Novo licenciamento ambiental: Impulso ao agronegócio ou ‘PL da devastação’? Entenda disputa em torno do projeto

O novo licenciamento ambiental tramita na Câmara dos Deputados após ser aprovado pelo Senado. O projeto de lei (PL 2.159/2021) que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental divide opiniões dentro e fora do governo.
O licenciamento ambiental é um processo administrativo obrigatório para empreendimentos que afetam ou utilizam recursos ambientais. Pela atual legislação, quanto maior e mais complexa a atividade, mais etapas e mais detalhado precisa ser o licenciamento.
Por meio de uma avaliação de órgãos competentes, determinada atividade pode ser autorizada ou não, com base nos possíveis impactos ambientais na região onde é realizada. O novo projeto propõe alterar a legislação vigente, reduzindo as exigências.
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Segundo a senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora do projeto, o objetivo da proposta é licenciar as obras no país com mais clareza, eficiência e justiça. Para ela, o marco regulatório atual, com regras sobrepostas, trava iniciativas importantes e desestimula investimentos responsáveis.
O PL é apoiado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), da qual Cristina é vice-presidente. “Trata-se de um texto único, construído de forma coletiva, que moderniza o licenciamento, reduz prazos, assegura transparência e reforça a proteção ambiental”, afirmou a senadora.
Por outro lado, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) diz que o projeto desestrutura os regramentos e viola a Constituição Federal. A pasta critica a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), nova modalidade de permissão baseada na autodeclaração do empreendedor.
A ministra Marina Silva tenta conseguir mais tempo de discussão e negociação sobre o projeto, que agora depende do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), para ser reavaliado na casa. Organizações ambientalistas têm tratado o projeto como “PL da Devastação”, reforçando a posição do MMA.
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Desburocratização para o agro
De acordo com o pesquisador Leonardo Munhoz, professor do FGV Agro, ter uma lei federal geral para o licenciamento ambiental traz mais segurança jurídica do que a legislação atual, que é apoiada em resoluções.
O atual tempo de análise para emissão de licenças é uma das maiores reclamações de quem defende o novo projeto. Segundo o doutor em direito ambiental, o processo pode durar anos e o PL institui prazos para a conclusão.
Para o agronegócio, setor interessado na aprovação, o texto define quais atividades devem ser passíveis de licenciamento ambiental e quais não vão precisar de permissão.
Por exemplo, atividades agrícolas e pecuária extensivas, que utilizam grandes áreas e pastagens ou semi-intensivas ficariam isentas do licenciamento.
Já em relação a pecuária intensiva, onde há maior controle da criação dos animais em espaços reduzidos, com amplo uso de tecnologias para elevar a produtividade, seguiria precisando de permissão.
“Essa necessidade ou não de licenciamento não desobriga o produtor, em hipótese alguma, de respeitar o Código Florestal. Independentemente de ser extensivo, intensivo, de não precisar do licenciamento ambiental, todo mundo vai precisar de regularidade perante o Código Florestal”, diz Munhoz.
Segundo o pesquisador, a medida é importante para o setor, já que padroniza e unifica em uma lei federal, o que precisa ou não de licenciamento. Atualmente, parte das atividades fica a cargo dos estados.
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Quanto a LAC, a permissão baseada na autodeclaração, o advogado destaca preocupação com a falta de detalhamento do processo. A expectativa dele é que a Câmara complemente o trecho que dispõe sobre a modalidade de licenciamento.
“A LAC já existe em vários estados. Mas em São Paulo, por exemplo, ela deixa muito claro que é somente para atividade de pequeno impacto ambiental e define quais são essas atividades. Esse tipo de detalhamento não está no PL ainda”, afirma Munhoz.
A ausência de definição traz insegurança jurídica e abre brecha para que atividades de médio impacto, como a construção de barragens, por exemplo, sejam permitidas por meio de LAC. Isso ampliaria os riscos de dano ambiental e judicialização, com eventual interferência do poder judiciário.
Munhoz ressalta que mesmo se for aprovada no texto atual, a lei não deve gerar sanções negativas por parte de países importadores. “Não tem risco, principalmente para commodities agrícolas”, diz.
“Em países estrangeiros, sobretudo EUA e Europa, não existem normas de licenciamento ambiental comparáveis. Eles têm normas para atividades que a lei está complementando, mas nenhum desses países exige o que a gente cobra aqui no Código Florestal”, afirma.
Ambientalistas temem ‘PL da devastação’
A ministra do MMA, Marina Silva, não se diz contrária a uma atualização da legislação de licenciamento ambiental, mas considera que o texto atual foi construído e aprovado de forma acelerada pelo Senado, sem considerar uma série de questões.
“Uma estrada que é feita em uma área altamente sensível, por exemplo, pode aumentar o desmatamento. Uma área que tem comunidades indígenas, pode afetar essas comunidades. Sem falar nos incêndios que podem ser potencializados”, disse Marina em entrevista à GloboNews.
Além do agronegócio, setores de mineração e energia também têm interesse na aprovação do projeto. Para ambientalistas, a possibilidade de exploração de petróleo na Margem Equatorial fez o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União), apressar a votação.
“Nós ambientalistas também queremos agilizar o licenciamento ambiental, mas na tentativa de desburocratizar o texto comete vários equívocos e retrocessos, principalmente na desvinculação de instrumentos e competências de diversos órgãos técnicos”, diz Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação S.O.S Mata Atlântica.
Ribeiro afirma que o projeto retira competências legais de instituições como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e outros órgãos ambientais, deixando uma única autoridade licenciadora tomar decisões sobre atividades de alto, médio e baixo impacto ambiental.
A respeito da LAC, Ribeiro destaca que seria positiva se fosse exclusivamente destinada a empreendimentos de baixo impacto, como pequenas atividades locais. No entanto, da forma em que está no texto hoje, atividades relacionadas à mineração e combustíveis poderão utilizar o instrumento.
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Além da licença autodeclaratória, o projeto institui um licenciamento especial, por meio de emenda elaborada pelo senador Alcolumbre.
O mecanismo possibilita que um colegiado do Governo Federal classifique empreendimentos como estratégicos, liberando projetos de forma simplificada em até um ano, independentemente dos riscos de impacto ambiental ou do uso de recursos naturais.
“Isso abre espaço para uma análise política, já que o governo pode passar na frente de todos os processos aquilo que politicamente achar que é de seu interesse. É algo que quebra o princípio da gestão descentralizada, integrada e participativa”, diz Ribeiro.
Segundo a ambientalista, um novo licenciamento devia se pautar na chamada Avaliação Ambiental Estratégica, utilizada em países como o Canadá. Nela, comunidades originárias, por exemplo, são ouvidas na construção de empreendimentos, evitando futuros conflitos.
“Perdemos a oportunidade de inovar, de ter uma legislação ambiental moderna, ágil, técnica e que de fato tirasse a burocracia, mas sem conflitos judiciais, sem insegurança jurídica”, afirma Ribeiro.