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Felipe Miranda: Value ou growth, nova ou velha economia: o que comprar?

11 nov 2020, 11:52 - atualizado em 11 nov 2020, 11:52
“Boa parte do smart money local — os grandes ganhadores de dinheiro em Bolsa — está justamente alocada em nomes de nova tecnologia” diz o colunista

As pessoas se preocupam com a possibilidade de alta dos juros longos no Brasil, mesmo diante de seu patamar já bastante elevado. Acho legítimo. Dado o panorama fiscal brasileiro, é razoável ficar vigilante. De minha parte, porém, estou mesmo preocupado com o juro longo americano.

Explico.

Nesta semana, tivemos uma importante elevação do yield (remuneração) do Treasury de 10 anos, saindo de 0,83% na sexta-feira para 0,98% ontem. As notícias de vacina iminente e eficaz, com consequente recuperação das economias, impõem pressão sobre as taxas de juro mais longas. Os bancos centrais não poderiam ser tão expansionistas em meio ao crescimento econômico, o que implicaria taxas subindo lá na frente. 

Em paralelo, a história sugere que períodos subsequentes às eleições presidenciais norte-americanas são acompanhados de maior gasto fiscal. Isso também flerta com juros futuros maiores.

É verdade que o 0,98% ainda é um nível baixo se comparado ao histórico. Contudo, a velocidade do movimento e a possibilidade de que isso continue subindo, talvez para a casa de 1,25%–1,3%, representam um dos grandes catalisadores para a rotação setorial observada nos últimos dias e mesmo entre classes de ativos.

O yield do Treasury de 10 anos, por exemplo, é o grande inimigo do ouro. Quando você tem taxas de juros maiores, você aumenta o custo de oportunidade dos ativos que não pagam yield, como é o caso do ouro. Some a isso overshooting técnico amplificado pelos fundos quant e entendemos a queda de 5% do ouro na segunda-feira.

O metal precioso, que é o grande vencedor de 2020 até aqui ao lado do bitcoin, poderia encontrar sérias dificuldades de continuar subindo em meio à escalada dos yields norte-americanos, forçando uma adequação importante de portfólios em âmbito global. 

Setorialmente, também encontraríamos potencial inversão entre ganhadores e perdedores. Até aqui, 2020 tem favorecido bastante nomes de crescimento e da nova economia, muitos deles beneficiados pela dinâmica do “stay at home” (fique em casa). Tecnologia, e-commerce, empresas verticalizadas de saúde são talvez a maior representação desse pódio.

Enquanto isso, nomes associados ao value investing clássico e da velha economia são, até aqui, os grandes perdedores. Bancos, petrolíferas, educacionais, shoppings e varejo compõem o grupo.

As taxas de juro muito baixas são elementos fundamentais nesse processo. Note que esse é um movimento racional e alinhado às técnicas de valuation e à teoria econômico-financeira tradicional.

O valor de um ativo é determinado pela soma dos seus fluxos de caixa de hoje até o infinito, trazidos a valor presente por uma taxa de desconto apropriada. Obviamente, quanto maiores as taxas de juro de mercado, maior será essa taxa de desconto. 

Os nomes de crescimento, como são tipicamente percebidos os casos de tecnologia, e-commerce e empresas verticalizadas de saúde, que negociam com múltiplos sobre os resultados atuais muito altos, têm a maior parte do seu valor vinda dos fluxos de caixa lá do futuro — muitas vezes até além do horizonte de projeção, ou seja, lá na perpetuidade. Se você sobe a taxa de desconto (por conta de um aumento das taxas de juro de mercado), esses fluxos lá no futuro chegam ao presente muito menores. Ou seja, diminui o valor justo de um ativo de alto crescimento. No relativo, os nomes de value passam a ficar mais atraentes frente aos casos de growth. 

Se você sai de um yield de 10 anos de 0,7%, como tivemos recentemente, para algo como 1,4%, você dobrou. O impacto disso sobre o valuation de nomes cujos fluxos de caixa estão muito no futuro é brutal.

