Impensável há poucos anos, fusão espacial na Europa explora a fronteira do “medo de ficar de fora”
Impulsionadas ao limite pela SpaceX de Elon Musk, as maiores empresas de satélites da Europa estão deixando de lado rivalidades históricas em uma fusão de US$ 7 bilhões — uma aposta de vida ou morte que alguns insiders já apelidaram de “Projeto FOMO” (sigla em inglês para fear of missing out, ou “medo de ficar de fora”).
Uma brincadeira com o nome Projeto Bromo, codinome das negociações que levaram ao acordo anunciado na semana passada entre Airbus, Thales e Leonardo, o apelido reflete o temor de perder espaço em um mercado dominado pela SpaceX e sua constelação Starlink, além das novas mega-constelações em desenvolvimento na China.
“Uma fusão desse tipo entre as três maiores empresas espaciais europeias seria impensável há dez anos, mas hoje a concorrência entre Airbus e Thales é muito menos significativa do que a concorrência entre Europa, Estados Unidos e China”, disse Caleb Henry, diretor de pesquisa da consultoria Quilty Space.
União para competir globalmente
A fusão reúne duas joint ventures entre Thales e Leonardo — Thales Alenia Space e Telespazio — com o negócio de satélites da Airbus, além de diversas outras atividades menores.
Airbus e Thales haviam explorado a possibilidade de cooperação no passado, mas receberam sinais desanimadores da Comissão Europeia e o apetite político e industrial por um acordo era menos urgente, disseram duas pessoas envolvidas nessas conversas.
Desde a última tentativa, há mais de cinco anos, as empresas viram o mercado europeu tradicional de satélites geoestacionários cair pela metade, à medida que satélites mais baratos inundaram a órbita baixa da Terra.
A invasão da Ucrânia pela Rússia e a consequente ruptura de segurança com os Estados Unidos aceleraram os esforços da Europa para proteger ativos sensíveis, como satélites, que cada vez mais se sobrepõem ao setor de defesa.
O ponto de virada veio com as crescentes perdas em satélites reprogramáveis de ponta, como o programa OneSat, da Airbus.
O CEO da Airbus, Guillaume Faury, encarregado pelo conselho de reformar a estratégia de defesa e espaço, soou o alarme internamente no início de 2024, dizendo à equipe que as perdas eram “inaceitáveis”.
No meio de 2024, a Airbus enfrentava encargos crescentes, principalmente relacionados ao OneSat, enquanto a Thales lidava com excesso de capacidade produtiva, fatores que empurraram as empresas para as negociações históricas relatadas inicialmente pelo jornal La Tribune.
Negociações dolorosas
Uma pessoa com conhecimento direto da decisão, que pediu anonimato, disse que a Airbus e as duas joint ventures de satélites controladas por Thales e Leonardo aproveitaram o momento “para admitir que estamos sofrendo e precisamos competir globalmente, não entre nós mesmos”.
Outra fonte envolvida nas negociações afirmou que havia “um consenso predominante de que isso era absolutamente necessário, para todos”.
Essa postura pragmática ajudou a conter tensões políticas, frequentes no setor aeroespacial europeu, mas não impediu negociações difíceis sobre as avaliações das empresas, segundo fontes próximas ao processo.
“Desta vez prevaleceu a lógica: era fazer ou morrer”, disse outra pessoa próxima às negociações à Reuters.
Em contraste, a indústria de defesa europeia fragmentada ainda luta para coordenar uma resposta às ameaças crescentes.
E o setor europeu de lançamentos espaciais está ainda mais dividido, com a Itália se afastando da Arianespace, operadora parcialmente controlada pela Airbus e responsável pelos foguetes Ariane. A integração entre foguetes, satélites e serviços da SpaceX, como o Starlink, é creditada por reduzir custos, mas a nova fusão europeia não inclui veículos lançadores.
Alguns analistas afirmam que a colaboração não conseguirá reverter o impacto de anos de indecisão que deixaram a Europa mal posicionada para competir, justamente no momento em que o continente inicia a difícil tarefa de construir sua nova rede de satélites seguros, o IRIS².
“Acredito que é tarde demais. A empresa ficará ocupada com a consolidação por pelo menos dois anos, o mesmo período em que deverá projetar o IRIS²”, disse o consultor de satélites Christian von der Ropp.
Empresa alemã abre batalha regulatória
O chefe da fabricante alemã de satélites OHB disparou o primeiro tiro em uma possível batalha regulatória, dizendo ao jornal Börsen-Zeitung: “Isto é uma ameaça para nós”.
No mínimo, o acordo pode prejudicar a cooperação em licitações de contratos entre a OHB e a Thales, disse uma fonte sênior.
Para tentar obter apoio, o trio envolvido na fusão está instando as autoridades de concorrência europeias a adotar uma visão mais ampla do que a habitual ao avaliar a concentração de mercado, argumentando que o setor espacial é um mercado global, segundo três pessoas próximas às negociações.
As empresas também defendem que o acordo reforçará a soberania europeia.
O negócio, no entanto, deixa em aberto questões sobre capacidade produtiva, já que a Europa espera que uma fatia maior dos mercados em crescimento evite novos cortes de empregos, além dos 3 mil já anunciados em 2024.
“Não acho que se deva reduzir capacidade. É preciso preservá-la, porque ela será necessária”, disse o analista da Agency Partners, Nick Cunningham.
As companhias também deixaram de lado, por enquanto, questões delicadas de governança, afirmando apenas que ela será “equilibrada”.
Segundo analistas do setor, a forma como o poder será compartilhado na prática determinará em grande parte o sucesso dessa rara fusão tripla, que deve ser concluída entre agora e 2027.