Thinking outside the box

O dilema de Milei: Os problemas de governabilidade na Argentina

29 nov 2023, 18:42 - atualizado em 29 nov 2023, 18:43
Javier Milei presidente eleito futuro Argentina propostas recuos flexibilização revisão Mercosul Lula China dolarização
A situação econômica do nosso vizinho levou economistas e estudiosos do tema a cunharem uma expressão “Paradoxo Argentino” (Imagem: Facebook/ Javier Milei)

Um ponto de destaque em novembro foi o desfecho das eleições na Argentina. O candidato peronista, Sérgio Massa, não aguardou sequer apuração oficial para reconhecer a vitória de Javier Milei, que conquistou expressivos 55% dos votos no pleito.

Apesar dos esforços, Massa não conseguiu se desvincular de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, alcançando apenas 44%.

O devaneio kirchneristas de eleger o atual ministro da Economia em um país com inflação em torno de 140% e onde dois em cada cinco cidadãos vivem abaixo da linha da pobreza sempre me pareceu bizarro, evidenciando as dificuldades do populismo de esquerda latino-americano para gerar novas lideranças.

Por exemplo, após Lula, quem se destaca como representante da esquerda populista brasileira? A incerteza prevalece.

A situação econômica do nosso vizinho levou economistas e estudiosos do tema a cunharem uma expressão “Paradoxo Argentino”. Como resumiu o economista Simon Kuznets, Prêmio Nobel, existem quatro tipos de países no mundo: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina.

A postura pública combativa de Milei e suas propostas radicais para enfrentar os perenes desafios econômicos da Argentina, incluindo a dolarização, o encerramento do banco central e a redução dos gastos governamentais em 15% do PIB, atraíram eleitores insatisfeitos com a política convencional. Contudo, é crucial notar que ele não contará com a maioria no Congresso para aprovar suas propostas mais ousadas.

E o que esperar agora?

Costuma-se brincar que os bancos centrais se dividem em quatro categorias: os considerados ruins, como a Reserva Federal; os muito ruins, como os da América Latina; os terrivelmente ruins; e o Banco Central da Argentina.

Embora, à primeira vista, possa parecer sensato renunciar à autoridade monetária, a dolarização da economia não é uma solução milagrosa. Países como Zimbábue e Equador podem ter adotado essa tática para eliminar a capacidade do governo de imprimir dinheiro, mas a Argentina não é o Zimbábue.

O trilema impossível de Robert Mundell já demonstrou a incapacidade de qualquer país manter conta de capital aberta, controlar juros e câmbio simultaneamente. Em outras palavras, um país deve escolher apenas dois entre política monetária independente, taxa de câmbio fixa e livre mobilidade de capitais.

No cenário internacional, o modelo mais comum renuncia ao controle cambial, permitindo que o mercado determine o valor da moeda. Isso equaliza os diferenciais de juros e possibilita que o Banco Central conduza sua política monetária de forma autônoma, como ocorre no Brasil, por exemplo, e em outros países da OCDE.

A proposta de Milei, que envolveria abandonar o controle da taxa de juros pelo BC, semelhante ao que ocorre no Equador atualmente, provavelmente encontrará obstáculos e poderá ser inviável.

Entregar unilateralmente ao Federal Reserve dos EUA o controle da política monetária em uma economia de 622 bilhões de dólares é algo absolutamente sem precedentes.

Sim, a Argentina já tentou dolarizar sua economia em outro momento, e não obteve sucesso. Embora o que tenha ocorrido na década de 1990 não seja exatamente o mesmo tipo de dolarização proposta agora, o destino não parece promissor.

A dolarização de uma economia dessa magnitude, anunciada com antecedência, pode, na verdade, resultar em um aumento da inflação.

Para concretizar a dolarização total, Milei precisaria adquirir dólares em quantidade suficiente para converter todos os pesos em circulação, além de converter todos os contratos e ativos para a moeda norte-americana.

É crucial lembrar que os argentinos já enfrentam desafios na compra de dólares devido à fragilidade do peso e à escassez de reservas estrangeiras.

Com o peso prestes a enfraquecer ainda mais, é provável que Milei tenha que imprimir mais pesos apenas para iniciar o processo de dolarização. No entanto, esse movimento pode desencadear outra rodada de hiperinflação, o que pode corroer rapidamente sua popularidade política.

A confirmação dos planos de privatização da estatal de petróleo e gás YPF destaca-se, cumprindo a promessa de campanha de reduzir significativamente o tamanho do Estado.

O primeiro passo será garantir a recuperação dos resultados da empresa para assegurar uma venda mais valorizada.

