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Matheus Spiess: Um novo paradigma para a inflação

26 nov 2021, 20:02 - atualizado em 26 nov 2021, 20:02
Inflação
“Nos EUA, o índice de preços ao consumidor, que monitora os preços de uma cesta de bens de consumo, cresceu 1,7% ao ano em fevereiro”, aponta o colunista (Imagem: Pixabay/ Geralt)

Antes da pandemia, ainda em 2019, poucos economistas e investidores consideravam a inflação como um potencial problema para os próximos anos. Afinal, depois de uma década com pouco crescimento nos países desenvolvidos, os gringos ficaram mal-acostumados com um contexto de inflação abaixo da meta de suas autoridades monetárias.

Agora, depois da reabertura pós-pandêmica, a realidade é outra bastante diferente. O mais curioso talvez seja a violência do movimento; isto é, como tudo aconteceu de forma abrupta.

Quando a primeira onda de Covid atingiu os EUA no começo do ano passado, mais de 20 milhões de americanos perderam seus empregos e o país entrou em sua pior recessão. Com o PIB caindo 31,4% no segundo trimestre de 2020, a última coisa que preocupava os economistas era o aumento dos preços.

Além disso, por um breve momento, os preços do petróleo caíram abaixo de zero, negociando em patamares negativos pela primeira vez.

Ou seja, ninguém via inflação.

Contudo, a pior recessão da história dos Estados Unidos também foi a mais curta de todos os tempos. Graças aos estímulos do governo na ordem de quase US$ 6 trilhões, muitos americanos conseguiram resistir à tempestade – com muito dinheiro, mas restritos a suas casas.

Tal discrepância nunca vista acabou servindo de motor para o que viria a seguir. Considere que os gastos do consumidor com bens foram quase 26% maiores em agosto de 2021 do que em janeiro de 2019.

A demanda, porém, é apenas um elemento da equação de preço.

Embora a demanda por bens disparasse, a oferta não estava pronta para atendê-la. Por uma série de razões, como as frequentes restrições contra a Covid na Ásia e na Europa, a escassez generalizada de mão de obra e o planejamento deficiente por parte das cadeias de suprimentos, os produtores não conseguiam fabricar e despachar mercadorias suficientes para satisfazer o apetite voraz dos consumidores.

Com isso, devido a esse grave desequilíbrio entre demanda e oferta, os preços começaram a subir. Primeiro lentamente no início da segunda metade de 2020, ganhando gradualmente velocidade e realmente explodindo quando entramos em 2021.

Nos EUA, o índice de preços ao consumidor, que monitora os preços de uma cesta de bens de consumo, cresceu 1,7% ao ano em fevereiro, mas em maio havia saltado 5% e, em outubro, alcançou patamar acima de 6% nos últimos 12 meses, o mais alto desde 1990.

Movimento parecido foi verificado na Europa, onde a inflação se encontra duas vezes mais alta do que o almejado pelo BCE. E nem chagamos ao nosso Brasil, no qual vamos alcançar 10% de IPCA acumulado em 2021 até o final de dezembro.

Inicialmente, as leituras de inflação mais altas na primeira metade de 2021 foram atribuídas a alguns itens que tiveram um impacto desproporcional no aumento dos preços, como os carros usados – quem não se lembra do episódio no qual o Marea Turbo se tornou o investimento mais rentável do ano depois de meses seguidos com carros usados se apreciando.

Essa dinâmica serviu de munição às autoridades monetárias do mundo, incluindo o Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos EUA, que argumentaram que a inflação era “transitória” e provavelmente diminuiria assim que algumas rugas pandêmicas fossem corrigidas.

Foi a “transitoriedade” mais duradoura que já vi – nos mercados emergentes de moeda menos estável, como o Brasil, a mensagem foi absorvida de tal modo que os Bancos Centrais já começaram a apertar sua política ainda no primeiro semestre, depois de alguns meses tentando acompanhar os desenvolvidos.

Na sequência daquele choque que todos acreditavam ser apenas um repique, a inflação se espalhou de carros usados ​​e energia para itens em toda a economia, de aluguéis a alimentos e roupas.

A inflação é assim mesmo, um dragão que, quando fora de controle, destrói tudo e todos – geralmente, os mais humildes são os que mais sofrem.

Agora, mais recentemente, os salários também estão subindo, o que contribui igualmente para a inflação, mas de maneira mais estrutura, uma vez que as empresas precisam aumentar os preços de seus produtos para compensar os custos trabalhistas mais altos – depois de subir, não há uma queda brusca dos salários, apenas estabilidade.

