Economia

Por que países podem apresentar dívidas maiores que a do Brasil?

19 dez 2016, 16:25 - atualizado em 05 nov 2017, 14:08

Arthur Lula Mota é economista do Terraço Econômico

Essa pergunta tem rodado, de uma forma irônica, em diversos setores de oposição. A ironia, na verdade, esconde uma profunda ignorância no assunto. A comparação clássica é feita entre Brasil e Japão, na qual o primeiro tem algo próximo de 70% do seu PIB em dívida bruta e o segundo mais de 200% do PIB. Assim, por qual razão não podemos ter a dívida do Japão? Bom, a resposta mais direta é óbvia é: são países extremamente diferentes, para não se dizer exatamente opostos.

Veja a evolução recente da dívida do Japão em A explosão da dívida pública no Japão em um gráfico.

Primeiro, o Brasil tem uma história muito mais rica de instabilidade política, diversos calotes da dívida e um passado recente de hiperinflação, componentes estes que ficam impressos no currículo fiscal do país e tem um peso bem maior na hora dos cálculos de risco do país em detrimento de um país “pacato” em termos de turbulência política e econômica como o Japão.

Receba o Giro Money Times grátis em seu email

Segundo, a poupança japonesa é muito maior que a brasileira. Conforme o FMI, enquanto o Brasil poupa apenas 15,9% do seu PIB, os nossos amigos nipônicos estão 10p.p. na nossa frente, poupando 25% de todo o seu PIB. Isso também é levado em conta na hora de se avaliar dívidas públicas e solvências de um país.

Terceiro, como consequência da elevada poupança (somada a outros fatores, como a baixa inflação), a taxa de juro do Japão é muito menor que a do Brasil. Os japoneses trabalham com uma taxa de juro zerada (e até negativa) ao passo que temos uma taxa de 13,75% atualmente, sendo o juro real em torno de 6%. Esta taxa também incide sobre a dívida e complica a sua dinâmica futura (embora a própria taxa de juro seja elevada pela dívida e a política fiscais serem frouxas).

Quarto, o Japão é um país com riqueza maior que o Brasil. Este ponto é fundamental e pouco avaliado. O sujeito A pode se desfazer de muito mais coisas para quitar a dívida, mesmo que essa supere sua renda anual. O banco prefere emprestar mais dinheiro para um rico, mesmo que extremamente endividado, a uma pessoa pobre, com menor dívida, mas com baixa riqueza e diversas instabilidades (como o desemprego mais frequente, e, trazendo ao nível nacional, crises políticas e etc).

Resumindo a ópera: mesmo com dívida maior, a capacidade de A pagar é maior do que B. Isso explica por que é pior para o Brasil ter dívida de 70% do que Japão de 200%. Explica também, dentre outros fatores, por que a taxa de juros do país é maior.

A tabela abaixo, elaborada pelo Gustavo Franco munido dos dados de Thomas Piketty, nos mostra que quando avaliado a proporção da dívida sobre a riqueza, os países ricos apresentam forte redução, ao passo que a dívida do Brasil segue elevada.

Não temos muito para onde correr a não ser inverter a trajetória da dívida, coisa que a já aprovada PEC 55 fará de forma lenta e gradual, ao invés de um ajuste mais rígido e de curto prazo. O argumento de que há um “pecado de origem” no ajuste devido ao suposto baixo nível da dívida não passa de desonestidade intelectual ou ignorância.

Não há estabilização sem lágrimas.

arthur.lulamota@moneytimes.com.br