Milei também planeja transferir para o setor privado o controle de empresas de comunicação, incluindo a Rádio Nacional e a agência de notícias Telám. Isso pode fornecer lições valiosas para o Brasil em 2026.

No entanto, é importante notar que o partido do presidente eleito não terá maioria no Congresso e nem apoio nos governos provinciais, sendo necessário buscar alianças para avançar com seus planos.

Sim, inicialmente, as declarações de Milei eram bastante controversas. No entanto, ao longo do tempo, houve uma atenuação, especialmente no segundo turno, com concessões feitas para obter o apoio de Patricia Bullrich.

O segundo turno teve um caráter pedagógico para Milei, resultando em uma humildade intelectual mais evidente.

Com isso, as chances de Milei parecem estar diretamente ligadas à possibilidade de moderação de seu discurso, algo considerado viável, assim como sua agenda.

Outro aspecto crucial será a relação de Milei com o resto do mundo. Lula foi um dos primeiros a reconhecer a vitória de Javier Milei, postando no Twitter uma nota com votos de êxito e boa sorte ao novo governo, mesmo sem mencionar o nome do presidente eleito. Essa relação promete ser bastante turbulenta.

Celso Amorim, assessor de assuntos internacionais do presidente Lula, advoga pela adoção de uma “relação de Estado” com a Argentina. A habilidade de colocar os interesses do Estado acima das preferências pessoais é essencial para construir uma relação produtiva, mesmo entre presidentes de ideologias divergentes.

Será uma verdadeira lição de Realpolitik.

Acontece que, adotando uma postura notavelmente diferente após sua eleição, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, expressou a defesa de que seu país e o Brasil continuem a explorar as áreas de complementaridade em integração física, comércio e presença internacional.

Esta perspectiva foi comunicada por meio de uma carta-convite enviada ao presidente Lula para a cerimônia de posse em 10 de dezembro.

Diana Mondino, futura chanceler argentina, entregou pessoalmente a carta ao ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. Embora não haja confirmação da participação de Lula na posse, o chanceler brasileiro afirmou que a possibilidade será considerada.

Milei enfatizou que o Brasil é um país “irmão” e manterá essa relação mesmo após a posse do presidente de ultradireita em 10 de dezembro.

Ele indicou apoio à conclusão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE) e não levantou objeções à presença da Argentina no BRICS+, embora o país deva desempenhar um papel menos ativo nos fóruns.

Ao mesmo tempo, a União Europeia busca finalizar o acordo com o Mercosul até 7 de dezembro, dias antes da posse de Milei em 10 de dezembro. As negociações foram descritas como extremamente construtivas, e a UE planeja encerrar o processo até o final de 2023.

O presidente Lula, pessoalmente envolvido, conversou com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, buscando discutir o acordo após a eleição de Milei, que já expressou oposição à manutenção do bloco comercial, colocando em risco as negociações. Não creio que seja mais uma preocupação.

Essa mesma abordagem se aplica à relação com a China. Apesar das declarações anteriores durante a campanha, Milei reconheceu a influência chinesa na Argentina ao longo de mais de uma década. Em uma mudança de tom, o presidente eleito expressou gratidão ao presidente chinês, Xi Jinping, por uma carta parabenizando-o pela vitória.

Com uma postura mais moderada, o governo de Milei, embora enfrente desafios, parece ter maior probabilidade de alcançar algum sucesso em certas frentes.

Na estruturação do governo, Luis Caputo foi designado para liderar a economia.

Ex-chefe da mesa de trading para a América Latina no JPMorgan e ex-presidente do Deutsche Bank na Argentina, Caputo possui uma trajetória notável para o cargo. Vale ressaltar que ele já descartou a dolarização, afastando-se da abordagem anteriormente presumida. Este é mais um passo em direção ao centro.

Federico Sturzenegger, ex-presidente do Banco Central durante o governo de Mauricio Macri, também está sendo considerado por Milei para assumir alguma posição. Sturzenegger é conhecido por eliminar restrições cambiais e implementar o regime de metas de inflação com câmbio flutuante. Quanto mais ortodoxia, melhor.

Luciano Laspina, deputado federal e economista-chefe do Banco Ciudad de Buenos Aires, é mencionado como outro possível membro do governo, possivelmente conectado à aliança de Bullrich.

No entanto, apesar das expectativas em torno deste novo governo, é importante destacar que a falta de maioria no Congresso pode limitar a aprovação de propostas mais ousadas (embora algumas sejam necessárias), antecipando desafios significativos para a governabilidade de Milei.

Quanto mais Milei estiver disposto a buscar um meio-termo, melhor será para suas propostas mais factíveis e menos radicais.

Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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