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Quais regulamentações se aplicam a corretoras descentralizadas?

12 out 2020, 13:00 - atualizado em 07 out 2020, 14:33
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Este artigo foi escrito ao The Block por Peter Van Valkenburgh, diretor de pesquisa do Coin Center, organização sem fins lucrativos com foco em pesquisa política e defensoria a criptoativos (Imagem: Crypto Times)

Corretoras de criptoativos
podem ser realmente descentralizadas?

Regulamentação de valores mobiliários e DEXs

Apenas a análise da Lei de Sigilo Bancário não significa que corretoras descentralizadas nunca serão regulamentadas. Regulamentações de valores mobiliários podem ser aplicadas a algumas atividades que algumas pessoas podem realizar usando corretoras descentralizadas.

O objetivo da regulamentação de valores mobiliários é proteger investidores de fraude e falsidade ideológica — diferente das leis de supervisão financeira como a Lei de Sigilo Bancário onde seu objetivo é coletar informações que possam ser usadas para evitar lavagem de dinheiro.

Assim, leis de valores mobiliários só se aplicam quando o ativo negociado é um valor mobiliário. A definição de “valor mobiliário” é complexa e flexível e, desde 2015, a Coin Center está desenvolvendo pesquisas políticas sobre a questão de se e quando um criptoativo se qualificará como valor mobiliário.

A resposta rápida é que tokens que não têm um emissor no qual detentores confiam que irão obter lucros no futuro não são valores mobiliários, e os que tem um emissor são valores mobiliários.

Na prática, isso significa que bitcoin e criptoativos parecidos não são valores mobiliários porque não existe um emissor central que gerencia a rede e promove e vende uma oferta inicial de tokens.

Enquanto isso, promessas de futuros tokens serão valores mobiliários porque nós confiamos que a desenvolvedora daquela futura plataforma cumpra com suas promessas.

Bitcoin e criptoativos parecidos não são valores mobiliários porque não existe um emissor central que gerencia a rede e promove e vende uma oferta inicial de tokens. (Imagem: Pixabay/vjkombajn)

Por fim, novos tokens que passam por redes descentralizadas, mas foram inicialmente vendidos em uma pré-venda como uma promessa da desenvolvedora estão numa área cinzenta: a venda inicial foi uma oferta de valores mobiliários, mas se hoje a rede é completamente descentralizada, então o token resultante em uma rede operante pode não ser um valor mobiliário.

EOS, por exemplo, os promotores que firmaram um acordo com a SEC sobre sua pré-venda — admitindo que o token da pré-venda era um valor mobiliário, mas que o atual token da rede não é regulamentado como um valor mobiliário.

No entanto, se um token é um valor mobiliário, então não pode ser legalmente negociado em corretoras que não sejam licenciadas pela SEC como Corretoras Nacionais de Valores Mobiliários ou Sistemas Alternativos de Negociação.

A definição de uma corretora em leis de valores mobiliários é bem mais ampla e flexível do que a definição na Lei de Sigilo Bancário: não depende do conceito de custódia por terceiros e pode se estender a pessoas que não têm custódia, mas meramente combinam compradores e vendedores para facilitar transações.

Assim, se você está desenvolvendo ou implementando uma ferramenta para corretoras descentralizadas e se alguns dos tokens que são negociados com essa ferramenta são valores mobiliários, então você pode ser responsabilizado por facilitar ou operar uma corretora de valores mobiliários não registrada.

Apesar de EtherDelta não ter nenhum custodiante externo, ainda seria uma corretora de valores mobiliários sob as leis de valores mobiliários dos EUA (Imagem: Pixabay/vjkombajn)

Em 2018, a SEC acusou Zachary Coburn, o desenvolvedor original do EtherDelta, de operar uma corretora de valores mobiliários não registradas e, por fim, entraram num acordo extrajudicial.

EtherDelta era uma plataforma DEX criada na Ethereum e usada para a negociação de diversos tokens que a SEC já rotulou como valores mobiliários (e diversos outros tokens que provavelmente seriam considerados como valores mobiliários se a SEC os analisasse).

Apesar de EtherDelta não ter nenhum custodiante externo (e, assim, não estaria sujeita à Lei de Sigilo Bancário e obrigações de supervisão financeira relacionada), ainda seria uma corretora de valores mobiliários sob as leis de valores mobiliários dos EUA.

Na teoria, uma plataforma DEX que só facilita o câmbio de tokens que não são valores mobiliários, como o bitcoin, não estaria sujeita nem à Lei de Sigilo Bancário nem às leis de valores mobiliários.

Na prática, desenvolvedoras criam ferramentas que podem ser usadas para a negociação de qualquer token, seja ele ou não um valor mobiliário.

Se uma desenvolvedora que deseja que suas ferramentas sejam usadas apenas para o câmbio de ativos que não são valores mobiliários pode ser responsabilizada se essas ferramentas forem usadas por outros para negociar valores mobiliários é uma outra pergunta.

