Thinking outside the box

Governo: A pior decisão é sempre a próxima?

29 maio 2025, 19:11 - atualizado em 29 maio 2025, 19:11
Projeto aprovado em comissão do Senado proíbe contribuições sem autorização dos empregados
'A possibilidade de Washington suavizar sua retórica, até então quase hostil, caiu como bálsamo', diz o analista (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

Os últimos dias têm sido tudo, menos monótonos — e os movimentos dos mercados funcionam como um termômetro preciso da tensão que paira sobre o ambiente doméstico. Como de praxe, Brasília nunca perde uma boa oportunidade de atrapalhar.

No exato momento em que os ativos locais esboçavam uma retomada mais consistente — sustentados por valuations convidativos e fluxo externo robusto —, o governo decidiu turbinar um velho conhecido do investidor: o IOF.

A elevação da alíquota sobre uma série de operações financeiras veio no pior timing possível, justo quando se esperava um sinal claro de compromisso com a responsabilidade fiscal, por meio do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas

O impacto imediato foi um misto de surpresa e incredulidade. E ainda que o Ministério da Fazenda tenha recuado parcialmente diante da reação negativa, o dano à credibilidade institucional já estava consumado.

No fim das contas, o episódio deixa duas lições importantes.

Primeiro, que o mercado brasileiro mostrou notável resiliência: mesmo diante do tropeço, o Ibovespa fechou o pregão seguinte em alta, o que indica um viés estruturalmente construtivo para os ativos locais — apesar do ruído político e das incertezas fiscais.

Segundo, e mais revelador, é o talento singular do governo em converter janelas de oportunidade em episódios de desgaste.

O país poderia ter aproveitado o momento de apetite externo por ativos emergentes para consolidar uma recuperação mais firme, mas preferiu flertar, mais uma vez, com o limite da paciência dos investidores.

E o que, afinal, restou de pé após o recuo parcial?

Mantiveram-se as alíquotas de IOF de 3,5% sobre compras internacionais com cartão de crédito, saques em espécie e remessas para contas de banking no exterior. Para envios a contas de investimento, a tarifa ficou em 1,1%. 

Permanecem isentas, ao menos por ora, as operações de importação e exportação, recebimento de valores, envio de dividendos e aportes em fundos fora do país.

Novos recuos podem eventualmente surgir para acalmar os ânimos dos políticos, tanto da oposição como da situação (se não para 2025, para 2026). Por ora, resta acompanhar os próximos capítulos.

O governo também acena com um possível recuo na questão do risco sacado, mas as negociações continuam. 

O Brasil parece cultivar a habilidade de sabotar a si mesmo. Quando o mercado estende a mão em sinal de confiança, Brasília responde com mais um tropeço, como quem confunde concessão com fraqueza.

Isso porque, na quinta-feira passada, o país teve em mãos uma chance rara de agarrar a narrativa de responsabilidade fiscal: o Relatório Bimestral surpreendeu positivamente, com um contingenciamento de R$ 10,6 bilhões e um bloqueio adicional de R$ 20,7 bilhões.

Mas, em vez de capitalizar sobre esse gesto, o governo preferiu reacender o fogo da instabilidade com medidas mal calibradas. Assim segue o Brasil: às vezes promissor, quase sempre imprevisível.

Era o momento perfeito para o governo conquistar algum prestígio junto ao mercado. Mas, fiel à sua vocação autodestrutiva, o Planalto preferiu repetir o padrão: desperdiçar oportunidades e alimentar a desconfiança.

A decisão de elevar o IOF sobre remessas internacionais via fundos caiu como um balde de água fria em uma sala já úmida de frustrações.

Parecia que a lição do final de 2024 — quando a proposta mal calibrada de isenção do IR acabou eclipsando o esforço de contenção de gastos — havia sido sumariamente esquecida ou, pior, ignorada.

É verdade: o recuo parcial da Fazenda veio rápido e, de certo modo, foi bem-vindo. Mas o estrago reputacional já estava consumado.

O episódio escancarou mais uma vez o descompasso entre os núcleos político e econômico do governo — e, mais preocupante, a total falta de clareza sobre qual sinal se deseja transmitir ao mercado.

Na prática, o efeito foi direto: a confiança, mais uma vez, saiu ferida. E o prêmio de risco — aquele termômetro silencioso, mas implacável — foi reprecificado sem piedade.

Fica cada vez mais evidente que o governo resolveu ignorar o cerne do problema fiscal: os gastos obrigatórios.

E, em vez disso, optou pela rota mais curta — e frequentemente mais danosa — da arrecadação emergencial.

Ao mirar nos bolsos com apetite de curtíssimo prazo, acabou tropeçando no que talvez seja um dos piores pecados aos olhos do investidor: sinalizou, ainda que de forma enviesada, para um possível ensaio de controle de capitais.

A proposta de elevar a alíquota de IOF de 0% para 3,5% da noite para o dia nas remessas ao exterior soou como um alerta de que, se a escalada populista continuar, os instrumentos para restringir a saída de capital já estão a postos.

