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Proteína animal e o tarifaço: Transformando limão em limonada

10 set 2025, 11:07 - atualizado em 10 set 2025, 11:07
proteína animal tarifaço carnes
(iStock.com/shiota)

A decisão de Donald Trump de majorar substancialmente as tarifas incidentes sobre grande parte dos produtos que fazem parte da pauta de exportação brasileira para os Estados Unidos tem consequências não só sob o prisma econômico, mas também sob o ângulo jurídico, com grande repercussão para o agronegócio nacional.

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O impacto dessas medidas sobre a atividade de produção de proteína animal, em especial de carne bovina e de frango, foi substancial e preocupa até mesmo os mais otimistas.

À luz do Direito Internacional, tais medidas podem, em tese, ser questionadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) sob alegação de violação das cláusulas de nação-mais-favorecida e de tratamento nacional. No entanto, enquanto o litígio comercial vai seguindo seu trâmite lento e incerto, o setor pecuário brasileiro se vê compelido a promover rápida realocação de mercado, sob pena de prejuízos irreversíveis ao produtor rural e impactos importantes no Produto Interno Bruto (PIB).

As exportações de proteína animal representam, historicamente, parcela relevante da pauta comercial brasileira, superando a cifra de US$ 23,9 bilhões, em 2024. A pecuária brasileira, compreendendo toda a cadeia produtiva, respondeu em 2024 por aproximadamente 8,4% do PIB nacional agregado, gerando empregos diretos e indiretos em cadeias de logística, insumos veterinários, rações e serviços financeiros.

Ao adotar sobretaxas ao preço de entrada dos produtos brasileiros, os Estados Unidos introduziram barreiras que, segundo estimativas do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) poderão reduzir em até 40% o volume exportado no curto prazo. Tal retração projeta-se imediatamente sobre a balança comercial e sobre a arrecadação tributária, além de contribuir, de certa forma, para a volatilidade cambial e pressão inflacionária.

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Em face desse cenário, a solução para o Brasil passa pela construção de uma estratégia de diversificação geográfica amparada em quatro frentes. Na primeira, intensifica-se a aproximação com o mercado asiático, notadamente China e Vietnã, cuja demanda por proteínas cresce a taxas superiores a 5% ao ano e cujos protocolos sanitários já reconhecem a equivalência dos sistemas de inspeção brasileiros.

Em segundo lugar, reanimam-se as negociações de acordos preferenciais com países do Oriente Médio, historicamente receptivos à carne de frango halal produzida no Brasil. Na terceira frente, avança-se na consolidação de quotas junto à União Europeia, beneficiando-se do espaço aberto pelo Brexit e da necessidade europeia de fornecedores alternativos à Ucrânia.

Por fim, busca-se maior inserção na África, continente que desponta como novo polo consumidor, ainda que careça de infraestrutura portuária e de marcos regulatórios estáveis.

O lado jurídico

Do ponto de vista jurídico, a abertura de novas frentes de exportação exige harmonização normativa entre o ordenamento brasileiro e os dispositivos fitossanitários do país importador, conforme preceitua o Acordo da OMC sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, que define os direitos e obrigações dos membros da OMC no que tange à segurança alimentar e sanidade animal e vegetal.

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Impõe-se, portanto, atuação coordenada entre Ministério da Agricultura, Ministério das Relações Exteriores e setor privado para firmar relações jurídicas que reduzam exigências redundantes e acelerem a obtenção de Certificados Veterinários Internacionais. O ganho de eficiência nesses procedimentos diminui custos e eleva a competitividade da mercadoria brasileira no exterior, constituindo o caminho natural para a compensação das perdas em exportação derivadas do tarifaço.

No plano interno, o eventual excedente de carne destinado originalmente ao mercado norte-americano tende, num primeiro momento, a provocar sobre-oferta doméstica, pressionando os preços ao produtor. Contudo, as atuais taxas de câmbio, apesar de não impactadas de forma importante desde o anúncio das tarifas — reflexo de questões internas da economia norte-americana —, ainda estimula novas vendas externas e evita uma queda abrupta de receita em reais.

Em perspectiva de médio prazo, a conjugação de um câmbio relativamente favorável e a diversificação de destinos deve reequilibrar a formação de preços, estabilizando-os em patamar ligeiramente inferior ao praticado antes das tarifas nos Estados Unidos, mas superior à média histórica, haja vista o contínuo crescimento da demanda internacional.

