Meio Ambiente

Racionar água na crise hídrica gera dilemas: salvar peixes ou energia?

02 jun 2021, 22:01 - atualizado em 02 jun 2021, 22:01
Críse hídrica
Os efeitos colaterais previstos, que já têm sido discutidos entre operadores de usinas e autoridades (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

Hidrelétricas que operam em áreas atingidas por uma seca histórica preparam-se para adotar medidas determinadas pelo governo, visando poupar reservatórios, que podem ter como consequências a morte de peixes e impactos sobre atividades de navegação e irrigação, segundo documentos vistos pela Reuters e especialistas do setor.

Os efeitos colaterais previstos, que já têm sido discutidos entre operadores de usinas e autoridades, evidenciam dilemas que terão de ser enfrentados pelo país neste ano devido à falta de chuvas que ameaça secar os reservatórios.

O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), liderado pelo Ministério de Minas e Energia, passou a defender nas últimas semanas uma flexibilização na operação de algumas hidrelétricas como forma de guardar água para atendimento à demanda por energia nos próximos meses, tradicionalmente de poucas chuvas no país.

O pleito foi encaminhado ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), composto por diversos membros do governo, inclusive ministros da Economia, Agricultura e Meio Ambiente.

Em uma das hidrelétricas que teria a operação flexibilizada, a de Porto Primavera, os impactos ambientais da redução de vazão almejada pelo CMSE poderiam incluir “morte de número significativo de peixes” ou “aprisionamento” destes em lagoas, bem como “comprometimento da qualidade da água”.

Os riscos são mencionados em documento da Cesp, operadora da usina, visto pela Reuters, que lista em meio aos preparativos para a mudança operativa a mobilização de equipes para monitorar da situação no reservatório e resgatar peixes.

Os peixes salvos pelas operações de resgate seriam transportados “de barco ou carro até áreas seguras para soltura”, enquanto a qualidade da água seria acompanhada com sondas, segundo o documento.

Já um documento da chinesa CTG, com usinas no rio Paraná, aponta que a recomendação do CMSE envolveria operação da hidrelétrica de Jupiá “em vazão mínima (substancialmente) inferior àquela por ela considerada adequada e segura”.

Visto pela Reuters, o material mostra que a CTG quer que o Ibama acompanhe testes da redução de vazão e autorize operações incluindo para “salvamento de peixes e outros elementos da fauna”, pedindo ainda que autoridades conduzam ações de comunicação junto a públicos que serão atingidos pelas medidas, como associações de pescadores.

As restrições existentes à operação de hidrelétricas visam manter em algumas uma determinada vazão de água, de forma a não prejudicar a fauna e o meio ambiente, ou para não afetar operações de navegação e turismo na região dos lagos.

Para o especialista em direito ambiental Terence Trennepohl, o tema tem potencial para fomentar disputas entre ambientalistas e o setor de energia, que podem também envolver a indústria e consumidores em geral.

“A questão parece de análise uma simples: se diminuir a vazão excedente (que não gera energia) pode ocorrer mortandade de peixes; se não diminuir, pode haver racionamento de energia”, disse ele à Reuters.

“A decisão é técnica, mas passa por avaliação estratégica de qual o prejuízo maior para a coletividade e para o país.”

Outras consequências das mudanças na operação das hidrelétricas podem incluir impactos “sociais”, como “à pesca, à navegação, à irrigação, entre outros”, segundo despacho do Ibama citado pela CTG no documento visto pela Reuters.

Um importante especialista da área de energia disse que o momento de seca exigirá “muita coordenação e senso de cooperação” entre os segmentos que “disputam” as águas.

“Também não dá para o setor elétrico atropelar a discussão e dizer ‘essa água é minha’…. mas vai manter peixe vivo e gerar racionamento?”, questionou.

As discussões sobre o tema já chegaram inclusive ao mundo político. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), criticou na semana passada o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que coordena o acionamento de usinas para atender à demanda por energia.

“O ONS, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, apoderou-se das águas brasileiras para o seu propósito único de geração de energia” , escreveu ele no Twitter.

Segundo ele, medidas em estudo para preservar água em algumas usinas, incluindo Furnas, poderiam “secar” reservatórios em Minas Gerais, impactando “o abastecimento, o turismo, a navegação, a agropecuária, a piscicultura e o meio ambiente”.

Procurada, Furnas, subsidiária da Eletrobras, disse que “até o momento não recebeu orientações sobre flexibilização operativa para as hidrelétricas que opera”.

A Cesp disse em nota que entregou ao Ibama plano de trabalho para redução da vazão em Porto Primavera “e está tomando todas as providências necessárias para início da execução… assim que aprovado pelos devidos órgãos governamentais”. A empresa, controlada por Votorantim Energia e pela canadense CPPIB, ainda disse que está “sensível” ao “cenário de crise hídrica”.

A CTG afirmou que também desenvolveu um plano para a alteração de vazão em suas usinas, “tendo por premissa o monitoramento e mitigação de possíveis impactos ambientais, inclusive ictiofauna” e aguarda sua aprovação, segundo nota.

Ibama e ANA não responderam pedidos de comentário sobre impactos das flexibilizações operativas de hidrelétricas demandados pelo CMSE. O ONS também não comentou de imediato.

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