AgroTimes

Os pedidos de recuperação judicial no agronegócio não mentem

20 mar 2024, 15:59 - atualizado em 20 mar 2024, 16:37
recuperação judicial agronegócio
Pedidos de recuperação judicial no agronegócio acumularam uma expressiva alta de 535%; há motivo de preocupação? (Imagem: Pixabay/jcesar2015)

Na última coluna tratamos sobre recuperação judicial no agronegócio voltaremos a falar sobre o tema mais uma vez.

A ideia é sedimentar no leitor da coluna a visão sobre o desenvolvimento do tema já que muitos veículos têm publicado diversas matérias sobre o tema nos últimos dias.

Segundo pesquisa recente divulgada pela empresa Serasa Experian, foram realizados 127 pedidos de recuperação judicial em 2023, o que representariam uma alta de 62% entre o terceiro e o quarto trimestre, e e de inimagináveis 535% se fossem tomadas bases anuais de comparação (2022 a 2023).

Esses números hiperbólicos acabaram por causar mais agitação do que deveriam, na opinião deste colunista, até porque se, contextualizados, – até a própria pesquisa assim se refere a eles – representam concentração em termos geográficos (estados de Mato Grosso e Goiás, além de outros estados produtores) e em relação a não proprietários de terras (arrendatários e/ou parceiros) e pequenos proprietários que certamente possuem menos garantias para “rolar” dividas – o que, de per si já relativiza a questão aos moldes do que tratamos em nossa última coluna.

Além disso, 127 produtores rurais em um universo de mais de 5 milhões de produtores devidamente registrados pelo último censo de 2021, significam qual impacto? Podemos questionar matematicamente se diante de um universo de 5 5ilhões de produtores uma amostra com 127 produtores teria tanta representatividade estatisticamente? Talvez uns 0,0000254% do universo de produtores rurais no Brasil? Enfim, parece que a contextualização dos números – tanto qualitativa, quanto quantitativamente – ajuda a entender um pouco mais o teor da pesquisa divulgada.

Modismo ou previsão legal?

Ainda importante ressaltar, como temos procurado esclarecer o nosso leitor, se há previsão legal para a obtenção do favor da recuperação judicial por parte de produtores rurais que recorrem ao instituto para tentar iniciar ou até forçar uma renegociação judicial de suas dívidas no ordenamento jurídico brasileiro.

Sim há, desde dezembro de 2.020 é possível que um produtor rural – CPF ou CNPJ – venha a recorrer ao instituto da recuperação judicial para tentar renegociar judicialmente suas dívidas. Porém, muitas das dívidas decorrentes das atividades agropecuárias, como operações de barter (troca de insumos por CPR – título do agro), repasses de crédito rural e financiamentos para aquisição de terras, com base nesse mesmo diploma legal, estariam fora da renegociação via ajuizamento desse tipo de pedido pelo produtor rural. Vejam o quadro resumo:

recuperações judiciais agronegócio
(Dados: FGV)

Sem entrar nos pormenores do quadro acima, podemos dizer que, em geral, apenas dívidas trabalhistas, com fornecedores e fiscais, além de alguns dos financiamentos que não os típicos do agronegócio, estão dentre aquelas dívidas que o produtor pode forçar a renegociação via processo de recuperação judicial.

Tal fato, por si só, já deixa claro que forçar uma renegociação judicial das dívidas – em relação à maior parte delas – não tem muita efetividade, se formos analisar o critério legal posto desde a Lei do Agro e a Reforma da Lei de Recuperações Judiciais, pela Lei n. 14.112, de 24 dezembro de 2020.

Com isso, claro que o produtor rural que for “aconselhado” a recorrer ao remédio extremo da recuperação judicial, por alguma situação de aperto de crédito, frustração de safra (o novo número divulgado pela Conab na semana passada reduziu ainda mais a previsão para a safra a ser colhida em 23/24, para 295,6 milhões de toneladas de grãos) ou simples “modismo” dos consultores da vez deve sopesar com muito cuidado a potencial utilização da ferramenta.

Conclusão: numerologia, cenários e o Poder Judiciário

Dessa maneira, cabe tanto ao analista de mercado, quanto a quem concede crédito no agronegócio e até mesmo a fornecedores, investidores no setor e ao próprio produtor rural, colocarem as suas “barbas de molho” quanto às informações que circulam (com alardes desnecessários, muitas das vezes) decorrentes de visões um pouco açodadas dos números divulgados – e cenários, claro, um pouco mais desafiadores na conjuntura – e tentar, antes de qualquer efeito “manada” entender melhor o contexto das questões.

Isso porque, se é certo que o agronegócio brasileiro tem um ano mais desafiador por aspectos conjunturais que já tratamos aqui nesse espaço desde a primeira coluna do ano de 2024, também é correto afirmar que temos aspectos estruturais presentes e consolidados no setor que nos levam a atestar, com base nos próprios números disponíveis e já comentados por aqui, que a questão das recuperações judiciais de produtores rurais é pontual e deve ser tratada caso a caso.

Nesse sentido, inclusive, o próprio Poder Judiciário dos estados citados no estudo da Serara Experian, como alguns dos mais afetados pelos pedidos de recuperação judicial no campo, tem sido instado a se manifestar em processos dessa natureza e estão ratificando a intepretação conforme da lei vigente sobre as dívidas que não estão submetidas ao processo de renegociação via recuperação judicial.

Esses tribunais têm prestigiado a segurança jurídica das operações de barter, financiamentos e outras dívidas, excluídas do processo de recuperação judicial pelo legislador, fixando decisões e interpretações que se configuram como verdadeiros Leading cases, de que temos participado desde o início e que estão na vanguarda dessa discussão.

Tal interpretação privilegia a lógica de mercado e salvaguarda os direitos dos stakeholders da cadeia ampla do agronegócio, preservando a sua organicidade e funcionamento sistêmico, em detrimento de casuísmos e aforismo frequentes, que muitas vezes tem se posto ao largo das políticas consolidadas do próprio Estado brasileiro e daqueles que militam em prol do setor.

Desta forma, importante ratificar aqui que apesar de alguns ruídos de comunicação sobre tais fatos e alguma dose de ansiedade em torno dos desdobramentos, reforçamos a nossa crença de que o setor continua sendo (e continuará por longos anos) de extrema importância estratégica para a inserção da economia do país em um mundo cada vez mais populoso, multipolarizado e que necessita de uma governança do clima e dos negócios cada vez mais afeta às regras do jogo, separando o “joio do trigo” em um processo que privilegiará a boa governança, a segurança jurídica e as boas práticas de mercado em detrimento das individualidades e modismos de momento.

André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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