para garantir que isso não aconteça? 

Salto – É possível, mas difícil. A literatura mostra que as regras fiscais são importantes, mas precisam ser acompanhadas do “commitment”, do compromisso político. Sem isso, não adianta ter uma profusão de regras ou uma regra muito bem feita. A responsabilidade  fiscal não é feita só com normas. Precisamos do espírito do respeito ao dinheiro público. Ele parece escassear recentemente.

MT – Qual o conselho do senhor ao eleitor que deseja votar com um olhar mais crítico este ano, e que deseja se atentar melhor a como seus representantes manejam o gasto público?

Salto – O cidadão deve evitar ouvir o canto das sereias. Amarrar bem as mãos ao mastro do navio, para não morrer afogado. Não vai faltar candidato vendendo terreno na Lua. Mas o que precisa ficar claro é que não há espaço para planos mirabolantes. 

Quem não estiver com os pés no chão, em termos de financiamento das propostas apresentadas, precisará ser tomado com desconfiança, no bom sentido, para que não se apoiem propostas que depois se desmancharão rapidamente no ar.

Estagiária
Graduanda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, com enfoque acadêmico em Finanças Públicas. Tem experiência em empreendedorismo e novos negócios, tendo atuado na aceleradora de startups FGV Ventures. Participou da produção de podcasts sobre políticas públicas e atualidades, como "Dos dois lados da rua", "Rádio EPEP" e "Impacto FGV EAESP Pesquisa". Atuou como repórter na revista estudantil Gazeta Vargas.
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Graduanda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, com enfoque acadêmico em Finanças Públicas. Tem experiência em empreendedorismo e novos negócios, tendo atuado na aceleradora de startups FGV Ventures. Participou da produção de podcasts sobre políticas públicas e atualidades, como "Dos dois lados da rua", "Rádio EPEP" e "Impacto FGV EAESP Pesquisa". Atuou como repórter na revista estudantil Gazeta Vargas.
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