Essa é uma questão fundamental hoje, porque boa parte do smart money local — os grandes ganhadores de dinheiro em Bolsa — está justamente alocada em nomes de nova tecnologia. A continuidade do movimento dos últimos dois dias poderia trazer uma underperformance importante para esse pessoal, catalisando, no limite, um processo de resgate dos fundos, que intensificaria o movimento de venda sobre nomes de tecnologia e nos jogaria num ciclo vicioso.

A pergunta de um milhão de dólares agora: devemos sair dos casos da Nova Economia e migrar para bancos, petróleo e coisas parecidas? 

Minha visão é de que este movimento encontra boas chances de continuar no curto prazo. Há realmente coisas muito boas nesses setores, que foram apreçadas como se o mundo fosse acabar. Destaco, por exemplo: Yduqs, cujos resultados me surpreenderam positivamente (dado o contexto); Banco Pan, que ainda goza da opcionalidade de se tornar um banco digital; e Jereissati, com desconto sobre Iguatemi, que, por sua vez, também soltou resultados indicando uma recuperação mais intensa do que as projeções apontavam. Existem outras, claro.

Contudo, não me parece o caso de deixarmos as carteiras estruturalmente mais concentradas em nomes da velha economia, abandonando os casos de tecnologia, e-commerce, financial deepening e afins. Primeiro por uma razão quase etimológica: é muito difícil lutar contra uma tendência estrutural e secular. Para onde o mundo está indo? É nesses nomes em que precisamos estar. Se estivéssemos caminhando na direção da velha economia e não da nova, a primeira seria nova, e a segunda, velha; não o contrário. Independentemente de vacina ou pandemia, o cenário para bancos e petróleo a médio e longo prazo é bastante desafiador.

Em paralelo, ainda que possamos ter o yield de 10 anos dos EUA subindo alguns pontos-base a mais, não me parece provável uma extensão muito grande do movimento. Ainda temos meses, talvez trimestres, até que as economias voltem a operar “normalmente” (seja lá o que isso queira dizer, mas aqui no sentido mais simples do termo: de livre circulação de pessoas sem máscara e com a possibilidade de se reunirem inclusive em ambientes fechados — well, did I ask too much, more than a lot?). Mesmo quando retornarmos, ainda teremos uma grande ociosidade no mercado de fatores, tanto de capital quanto de trabalho. Estruturalmente, o problema global é de baixo crescimento, não de alta inflação. Isso, inclusive, serve para o caso brasileiro também, mas aí é assunto para outro dia.

Para completar, ainda que possa haver uma distorção ou outra em nomes de tecnologia em termos de valuation, não me parece uma bolha generalizada. Apple negocia a 30 vezes lucros. É uma pechincha? Claro que não, mas sejamos sinceros: também não dá para comprar Apple muito mais barata do que isso. Se Apple estiver mesmo muito cara, então precisamos avisar Warren Buffett, pois é uma de suas principais posições. Google também parece bem barato se você o modela pela soma das partes. E assim vamos. Temos, sim, questionamentos internos importantes. Felizmente, duvidamos de nós mesmos e temos autocrítica. Mas são situações pontuais, não algo sistêmico como o mercado quis tratar nos últimos dois dias. Posso entender o questionamento sobre nomes como Tesla, Magazine Luiza, Weg, XP. Mas acho muito prematuro estender o mesmo racional para Natura, B3, BTG Pactual, Lojas Americanas, cujos valuations são bastante razoáveis mesmo para patamares maiores de taxas de desconto. Aliás, com esse tanto de loja física, LAME é um caso da nova ou da velha economia? Não seria um pouco dos dois, o que a torna bem preparada para enfrentar qualquer um dos cenários? Como pode isso estar tão barato?

P.S.: Preciso agradecer a adesão além de qualquer expectativa ao nosso MBA com a Estácio. Se você ainda não se inscreveu, aproveite hoje, que conta com benefícios exclusivos. Reitero o que disse: Yduqs está muito barata e merecia um melhor apreçamento em Bolsa.

CIO e estrategista-chefe da Empiricus
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
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