Ainda debatendo quando a inflação atingirá o pico. Isso porque há sempre aquela tradicional preocupação com o grau de toxicidade da inflação corrente. Um pouco de inflação, quando estável e com patamar de aceleração controlado, não é ruim.

Pelo contrário, é até desejável, por ser um sinal de que a economia está saudável, reflexo de produção de bens e dispêndio de consumidores com dinheiro para gastar, o que gera um ciclo virtuoso de crescimento.

Tanto é verdade que os próprios Bancos Centrais trabalham com metas de inflação – no Brasil ela é 3,75% em 2021 e será 3,50% em 2022, enquanto nos EUA ela se encontra em 2%, permitindo alguns picos temporários.

O problema é quando perdemos o controle da inflação, fazendo com que ela ganhe caráter estrutural e nocivo para a economia. Se os preços avançam mais rapidamente que os salários, por exemplo, temos um ponto de atenção, porque a tendência em um cenário desses é a de queda do padrão de vida.

Para controlar o poder de compra, os Bancos Centrais devem elevar a taxa de juros, o que reduz crescimento e causa desemprego, como a resposta atual da nossa autoridade monetária, que deve levar a Selic a dois dígitos no início de 2022.

Hoje, porém, nosso problema de fato tem algumas características transitórias.

O período atual se assemelha muito mais com um pós-Segunda Guerra Mundial, que resultou da demanda reprimida do consumidor e interrupções na cadeia de abastecimento, do que da inflação dos anos 1970, decorrente de choques nos mercados de energia.

Além disso, a matriz energética e as estruturas internacionais estão muito mais maduras, o que impede repercussões parecidas mesmo com a crise energética dos últimos meses na Eurásia.

Breve parêntese sobre este último aspecto.

Gostaria de chamar a atenção para o setor de óleo e gás. O petróleo e as ações desse setor apresentam desempenho superior durante os períodos de alta da inflação e os dados dos últimos 50 anos mostram uma correlação positiva entre a inflação e o preço do petróleo.

Nos EUA, por exemplo, o coeficiente de correlação entre o petróleo e o índice de preços ao produtor (PPI) em 0,69 é o mais alto, e 0,52 com o índice de preços ao consumidor (CPI), tendo o coeficiente de correlação se fortalecido na última década.

Para mim, o alto rendimento do setor de energia sempre foi bastante atraente, e isso se torna ainda mais importante no atual ambiente de baixo rendimento e alta inflação. É importante ressaltar que a inflação de custos no setor é baixa, tendo sofrido 13% ao ano de 2004 a 2014.

Voltemos para o tema central.

Por isso, nem todos os períodos de inflação são iguais.

Podemos estabelecer que quando a inflação é “puxada pela demanda” (pró-cíclica), as empresas podem repassar os aumentos dos custos (PPI) aos clientes (CPI). Para investimentos em ações, aliás, o tipo de inflação importa muito, uma vez que, historicamente, as margens melhoram quando a inflação é pró-cíclica e contraem quando é anticíclica.

Note abaixo como as margens nos mercados desenvolvidos têm subido consistente, encontrando patamares na atualidade bem maiores do que a média.

Como o regime atual é pró-cíclico, podemos seguir otimistas para margens e para as ações, pelo menos em uma perspectiva internacional. Isso porque os aumentos de custos lá fora estão sendo atendidos por uma demanda intensa, permitindo que a lucratividade corporativa aumente.

Resumidamente, dá para continuarmos otimistas com as ações no exterior, mesmo em um ambiente inflacionário.

Duas ponderações:

⦁ haverá volatilidade, dado que o Fed vai aumentar os juros até o final do ano que vem, endereçando o problema da inflação, pressionando os prêmios de risco ao longo dos próximos meses; e

⦁ a situação brasileira é um pouco diferente, como explicarei brevemente abaixo.

Da mesma forma que lá fora, estamos convivendo com mais inflação no Brasil. A diferença é que a nossa resposta monetária veio mais cedo do que nos países desenvolvidos, o que provocará um baixo crescimento em 2022. Há quem projete o catastrófico cenário de estagflação no ano que vem, o que seria demasiadamente prejudicial.

Ainda assim, os nossos ativos me parecem demasiadamente baratos nos patamares atuais, o que me permite argumentar que o carrego atual compensa a volatilidade que certamente enfrentaremos no ano que vem, em meio ao período eleitoral.

Portanto, mesmo com a inflação, vejo espaço para a valorização dos ativos listados em Bolsa, com especial carinho para as commodities, aqui dentro e lá fora, que devem seguir surfando muito bem este ciclo.

Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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