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Os próximos capítulos da ‘novela’ do marco temporal: A insegurança continua

24 out 2023, 15:57 - atualizado em 24 out 2023, 15:57
marco temporal
Agronegócio e comunidades indígenas aguardam os próximos passos do projeto do marco temporal sobre demarcação de terras (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Na semana passada, vimos novas cenas da “novela” do marco temporal com a publicação de edição especial do Diário Oficial União (DOU) com vetos presidenciais a vários dos dispositivos da Lei n. 14.701, de 20 de outubro de 2023.

Foram feitos quase que uma “enxurrada” de vetos presidenciais em grande parte do texto legal proposto pelo Poder Legislativo na tentativa de trazer um mínimo de segurança jurídica e previsibilidade à questão, acabando por desnaturar o que o Congresso Nacional se propôs a fazer para tentar dar um basta na questão.

Em verdade, nas razões de veto publicadas no DOU na mesma data do que sobrou da Lei n. 14.701/23, o que se notou é que Presidente da República, procurando basicamente respaldar-se na decisão do STF, que já aludimos nesse mesmo espaço de nossa coluna há cerca de duas semanas, procurou justificar os vetos no “atacado” sustentando basicamente, razões de suposta inconstitucionalidade para assim fazê-lo.

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A “suposta” lógica dos vetos à legislação

Os vetos procuraram “picotar” a legislação que se propunha a apaziguar a questão para o setor produtivo e para os povos originários no final das contas, atropelando, ao contrário do que fora sustentado nas razões de veto, na minha visão, a melhor interpretação do artigo 1º da Carta Federal de 1988, que justamente consagra a tripartição de poderes da república e a harmonia entre os mesmos através do respeito aos seus campos de atuação.

As razões de veto trazidas, além de respaldaram-se em falsa premissa de respeito à decisão do STF não apontam para um novo “norte” regulatório para a questão e sim para o contrário, endossando a legislação vigente e que fora objeto da decisão do STF, contribuindo decisivamente para a manutenção do status de insegurança jurídica em relação à propriedade das terras que podem vir a ser objeto de processo expropriatório para fins de constituição e demarcação de reservas indígenas.

Por outro lado, na continuidade do julgamento pelo STF, o próprio tribunal já apontara para algumas regras que – apesar de criarem um “marco temporal às avessas” para proprietários de terras, que terão de provar estarem na pose mansa e pacifica de suas terras até 1988 -, ao menos, consagram o direito à ampla defesa dos proprietários de terras e dos próprios representantes dos povos originários, remetendo, inclusive, ao tesouro, a responsabilidade de arcar com os recursos necessários à desapropriação, sob pena de a mesma sequer poder ser realizada.

Dificuldades práticas

Apesar do julgamento do STF ter trazido uma definição em relação à intepretação constitucional do tema, tal definição – na medida em que aberta e sujeita à revisão dos critérios trazidos na decisão para fins de tratamento dos processos na prática – pode ainda trazer desequilíbrio e insegurança jurídica às relações vigentes e manter a judicialização da questão por longos anos a fio.

De fato, seja se tratando da produção propriamente dita nessas terras ou financiamentos existentes para produção nessas propriedades rurais passíveis de processos de desapropriação, a existência de garantias reais de financiamentos, operações de mercado de capitais e até de companhias que se dedicam à aquisição e utilização de terras para produção com ações transacionadas em bolsa, podemos dizer que a profusão de vetos à lei n. 14.701/23, sem uma solução tratando a questão, pode estender indevidamente o celeuma em torno do tema jogando por terra o trabalho do STF no julgamento da questão. 

Até porque, na própria decisão, na parte de sua aplicabilidade, retomada na segunda parte do julgamento, o STF procurou adentrar vários aspectos práticos para a instrumentalização dos processos de demarcação e indenização aos atuais proprietários, remetendo aos poderes legislativo e executivo a sua regulação, o que a lei em comento procurava resolver dentro das atribuições constitucionais do Poder Legislativo.

Esse fato acaba por trazer um grau adicional de dificuldades para adiante em relação à regular aplicação do que “sobrou” do projeto de lei que se converteu, após o “enxugamento” levado à efeito pelo Poder Executivo, na Lei n. 14.701, de 20 de outubro de 2023.

As cenas dos próximos capítulos para o Marco Temporal

Assim os vetos devem retornar ao Congresso Nacional que terá a obrigação de revê-los ratificando-os ou derrubando-os, o que não ajuda em nada a recompor a tão necessária segurança jurídica que foi esquecida com todo esse embate.

Do mesmo modo, as comunidades de povos originários, também não terão a certeza do regular andamento dos processos de demarcação pendentes, já que a decisão do STF que se aplicaria aos demais casos não fora ratificada na parte prática das indenizações e andamentos dos processos aos quais se aplicaria a decisão. Com isso, tudo pode voltar à estaca zero com a apreciação dos vetos presidenciais, o que retardaria ainda mais a solução dada pelo próprio STF à questão.

Enfim, em nossa visão, tais vetos significam na prática que perdemos mais uma oportunidade de apaziguar e discutir profundamente o tema, regulando de forma clara e objetiva o art. 231 da Constituição Federal de 1988. 

Enquanto isso o mundo continua a precisar de mais alimentos, mais fibras, mais energia renovável e muito mais segurança jurídica e alimentar, principalmente em tempos de cenários cada vez mais incertos no exterior e continuamos a preferir os caminhos tortuosos da discussão sem fim a produzir e assentar as nossas comunidades tradicionais através de uma discussão séria e democrática.  

 

André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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