Parte da resposta irá depender do que a desenvolvedora fez e se suas ações podem ser interpretadas como um discurso protegido sob a Constituição dos EUA, nosso tópico final.

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Existe um forte caso de uso que apenas essa atividade de publicação de software seja uma expressão constitucionalmente protegida (Imagem: Pixabay/QuinceMedia)

Lei constitucional e DEXs

Se alguém que está desenvolvendo ou implementando ferramentas relacionadas a corretoras descentralizadas for acusado de violar leis de valores mobiliários (porque pessoas estavam negociando tokens que são valores mobiliários usando a ferramenta) ou leis de supervisão financeira (se essas leis fossem alteradas para expandir sua cobertura a entidades não custodiais), então podem estar sujeitas a usar a lei constitucional como uma defesa afirmativa.

Duas defesas promissoras são os direitos de liberdade de expressão da Primeira Emenda e o direito contra investigação e confisco sem mandatos da Quarta Emenda.

Se uma desenvolvedora está criando e lançando versões de software de corretora descentralizada ao público geral e se não está defendendo o uso ilegal desse software, coletando taxas pelo uso do software ou mantendo um site pelo qual pessoas podem acessar e utilizar o software, então existe um forte caso de uso que apenas essa atividade de publicação de software seja uma expressão constitucionalmente protegida.

Isso não necessariamente significa que o governo nunca possa regular essa atividade, mas sim que qualquer regulamentação que restringe a liberdade de expressão enfrentará escrutínio dos tribunais, ou seja, o governo terá de provar que a) a regulamentação promove um interesse estatal convincente e b) que meios que pouco restringem a expressão podem atingir esse interesse.

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O único motivo pelo qual essa rede de informações é constitucional é porque dos sujeitos da investigação (usuários individuais da corretora) fornecem, por livre e espontânea vontade, informação a terceiros (Imagem: Freepik)

Na prática, esse nível de escrutínio proíbe o estado de aprovar leis que proibiriam a publicação com base no conteúdo ou ponto de vista.

Softwares de código aberto para corretoras descentralizadas são um tipo específico de conteúdo que defende um ponto de vista político muito forte: devemos conseguir realizar pagamentos e transações livres de intermediários e censura.

Na prática, escrutínio rigoroso proíbe o estado de aprovar leis que criam uma “restrição prévia” à liberdade de expressão, ou seja, uma proibição aplicada antes da expressão ser difundida.

Em outras palavras, uma punição por dizer algo difamatório após o fato não é uma restrição prévia, mas sim uma lei que diz que “ninguém deve dizer algo falso sobre a índole do Presidente” é uma restrição prévia.

Qualquer lei que tente banir a publicação de um software para corretora descentralizada ou torne ilegal a publicação sem uma licença ou outra pré-condição seria uma restrição prévia. Na prática, tribunais sempre consideram inconstitucionais essas formas de regulamentação.

Caso uma desenvolvedora deva incluir uma ferramenta de supervisão ou de “conheça seu cliente” em seu software de corretora descentralizada, isso pode ser contestado como uma intervenção obrigatória inconstitucional.

Regulações sobre intervenções obrigatórias, principalmente se o discurso em questão for relacionado a conteúdo expressivo não comercial, também enfrentam uma rigorosa fiscalização.

Lembrando que a Lei de Sigilo Bancário já exige coleta de dados sem a necessidade de mandato de corretoras centralizadas e outras instituições financeiras (Imagem: Freepik/macrovector)

Por fim, de uma desenvolvedora concordar em incluir ferramentas de supervisão em seu software de corretora descentralizada, o mandato pode ser contestada como uma pesquisa inconstitucional e sem mandato em violação ao pedido de mandato da Quarta Emenda.

Lembrando que a Lei de Sigilo Bancário já exige a coleta de dados sem a necessidade de mandato de corretoras centralizadas e outras instituições financeiras.

O único motivo pelo qual essa rede de informações é constitucional é porque dos sujeitos da investigação (usuários individuais da corretora) fornecem, por livre e espontânea vontade, informação a terceiros.

Desde a década de 1970, tribunais afirmam que quando o sujeito de uma investigação voluntariamente apresenta informações a um terceiro — e este retém as informações para propósitos comerciais legítimos —, então o sujeito perde sua expectativa razoável de privacidade sobre as informações.

Sem essa expectativa, o governo não precisa obter um mandato para investigar ou confiscar as informações em questão.

Porém, se o usuário está comprando ou vendendo em uma corretora descentralizada, então não existe um terceiro a quem o usuário repassou as informações. Essa dissociação de um terceiro para o requisito de mandato não se aplica.

Grande parte da coleta de dados da Lei de Sigilo Bancário e obrigações de notificação (como SARs) não precisam de mandatos e, assim, não podem ser usados para a coleta de informações que não foram divulgadas voluntariamente a um terceiro; esses dados estão sujeitos a um pedido de mandato.

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