Meio Ambiente

Ministro do Meio Ambiente quer Amazônia aberta para negócios

04 dez 2020, 13:06 - atualizado em 04 dez 2020, 13:06
Ricardo Salles
Salles não se intimida. Embora seus planos causem inquietação no Brasil e no exterior, eles refletem a atitude pouco ortodoxa de uma das autoridades ambientais mais polêmicas do mundo (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

Em reuniões com investidores internacionais, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, promove a Amazônia como uma oportunidade de negócios. Onde os conservacionistas veem uma região frágil e com necessidade urgente de proteção, Salles vislumbra grandes companhias de cosméticos, alimentos e farmacêuticas explorando a miríade de ervas, nozes e frutas exóticas da floresta.

“Temos que atrair capital privado para a Amazônia”, disse Salles, de 45 anos, em entrevista no mês passado em seu gabinete, em Brasília. “Esta é a minha abordagem em todas as reuniões que tenho na Europa e nos EUA.”

É uma proposta controversa, visto que a Amazônia está sob constante ameaça. Em junho, 29 fundos globais, com US$ 3,7 trilhões sob gestão, disseram que o governo Bolsonaro precisa provar que está combatendo a destruição da floresta se quiser receber investimentos. Com a vitória de Joe Biden contra Donald Trump, aliado do Bolsonaro, Salles em breve enfrentará um governo dos EUA que promete liderar o mundo na abordagem da emergência climática”.

Salles não se intimida. Embora seus planos causem inquietação no Brasil e no exterior, eles refletem a atitude pouco ortodoxa de uma das autoridades ambientais mais polêmicas do mundo.

O Brasil abriga mais da metade da Floresta Amazônica, que possui uma em cada dez espécies conhecidas da Terra e serve como sumidouro para 90 bilhões a 140 bilhões de toneladas de carbono, de acordo com o World Wide Fund for Nature (WWF). Só isso já faz de Salles um player global.

Mas, com o desmatamento em ritmo recorde nesses últimos dois anos desde 2008, o ministro também é o primeiro na fila das críticas internacionais contra a resposta do governo à destruição da floresta.

Bolsonaro rebateu a interferência estrangeira na Amazônia e declarou que o bioma é uma entidade soberana do Brasil. Mas o clamor global causado pelas imagens da devastação da Amazônia obrigou o governo a mudar de tom nos últimos tempos, que passou a pedir reconsideração da Alemanha e Noruega para liberação do uso dos recursos do Fundo Amazônia.

Salles diz que as portas estão abertas para investimentos externos que sejam “sustentáveis”, embora não tenha definido nenhum padrão verde para as empresas. “Não quero caridade”, disse. “Quero que venham fazer negócios de maneira sustentável e que ganhem dinheiro com isso. Temos que ter indústrias de alimentos, farmacêuticas. Você só vai dar valor ao produto ambiental se tiver indústria com valor agregado lá. Tem que produzir uma linha de xampu, de alimentos, tem que ter um viés comercial”, argumentou.

Uma área da Amazônia maior que a Jamaica foi destruída nos primeiros sete meses deste ano, mais do que em todo o ano de 2019, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os danos não se limitam ao Brasil – Bolívia, Peru e Colômbia também são afetados -, mas o país é o maior responsável pelo desmatamento. E a devastação tem piorado sob o Bolsonaro.

A causa principal é o corte raso, muitas vezes com queimadas, para a abertura de pastagens da pecuária e agricultura. Com os incêndios, as emissões de dióxido de carbono do Brasil aumentaram neste ano, mesmo que a crise causada pela pandemia tenha levado à queda mundial na produção de CO2. Bolsonaro acusa ONGs ambientais de iniciarem os incêndios para chamar a atenção para a causa.

Salles, por sua vez, argumenta que a pobreza é o maior fator de destruição e diz que a criação de riqueza é a resposta. “A Amazônia é um local espetacular, mas enquanto ignorarmos as necessidades das pessoas, ela vai continuar sendo um prato cheio para ilegalidades”, afirmou. “Como sou um liberal, quem vai resolver isso é a iniciativa privada.”

“Salles é um cupim que está devorando o ministério por dentro”, disse o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

Minc não é imparcial, já que fez parte do governo Lula. Mas tampouco está sozinho em sua avaliação. Em junho, nove ex-ministros do Meio Ambiente, que integraram seis governos de diferentes partidos, enviaram uma carta aberta ao Ministério Público Federal exigindo uma investigação sobre as medidas adotadas por Salles em sua gestão.

“No início do governo, Bolsonaro pensou em se livrar do Ministério do Meio Ambiente”, disse Minc. “Talvez tivesse sido melhor.”

Antes da Covid-19, Salles viajava frequentemente para vender sua estratégia para a Amazônia. Agora, os eventos são digitais. Normalmente, ele conversa com grupos de 20 a 30 investidores em reuniões montadas por organizações como a Brazilian-American Chamber Of Commerce. Nesses encontros, Salles é frequentemente questionado sobre como planeja salvar a Amazônia. Ele diz que há muito desconhecimento dos investidores internacionais sobre o que acontece na Amazônia e defende transformar a floresta em um mosaico em que empresas trabalhem em parceria com as comunidades locais, ao mesmo tempo em que áreas são conservadas sob o programa Adote um Parque, onde por 10 euros (US$ 12) por hectare qualquer pessoa pode “patrocinar” uma parte da floresta.

Esta proposta, no entanto, resulta em maior envolvimento do setor privado do que muitos ambientalistas gostariam.

Carlos Nobre, cientista internacionalmente aclamado por seu trabalho na região, não discorda da ideia de atrair recursos para desenvolver e proteger a Amazônia, mas diz que o estado deve ter um papel. “A floresta só vai se manter sustentável com uma parceria público-privada”, afirmou.

As próprias empresas estão cautelosas. A Suzano disse ao governo que a falta de controle está contribuindo para a destruição da Floresta Amazônica e causando perdas de bilhões de dólares em créditos de carbono.

Além dos ambientalistas brasileiros, Salles enfrenta a crítica de famosos no cenário internacional. O presidente francês Emmanuel Macron e o ator Leonardo DiCaprio estão entre os que mostraram preocupação com a abordagem do Brasil para a Amazônia.

Talvez o mais desafiador de todo o projeto de Salles, agora, seja vender as suas ideias para o presidente eleito dos EUA, Joe Biden. Quando era candidato à Casa Branca, o democrata ofereceu US$ 20 bilhões para combater as queimadas e desmatamento, mas sugeriu que sanções econômicas podem estar a caminho se a destruição da floresta continuar aumentando. Bolsonaro rejeitou a proposta; Salles ironizou, porque está aguardando a liberação de ao menos US$ 100 bilhões prometidos aos países em desenvolvimento pelas nações ricas em 2015, na assinatura do Acordo de Paris, para preservação ambiental.

“São US$ 20 bilhões por ano?”, perguntou. Ainda não teve resposta. Sobre os críticos, Salles sugere que ajudem nas soluções. “Estão todos convidados a participar das soluções. Não sou uma pessoa teimosa; até que me provem o contrário e que estou errado, eu mudo.”

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