No campo político, nem foi necessário grande esforço da oposição. A medida imediatamente entrou para a lista de desastres recentes do governo — ao lado do episódio do monitoramento do Pix e em meio ao incêndio ainda aceso do escândalo do INSS.

Agora, os olhos se voltam para o Congresso, onde líderes partidários discutem um Projeto de Decreto Legislativo para revogar a medida.

O ministro Fernando Haddad, mais uma vez no papel de bombeiro institucional, tenta apagar o incêndio no relacionamento com o Parlamento.

Mas a crise política já se alastrou. Há mais de 20 projetos em tramitação para derrubar o decreto do IOF — e não apenas patrocinados pela oposição. A base aliada também engrossa o coro do descontentamento.

Se o governo for derrotado nessa frente, será um baque político de grandes proporções. Um sintoma gritante daquilo que temos repetido com insistência: o Planalto perdeu a mão da articulação política. E segue tentando governar na base do improviso e da surpresa — uma combinação que, no mercado, costuma custar caro.

Fernando Haddad ensaia sua defesa. Alega que revogar as medidas do IOF exigiria cortes de despesas capazes de comprometer o funcionamento da máquina pública.

Um argumento que não convence.

A verdade, menos palatável, é que essa crise foi fabricada em casa: ao aprovar a PEC da Transição, o governo não apenas abriu os cofres — arrombou-os — e agora se espanta com a profundidade do buraco que cavou com as próprias mãos.

A sensação de déjà-vu fiscal é inevitável e remete, sem qualquer nostalgia, aos desatinos da era Dilma.

No limite, o governo criou mais uma crise gratuita para chamar de sua. A condução errática e a ausência de previsibilidade consolidam a imagem de uma administração mais interessada em remendos paliativos do que em um plano minimamente crível de longo prazo.

Com isso, o governo conseguiu uma façanha: perdeu tudo ao mesmo tempo. 

Perdeu o efeito positivo de um relatório fiscal que surpreendeu para melhor.

Perdeu a arrecadação potencial das novas alíquotas — vendida com um otimismo quase cômico, estimada em R$ 20,5 bilhões para 2025 e R$ 41 bilhões para 2026. E, pior, perdeu a confiança. E confiança, como sabemos, não se recompra no leilão do Tesouro Direto.

No plano fiscal, o episódio apenas reforça um diagnóstico incômodo: a atual administração parece determinada a endereçar o ajuste das contas públicas única e exclusivamente pela ótica da arrecadação. Gasto, por enquanto, segue fora da equação.

Ainda assim, os ativos locais fecharam em alta. E há razões plausíveis para esse paradoxo aparente.

Primeiro, o aumento do IOF funciona, na prática, como um aperto monetário alternativo — o que ajuda o Banco Central a sustentar o discurso de fim do ciclo de alta da Selic e a abrir espaço para o início do debate sobre cortes de juros.

Segundo, o desgaste político de medidas impopulares como essa enfraquece ainda mais o governo e reforça, no mercado, a percepção de que o pêndulo pode mudar de direção em 2026.

Se a oposição conseguir se organizar — o que, sejamos francos, ainda está longe de acontecer — e surgir com um nome viável, reformista e fiscalmente comprometido, encontrará um terreno fértil.

Adicionalmente, o barulho fiscal e tarifário vindo dos Estados Unidos continua provocando realocação nos fluxos globais, o que, de maneira quase irônica, favorece os mercados emergentes — inclusive o Brasil.

No fim das contas, a história se repete com desconfortável familiaridade: Brasília queima capital político, alimenta ruído desnecessário e mina qualquer narrativa de responsabilidade fiscal que tente emplacar.

O mercado pode até perdoar, mas não esquece. E cada recaída do governo na tentação de tributar a qualquer custo reafirma o risco institucional que os preços precisam carregar.

Apesar dos rumores ventilados, uma saída antecipada de Haddad parece improvável. Sua eventual substituição deve ocorrer apenas em 2026, caso decida disputar algum cargo eletivo. Até lá, ele segue como o fiador técnico de um governo que testa diariamente os limites da racionalidade econômica.

Ainda assim, o Brasil continua barato. O fluxo estrangeiro segue positivo. E a possibilidade de mudança de rota política em 2026 ainda mantém acesa uma centelha de otimismo entre investidores. Mas ninguém se engane: a travessia até lá será turbulenta.

É urgente retomar o debate sobre a estrutura das despesas obrigatórias. E isso implica, inevitavelmente, enfrentar três tabus: uma nova Reforma da Previdência, uma Reforma Orçamentária séria e uma Reforma Administrativa que vá além do powerpoint.

Mas Lula parece comprometido com uma agenda populista, que conjuga gasto público com retórica social — e deixa para depois o ajuste real.

O “depois”, porém, já tem data: 2027. E isso se o resultado das urnas permitir. Cada dia a mais sem enfrentar o problema aumenta o tamanho da conta. O ajuste necessário será brutal. E quanto mais se empurra, mais difícil será.

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Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
matheus.spiess@moneytimes.com.br
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.