MP 1303: A tributação desvairada da ‘mão para a boca’ e o velho e surrado discurso contra as elites

Caro leitor, e não é que o “desgoverno” de plantão teve a audácia de, numa tacada só, desorganizar um sistema privado de financiamento do agronegócio de R$ 1.29 trilhão por ano, além de “dar um tiro no próprio pé”, como se diz no jargão popular, tentando utilizar um discurso surrado do partido do Presidente da República para justificar as atrocidades?
Na calada da noite, enquanto esse colunista ainda trabalhava, debatendo o financiamento privado do agronegócio junto à Comissão do Direito do Agronegócio da OAB/BA, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 11 de junho, a Medida Provisória (MP) 1303/2025, que materializou as barbaridades do pacote fiscal do governo, que já havíamos comentado em nossa última coluna.
Tributação atabalhoada e ilegítima
Com um total de 75 artigos e a pretexto de reformar a tributação das aplicações financeiras para arrecadar mais impostos de supostas “elites” que supostamente viveriam às custas do povo trabalhador, no imaginário desse “desgoverno”, na prática, basicamente a normativa tratou de, desesperada e atabalhoadamente, aumentar o Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos derivados de aplicações financeiras de pessoas físicas que investem suas poupanças em certificados de depósitos bancários, estabelecendo uma alíquota única de 17,5% sobre as rendas dessas aplicações independentemente do prazo de vencimento e/ou liquidação dessas aplicações financeiras como mera antecipação do imposto devido na declaração de rendimentos que vai até 27,5%.
Além disso, estabeleceu uma nova cobrança de IR sobre rendimentos dos títulos e fundos de investimento no agronegócio (Fiagros), além de outros títulos bancários, debêntures e títulos do mercado imobiliário, dentre outras medidas de efeito fiscal, para dizer o mínimo, duvidosas, para situações em que havia isenção por razão muito simples:
O custo fiscal de não se tributar às pessoas físicas sobre as rendas derivadas desses títulos era infinitamente inferior à arrecadação dos tributos gerados de forma indireta pelos investimentos dessa poupança no campo e nas atividades de construção e incorporação imobiliárias, importantíssimos motores e empregadores na economia do país.
Discurso esfarrapado de tributação das elites como ‘cortina de fumaça’
Afora a questão da péssima técnica fiscal com extinção de progressividade constitucionalmente exigida para o IR incidentes nas rendas das aplicações em geral, além da exclusividade da tributação na fonte dessas rendas; o que identificamos de pior nas declarações do ministro da Fazenda aos meios de comunicação, é que para justificar uma situação desvairada, derivada da simples necessidade de arrecadação a qualquer custo, da “mão para a boca” por conta das metas fiscais e gastos desmedidos do governo.
O partido no poder central se valeu de um discurso velho e surrado para justificar a “mão-grande” no bolso dos poupadores pessoas físicas – enquanto pessoas jurídicas tiveram alguma diminuição de alíquotas para aplicações de curto prazo, pasmem – de que a medida atingiria apenas as elites e privilegiaria o povo, preservando o orçamento público.
Já vimos que nada disso é real em nossa última coluna que tratava apenas do que fora divulgado na imprensa em relação ao tal “pacote” que estava sendo gestado. Porém, os balões de ensaio foram até “leves” diante da dura realidade derivada da simples análise das normas veiculadas no final da noite de 11 de junho através da dita medida provisória.
A realidade nua e crua veiculada na MP
Como já dissemos no último texto, ao contrário do discurso oficial, tais previsões podem levar as receitas públicas, e, portanto, o orçamento público, à arrecadação tributária em geral e os déficits primários (receitas – despesas antes dos juros da dívida pública) a uma situação explosiva e total descontrole a partir do exercício de 2026, como têm alertado muitos dos economistas especializados em finanças públicas.
Podemos listar os principais pontos veiculados pela norma em questão:
- Uniformização a 17,5% do imposto de fonte independentemente do prazo da arrecadação sobre todas as aplicações financeiras das pessoas físicas, com ajustes na declaração de rendimentos elevando a tributação a patamares muito superiores às condições atuais previstas em lei.
- Tributação de rendas auferidas por pessoas físicas nas operações com criptoativos e/ou criptomoedas dentro da mesma sistemática acima de 17,5% e ajustes na declaração de rendimentos até 27,5%.
- Derrogação das isenções sobre LCA, CRA, CDCA, CDA/WA, CPR-Financeira e Fiagros, além de debêntures de infraestrutura, CRI, LCI, LIG, fundos imobiliários, dentre outros investimentos mais populares e que movimentam e financiam atividades de alto nível de empregabilidade e de investimentos para a economia nacional, com o estabelecimento de uma alíquota de 5% sobre os rendimentos de pessoas físicas – as aplicações nesses títulos de pessoas jurídicas permanecem tributadas pelo Imposto de Renda como sempre foram desde 2004.
- Estrangeiros mantêm isenção do IR incidente na tributação de ganhos nas operações bursáteis e somente pagam imposto de 17,5% nas aplicações de renda fixa, desde que não estejam situados em paraísos fiscais.
Aumento para 20% das alíquotas do imposto de renda nos juros sobre capital próprio (JCP).
Outras medidas de aumentos de alíquota para 17,5% de IR em investimentos em FIPs e outros veículos de investimentos.
A conta não fecha
Apesar dessas medidas em que em sua maioria aumentam a tributação das pessoas físicas, mantendo inalteradas as normas para pessoas jurídicas e estrangeiros em geral – supostamente os “desvalidos” segundo o discurso atual – não acreditamos que o saldo positivo no orçamento será de R$ 40 bilhões por ano, como estimou nas entrevistas o ministro da Fazenda.
Ao contrário, com a inclusão do total dos cerca de R$ 1,29 trilhões na conta que fizemos na última coluna – já que o nosso campo de análises nessa coluna envolve o agronegócio o impacto negativo lá previsto, deve, ao menos, duplicar, em termos de déficit orçamentário, o que contraria os nossos cerca de R$ 80 bilhões previstos de rombo com as medidas veiculadas pela medida provisória, ao incremento esperado de R$ 40 bilhões. Há um descompasso de R$ 40 bilhões em expectativas!
E como tudo isso se daria a partir de 2026, segundo o texto da própria medida provisória, a tendência é que a piora das expectativas e o encarecimento do crédito por conta do cenário altista das taxas de juros oficiais e privadas que tal medida tende a acarretar, podemos dizer que além da diminuição dos investimentos e maior escassez do crédito ao agronegócio e outros setores, podemos reduzir o ímpeto dos investimentos para o próximo ciclo além da necessária redução das equalizações para o próximo Plano Safra 25/26.
Cenário desolador
Enfim, a conta não fecha e está cada vez mais difícil de imaginar que pode fechar em algum momento diante da postura e da imprevisão de um governo que não sabe mais o que fazer além de gastar sem critério, a busca por arrecadar desesperadamente e subestimar a inteligência de analistas e empreendedores que certamente devem reduzir seu ímpeto de investimentos diante de tanta desfaçatez travestida de política pública voltada à distribuição de renda da população que continua e permanecerá espoliada em um cenário de tamanho desarranjo fiscal.