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Marcelo Cabral: Bitcoin – o instrumento especulativo ideal

09 jun 2021, 23:33 - atualizado em 09 jun 2021, 23:33
Bitcoin
Nem todos se dão conta de que o mercado global de Bitcoins é extremamente pequeno, equivalente a menos da metade do valor de mercado da Apple ou da Microsoft (Imagem: Unsplash/ @silverhousehd)

Um número cada vez maior de investidores ao redor do mundo está apostando no Bitcoin (BTC) sem entender exatamente o que é, como funciona e para que serve. A tese de investimento geralmente é baseada em ideias vagas e futuristas: “o Bitcoin vai revolucionar o sistema financeiro mundial”, “o Bitcoin é uma nova classe de ativos”, “o Bitcoin vai substituir o dólar”, “o Bitcoin é o ouro digital”. Se as previsões revolucionárias se confirmarem, seu valor é infinito. Caso contrário, vale zero.

A cada dia aumenta o número de entusiastas e convertidos, motivados pelo desejo de ganhar dinheiro fácil e embalados por uma boa dose de ingenuidade. Se a história serve como guia, não é difícil prever quem vai pagar a conta. O Bitcoin conquistou a imaginação popular, entrou na moda e transformou-se em um negócio de proporções globais. Para o investidor inexperiente é cada vez mais difícil resistir a esse apelo.

Nem todos se dão conta de que o mercado global de Bitcoins é extremamente pequeno, equivalente a menos da metade do valor de mercado da Apple (APPL) ou da Microsoft (MSFT). Como a oferta é rigorosamente limitada pelas regras criadas pelo seu criador, o japonês Satoshi Nakamoto, pequenas oscilações na demanda provocam variações extremas no preço. A entrada de novos investidores no mercado impulsiona o preço, a volatilidade atrai novos participantes e o ciclo se retroalimenta.

Criptomoedas não são moedas

O erro mais comum com relação ao Bitcoin é considerá-lo moeda. Porém, ele não desempenha nenhuma das funções clássicas de uma: servir como meio de pagamento, reserva de valor e unidade de conta. Quem já foi ao supermercado, pegou um táxi ou pagou o aluguel com Bitcoin? Mesmo que todos os estabelecimentos comerciais e empresas passassem a aceitá-lo, ele não poderia ser usado porque o processamento de transações é lento demais: tem capacidade para apenas cerca de 4,6 transações por segundo. Como comparação, a Visa pode processar 24 mil transações por segundo.

Além do problema de escalabilidade, o Bitcoin é volátil demais para servir como reserva de valor. Recentemente, seu preço desabou devido a declarações negativas de Elon Musk, da Tesla, e de medidas do governo chinês para restringir a especulação em criptomoedas. Foi o 16º crash de 30% ou mais nos últimos nove anos. Com média de um crash a cada sete meses, ele serve para especular, não para preservar valor.

O Bitcoin também é reprovado como unidade de conta. Por definição, ela precisa permanecer constante, mas a magnitude das oscilações do seu preço inviabiliza o uso na prática. Não seria viável para uma empresa fazer um orçamento e nem para um consumidor comparar preços em Bitcoin.

Outro pilar da tese de investimento em Bitcoin é a sua suposta “adoção” por parte de investidores institucionais (Imagem: Getty Images)

Ouro Digital

Mesmo sem ser moeda, dizem os otimistas, o Bitcoin um dia poderá substituir o ouro. Outra aposta no desconhecido. O ouro tem uma longuíssima história como meio de pagamento em diversas sociedades. Já foi base de todo o sistema monetário internacional e vem funcionando como reserva de valor há milênios. Sem credibilidade junto a imensa maioria dos investidores, o Bitcoin precisa passar pelo teste do tempo.

Outra desvantagem do Bitcoin é a sua complexidade. Investir em ouro é simples e intuitivo: todos sabem que é um metal raro e precioso, pode ser transportado com relativa facilidade e, ao longo da história, foi amplamente usado como moeda e reserva de valor. O Bitcoin, ao contrário, não tem nada de simples nem intuitivo e pouquíssimas pessoas entendem a tecnologia blockchain com a qual ele foi construído.

