O caminho do etanol muda com políticas de Trump? Ricardo Mussa, ex-CEO da Raízen (RAIZ4), defende SAF ‘Made in Brazil’

O mercado do SAF (Combustível Sustentável de Aviação) está em alerta, de olho nas políticas anunciadas por Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos (EUA), após assumir o comando da Casa Branca, cortou incentivos para renováveis e limitou estímulos para o SAF apenas para produtores e matérias-primas do país, que se concentra no etanol de milho.
Fora isso, Trump também anunciou tarifas de 50% para o etanol brasileiro. Segundo a Cogo Inteligência em Agronegócio, o Brasil representa 75% das importações norte-americanas de etanol. A tarifa pode representar um acréscimo de US$ 200 a US$ 250 por mil litros, tornando o etanol brasileiro praticamente não competitivo no mercado americano.
Segundo Ricardo Mussa, ex-CEO da Raízen (RAIZ4) e líder do SB COP30 (Sustainable Business COP30), iniciativa do setor produtivo liderada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o mercado de etanol brasileiro já vem perdendo espaço nos últimos anos para os EUA. Isso porque a Califórnia vem mudando suas regras de contagem de carbono.
“O principal destino do etanol brasileiro sempre foi Japão e União Europeia. Nesse sentido, o aumento das tarifas afeta pouco o nosso mercado. Por outro lado, a mudança da Coca-Cola para açúcar de cana pode trazer um volume adicional para o mercado brasileiro“, disse, em entrevista ao Money Times.
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O impacto das tarifas e perspectivas para o etanol no Brasil
Mussa lembra que o Brasil estava exportando etanol, E2G (etanol de segunda geração) e sebo bovino para os EUA, que era convertido em SAF e reexportado para a Europa. Apesar de não ser uma rota natural por motivos logísticos, o programa de incentivo norte-americano permitia esse fluxo, ainda que em volumes pequenos.
“O mercado europeu quer ver a origem do produto. O que eu acho que deve acontecer é o Brasil atrair investimentos para produção de SAF local, mas nenhuma discussão agora sobre fechar mercado não é boa porque somos exportadores. Mas de forma geral, não vejo um impacto muito grande, muito relevante para o mercado de etanol brasileiro e nem para o mercado de exportação de SAF”.
Para ele, a discussão que precisa mais uma vez ser levantada é a produção de SAF no Brasil com destino para União Europeia.
“Com essa trade war, alguns países da Europa e Ásia, como Singapura e Japão, deveriam olhar para o Brasil de forma diferente. O Brasil deveria atrair mais investimento dos que os próprios Estados Unidos como fonte de suprimento de SAF para essas regiões. Mas para isso é preciso investimentos, estabilidade e juros mais baixos para o mercado se animar e investir no SAF aqui”.
Por fim, perguntado se esses fatores poderiam acelerar um novo aumento de etanol na gasolina, Mussa acredita que não, já que o volume destinado para o SAF ainda é pequeno para os próximos anos.
“A frota do Brasil ainda vai crescer e como não temos produção de gasolina, há uma demanda crescente por etanol no mercado local. Com a guerra tarifária, dificilmente teremos importação de etanol americano para o Nordeste. Para aquele produtor de etanol de milho lá em Mato Grosso, isso deve sacramentar o mercado Norte e Nordeste com menos competição para o produto dos EUA. Lembrando que o etanol de cana ainda tem uma demanda pelo açúcar, vamos ver o crescimento de demanda pelo etanol de milho”.
O mercado de SAF
De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), o SAF pode contribuir com cerca de 65% da redução de emissões necessária para o transporte aéreo atingir a neutralidade de CO2 em 2050.
Segundo o Rabobank, caso 100% do biocombustível seja produzido a partir do etanol, a produção de SAF no Brasil iria demandar 3,5 bilhões de litros em 2037, o que não seria um grande fator em termos de volume, já que o Brasil produz 30 bilhões de litros de etanol por ano. No entanto, a produção local pode evoluir para uma espécie de “mercado premium”.
A maior parte do SAF produzido no mundo vem a partir dos óleos vegetais via Ácidos Graxos e Ésteres Hidroprocessados (HEFA, em inglês). Além dessa “rota”, há a produção via alcohol-to-jet (ATJ), com uso do etanol para produção do SAF.
Atualmente, há apenas uma planta alcohol-to-jet (ATJ) no mundo, da LanzaJet, na Georgia (EUA), lançada em 2024, e que usa etanol brasileiro, pelo baixo carbono, como matéria-prima.
A estimativa do Rabobank é de que a planta demande 60 milhões de litros de etanol por ano, o que representa uma parcela pequena das nossas exportações (2,5 bilhões de litros).
Segundo Bruno Cordeiro, analista de Inteligência de Mercado da StoneX, no mercado brasileiro, o principal fator de incentivo para o etanol brasileiro fica para a lei do Combustível do Futuro. Ele também menciona um novo mandato para redução de emissões dos combustíveis utilizados nas viagens aéreas, que começa em 2027.
“O mercado brasileiro deve encontrar soluções para a redução das emissões que deve ocorrer principalmente através do uso do SAF. Devemos observar o mercado brasileiro demandando mais SAF ao longo dos próximos anos. Os principais projetos para SAF no Brasil são via HEFA, mas apesar de não termos projetos ATJ, o etanol de cana tem um incentivo maior para o uso de SAF porque ele gera uma maior redução das emissões frente ao HEFA. No futuro, devemos ver o Brasil ampliando seus projetos para o ATJ”.