O consumo interno e o mercado internacional

Do ponto de vista de  consumo interno, o que se espera é um alívio inflacionário modesto, porém relevante, sobretudo no segmento de carnes de segunda e cortes de frango inteiro, propiciando uma elevação de acesso, pela população de baixa renda, a esse mercado relevante.

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Em âmbito internacional, a retração da oferta brasileira nos Estados Unidos será parcialmente suprida por produtores de países concorrentes, em especial Austrália e Canadá, o que pode elevar seus preços de exportação e reduzir sua competitividade em outros mercados.

A recomposição do comércio segue lógica de vasos comunicantes: quanto maior o prêmio pago pelo mercado norte-americano, maior o incentivo ao redirecionamento de embarques para lá, aliviando pressões de preços nos demais destinos.

Desse modo, o tarifaço, paradoxalmente, tende a provocar elevação dos preços internacionais de carne bovina e frango, ainda que moderada, beneficiando exportadores brasileiros nas novas fronteiras já mencionadas.

Quanto às soluções de natureza contenciosa, o Estado brasileiro dispõe do instrumento de consulta junto à OMC, passo anterior a um eventual painel arbitral. Embora a instauração de controvérsia possa ensejar retaliações adicionais e levar anos até uma decisão definitiva, o simples início do procedimento poderia provocar efeitos persuasivos, em especial se acompanhado por construção de coalizões com outros países igualmente afetados.

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Tudo isso não substitui, logicamente, a negociação de quotas de isenção tarifária específicas, obtidas pelos agentes do mercado e pela diplomacia comercial.

Brasil deve contornar maiores impactos

Em síntese, o impacto do tarifaço sobre o PIB brasileiro será significativo, porém mitigável. Projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada indicam perda potencial de até 0,2% no crescimento anual, caso não haja a abertura de novas frentes.

Todavia, se as iniciativas de diversificação frutificarem, a redução pode limitar-se a 0,03%, valor que poderá ser integralmente recuperado na medida em que novos contratos de longo prazo sejam firmados. Esse quadro aponta para a resiliência do setor pecuário nacional, cuja competitividade estrutural — dotada de escala produtiva, disponibilidade de pastagem e tecnologia de confinamento — permaneceria íntegra, apesar desse solavanco.

Por derradeiro, vale registrar que a crise ensejada pelas tarifas norte-americanas oferece oportunidade ímpar para o Brasil repensar sua estratégia de inserção comercial, diminuindo sua dependência em mercados concentrados e reforçando compromissos socioambientais, hoje condição sine qua non para ingresso em blocos como OCDE e signatários do Acordo de Paris.

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A adoção de instrumentos de compliance ambiental, rastreabilidade e certificação de bem-estar animal não apenas atende às mais recentes exigências legais dos países importadores, mas também agrega valor à marca da “carne brasileira”, contribuindo para maior remuneração ao produtor e, em sentido lato, para um crescimento sustentado no longo prazo.

Ante tais desafios, cabe ao poder público, em colaboração com a iniciativa privada, instrumentalizar soluções que passem pela diversificação de mercados e pelo aperfeiçoamento das questões sanitárias. Estamos diante de uma oportunidade ímpar para transformar a adversidade momentânea em impulso para modernização e consolidação da liderança global do Brasil na exportação de proteína animal.

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Vamilson José Costa é sócio do Costa Tavares Paes Advogados. Especialista em M&A, recuperação judicial, contencioso cível e empresarial, com longa experiência no setor agropecuário. É especializado em Direito do Consumidor pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP-COGEAE) e formado em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista - São Paulo. Reconhecido pela Revista Análise Advocacia 500 como um dos advogados mais admirados no Brasil em “Full Service” e, por vários anos, pela Chambers Global e pela Chambers Latin America como advogado expoente na área de Resolução de Disputas – Contencioso.
vamilson.costa@moneytimes.com.br
Vamilson José Costa é sócio do Costa Tavares Paes Advogados. Especialista em M&A, recuperação judicial, contencioso cível e empresarial, com longa experiência no setor agropecuário. É especializado em Direito do Consumidor pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP-COGEAE) e formado em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista - São Paulo. Reconhecido pela Revista Análise Advocacia 500 como um dos advogados mais admirados no Brasil em “Full Service” e, por vários anos, pela Chambers Global e pela Chambers Latin America como advogado expoente na área de Resolução de Disputas – Contencioso.
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