Política

Lula encara crise militar calibrando críticas com busca de acomodação

19 jan 2023, 16:35 - atualizado em 19 jan 2023, 16:35
Lula
 Lula também dispensou nos últimos dias dezenas de militares que atuavam no Palácio da Alvorada (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

Com uma crise militar caindo em seu colo após os ataques aos Três Poderes em 8 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou uma estratégia mista: se escancarou pela primeira vez a desconfiança com a caserna, aproveita agora o repúdio generalizado às cenas de vandalismo para trazer os militares à mesa e negociar em posição favorável um apaziguamento.

Lula, que deverá se reunir com os comandantes de Exército, Marinha e Força Aérea ainda nesta semana, disse ter perdido a confiança em parte dos militares, afirmou que “gente das Forças Armadas” foi conivente com os ataques, apontou falha nos órgãos de inteligência amplamente comandado por militares e disse que as Forças Armadas, que foram “poluídas” pelo bolsonarismo, não são o poder moderador “como pensam que são”.

É a primeira vez, desde 1989, que um presidente eleito civil brasileiro questiona abertamente a lealdade das Forças Armadas, num contexto de uma também inédita tentativa de reverter pela força um resultado eleitoral no Brasil.

Saindo da retórica para a ação, Lula também dispensou nos últimos dias dezenas de militares que atuavam no Palácio da Alvorada e na secretaria do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência responsável pela segurança presidencial.

Ainda, o governo estuda abertamente modelos de segurança presidencial alternativos ao atual, predominantemente feito por membros das Forças Armadas.

Ao mesmo tempo, o presidente trabalha internamente para acalmar os ânimos e, se cobra punição de militares envolvidos com os ataques, conversa para garantir que as forças recebem recursos e um tratamento adequado.

A escalada Lula com o setor castrense se apoia no amplo repúdio aos ataques de vândalos apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro vários deles abrigados desde o segundo turno da eleição em acampamentos golpistas em frente a quartéis com a conivência das lideranças militares, especialmente na demonstração de união dos chefes dos Poderes após os ataques ao Palácio do Planalto e aos prédios do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Me parece que esse momento, em que o Lula tem esse consenso político institucional em seu favor, permite a ele forçar o diálogo com as cúpulas militares. O consenso não é robusto o suficiente para que ele force uma enorme transformação do campo de jogo”, disse à Reuters o analista político e CEO da Dharma Political Risk, Creomar de Souza.

Na esteira das críticas públicas de Lula, os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Defesa, José Múcio, almoçaram nesta semana com os comandantes das três forças, num encontro descrito como “bom” por uma fonte com conhecimento do assunto.

De acordo com esta fonte, o almoço serviu para “colocar ordem na casa”, e também foi usado para sinalizar disposição do governo em atender pleitos dos militares na área de equipamentos e financiamento para projetos prioritários.

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A escalada Lula com o setor castrense se apoia no amplo repúdio aos ataques de vândalos apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

A fonte disse ainda que os comandantes mostraram certo grau de constrangimento com os episódios de 8 de janeiro, que criou uma imagem de Forças Armadas coniventes com os ataques e sem preparo para controlar o caos que começou na frente dos QGs. O encontro mostrou comandantes receptivos a virar a página e construir uma relação institucional com o governo, contou a fonte.

“Houve cobrança mas também houve afago por parte do governo”, disse a fonte.

Nessa mesma linha, Lula disse em entrevista à GloboNews na quarta que, na reunião com os comandantes, quer tratar do fortalecimento da indústria nacional de defesa e expressar aos chefes das forças que não pode haver politização na caserna. Disse explicitamente querer “contemporizar”, não ir “logo para a porrada” como desejam alguns, segundo ele.

“Há uma compreensão de que não há espaço para um governo que está iniciando, e que tem um momento que lhe é favorável, de assumir a lógica de confronto ou de confronto aberto”, disse Creomar, comparando a estratégia do presidente com a de uma pessoa que “lida com mingau quente no prato”.

Capítulo Mal Resolvido

Para o pesquisador de assuntos militares e professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) João Roberto Martins Filho, Lula acertou ao recusar a proposta de decretação de uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO) no dia dos ataques, pois recorrer aos militares para controlar a situação o teria enfraquecido.

Em vez disso, o presidente optou por uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal– e o episódio deixa o presidente, na avaliação de Martins, em posição fortalecida para as futuras conversas com a cúpula das Forças Armadas.

“Nós estamos diante de uma situação que tem dois traços: um deles é um desgaste muito grande das Forças Armadas… Por outro lado, o avanço temporário do Lula. Eu não achei que ele ia ter uma oportunidade dessa tão cedo, assim, já no comecinho do governo”, disse Martins.

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Lula acertou ao recusar a proposta de decretação de uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO) no dia dos ataques (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

“Eu acho que isso tudo tem potencial para colocar os militares meio na defensiva e ao mesmo tempo, na melhor das hipóteses, fazer algum setor do generalato perceber que, nesse rumo que eles estão indo, a situação vai ficando cada vez pior para eles”, avaliou.

Martins disse ainda esperar que Lula opte por encarar, e não ignorar, os problemas na relação do poder civil com os militares no Brasil, mais uma vez evidenciado nos ataques de 8 de janeiro e na presença maciça de membros das Forças Armadas em cargos civis durante o governo Bolsonaro.

“Vamos esperar um pouco, porque, na verdade, o problema militar continua”, disse Martins. “A situação sempre pode ficar ruim de novo, porque do mesmo jeito que o bolsonarismo causou, vamos dizer, uma degradação das instituições, isso aconteceu também dentro das Forças Armadas”, aponto o professor.

Para Creomar, da Dharma, a questão da aderência dos militares às regras do jogo democrático é “mais um capítulo de uma das agendas que a Nova República não conseguiu resolver”. O analista entende que uma solução passa por um diálogo entre civis e militares e não é rápida.

“Você tem que os militares hoje são um grupo dentro da tomada de decisão, goste-se ou não. E aí tem uma lógica dentro da política que é, uma vez que você cedeu espaço para alguém, essa pessoa não vai devolver o poder conscientemente”, disse.

“Agora, de fato, isso não vai ser resolvido em um governo”, afirmou.

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