O pacifista esquecido pelo Nobel: a história de como Gandhi venceu o mundo, mas não convenceu Oslo

Nenhum outro nome é lembrado com tanta frequência entre os esquecidos do Nobel da Paz quanto o de Mahatma Gandhi. Líder do movimento pela independência da Índia e símbolo mundial da resistência não violenta, Gandhi foi indicado ao prêmio cinco vezes — em 1937, 1938, 1939, 1947 e 1948 —, mas nunca chegou a ser laureado.
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De acordo com registros da Fundação Nobel, as indicações partiram de figuras influentes, como diplomatas noruegueses, acadêmicos e pacifistas europeus que viam em Gandhi a personificação dos ideais de Alfred Nobel. Mesmo assim, o comitê hesitou — e, em todas as ocasiões, optou por outros nomes.
Um pacifista fora do padrão
Parte da explicação está no perfil do prêmio naquela época. Até meados do século 20, o Nobel da Paz costumava ser concedido a líderes ocidentais ou a instituições ligadas à diplomacia europeia e norte-americana.
Gandhi não se enquadrava nesse modelo: não era chefe de Estado, não ocupava cargos diplomáticos e tampouco comandava exércitos ou ministérios. O título “Mahatma”, que em sânscrito significa “grande alma”, era um reconhecimento espiritual, não político.
Seguindo o princípio de ahimsa — a não violência ativa —, Gandhi transformou o protesto em gesto moral e a desobediência civil em ferramenta política. Marchas, jejuns e boicotes tornaram-se as principais armas de uma nova forma de resistência: a força da paz diante da opressão.
Mesmo assim, o comitê norueguês demonstrava dificuldade em enquadrar o líder indiano dentro dos critérios tradicionais do prêmio.
O fator político
Havia também pressões e receios diplomáticos. Em plena era colonial, premiar um líder que confrontava o Império Britânico poderia ser interpretado como um ato político.
Segundo os arquivos do comitê, um dos avaliadores chegou a afirmar, em 1937, que Gandhi era “demasiado envolvido em questões políticas e conflitos nacionais para representar a paz mundial”. Essa avaliação refletia o desconforto em reconhecer um pacifista que também era o rosto de uma luta anticolonial.
A partição e o impasse
Quando a partição da Índia, em 1947, dividiu o país e deu origem ao Paquistão, o nome de Gandhi voltou a ser cogitado com força. Mas o contexto era crítico: enquanto ele pregava reconciliação, confrontos entre hindus e muçulmanos deixavam milhares de mortos.
Alguns integrantes do comitê consideraram incoerente premiar um pacifista em meio a tamanha violência. Outros lembraram que, embora Gandhi condenasse os ataques, o movimento que liderava esteve ligado a episódios de agressão, como o de Chauri Chaura, em 1922 — argumento usado para descartar sua candidatura.
O impasse durou até 1948. Mas, antes de qualquer decisão, Gandhi foi assassinado em Nova Déli, no dia 30 de janeiro daquele ano.
O prêmio que ficou sem dono
Meses depois, o Comitê Norueguês do Nobel voltou a se reunir. Pela primeira vez, considerou conceder o prêmio postumamente, mas a falta de definição sobre quem receberia o valor — já que Gandhi não havia deixado testamento ou fundação — dificultou o processo.
Em novembro de 1948, veio a decisão: o prêmio daquele ano não seria entregue a ninguém. O comunicado oficial dizia apenas: “Não há um candidato vivo adequado.”
Na prática, foi um reconhecimento implícito de erro. O comitê admitia a relevância de Gandhi, mas preferiu não alterar as regras para corrigir a omissão.
O arrependimento
Décadas depois, o caso passou a ser citado como uma das maiores falhas da história do Nobel da Paz. Em 2006, o então secretário da Fundação Nobel, Geir Lundestad, afirmou que o comitê “falhou com Gandhi” e que, se fosse possível reescrever o passado, ele certamente teria sido premiado.
O reconhecimento tardio veio de forma simbólica. Em 1989, ao entregar o Nobel da Paz ao Dalai Lama, o presidente do comitê declarou que a homenagem também era, em parte, um tributo à memória de Gandhi — o homem que nunca recebeu o prêmio, mas redefiniu o conceito de paz no século 20.
O Nobel da Paz 2025 foi entregue à María Corina Machado, líder da oposição na Venezuela. O texto do Comitê a descreve como uma figura unificadora em um cenário político antes fragmentado, capaz de reunir grupos rivais em torno da defesa de eleições livres e da restauração do Estado de Direito.