Uma nova classe de ativos?

Algumas pessoas afirmam que o Bitcoin é uma nova classe de ativos. Na verdade, ele não é nem mesmo um ativo. Por definição, ativo é algo que gera renda e/ou tem valor de uso. Por exemplo, um imóvel pode ser usado como moradia e pode gerar renda através do aluguel; uma ação representa uma parcela da propriedade de uma empresa e dá direito à parte dos lucros (dividendos); um título de renda fixa paga juros. Sem valor de uso e sem gerar rendimentos, o Bitcoin não é um ativo econômico.

Outro pilar da tese de investimento em Bitcoin é a sua suposta “adoção” por parte de investidores institucionais. Porém, não há evidência concreta nesse sentido, apenas previsões. Em mercados altamente regulados como EUA e Europa, decisões de investimento são embasadas em critérios técnicos. Não há forma de determinar o valor justo do Bitcoin, a menos que se argumente, pelas razões expostas acima, que o valor justo é zero. Sendo assim, um gestor institucional que aplica investimentos em Bitcoin pode estar correndo risco legal em caso de perdas para os clientes.

Se o Bitcoin não gera renda, não tem utilidade prática, não pode ser usado como meio de pagamento, não é reserva de valor e nem mesmo um ativo financeiro, então porque ele desperta tanto interesse? Criptomoedas propiciam anonimato em transações ilegais e podem ser usadas para sonegar impostos, mas o Bitcoin tornou-se tão popular justamente por ser um ótimo instrumento de especulação e de trading de curto prazo. Charmoso, moderno, volátil e com histórico de valorização espetacular, o Bitcoin estimula a imaginação e a esperança de pequenos investidores ao redor do mundo. Os concorrentes são criptomoedas ainda mais voláteis e “revolucionárias” como Ethereum, Tether, Cardano, Dogecoin e etc.

Conclusão

O fenômeno Bitcoin decorre da extrema liquidez dos mercados globais e de juros reais negativos ao redor do mundo. Segundo o indicador Barclays Global Negative Yielding Debt, cerca de US$ 18 trilhões em ativos estão estacionados com rendimento negativo, a procura de retornos mais atrativos. A partir da crise de 2008, cortes de juros pelos principais bancos centrais do mundo induziram a formação de bolhas especulativas em diversos mercados, das quais o Bitcoin é uma das manifestações mais salientes.

A história do mercado financeiro mostra que é muito difícil prever quando uma bolha especulativa vai explodir. Até que o Federal Reserve (FED) inicie um novo ciclo de alta das taxas de juros e que as condições monetárias globais comecem a se normalizar, o preço do Bitcoin poderá continuar subindo e até mesmo bater novos recordes. Cedo ou tarde, porém, a má notícia virá…

Gestor de investimentos internacionais e fundador da Stratton Capital
Marcelo Cabral tem 32 anos de experiência no mercado financeiro internacional. Foi presidente do Bradesco Europa, em Londres e Luxemburgo, da Bradesco Securities, em Nova Iorque, e vice-presidente do Morgan Stanley, do Credit Suisse e do J. P. Morgan também em Nova Iorque. Pós-graduado em finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vive e trabalha no exterior desde 1989. Gaúcho com dupla cidadania, mora em Vermont (EUA), de onde comanda a Stratton Capital, uma gestora de investimentos vinculada a Charles Schwab, a segunda maior corretora do mundo. É licenciado pela Financial Industry Regulatory Authority, agência regulatória dos EUA.
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Marcelo Cabral tem 32 anos de experiência no mercado financeiro internacional. Foi presidente do Bradesco Europa, em Londres e Luxemburgo, da Bradesco Securities, em Nova Iorque, e vice-presidente do Morgan Stanley, do Credit Suisse e do J. P. Morgan também em Nova Iorque. Pós-graduado em finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vive e trabalha no exterior desde 1989. Gaúcho com dupla cidadania, mora em Vermont (EUA), de onde comanda a Stratton Capital, uma gestora de investimentos vinculada a Charles Schwab, a segunda maior corretora do mundo. É licenciado pela Financial Industry Regulatory Authority, agência regulatória dos EUA.
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