Saúde

Rápida aprovação de vacina Covaxin gera polêmica na Índia; Brasil quer imunizante

04 fev 2021, 11:55 - atualizado em 04 fev 2021, 11:55
Profissional da saúde prepara dose da Covaxin
A empresa, que fabrica a vacina Covaxin, tem sido alvo de controvérsias que vão desde cronogramas irrealistas do governo a alguns relatos de reações adversas (Imagem: Reuters/Amit Dave)

Há um ano, Krishna Ella era simplesmente conhecido por comandar uma pequena farmacêutica indiana com reputação de rigor científico. Então, veio a pandemia, que colocou o cientista e sua família no centro de uma das maiores polêmicas em torno de uma vacina contra o coronavírus.

Vale lembrar que o Brasil está em negociações para adquirir 30 milhões de doses das vacinas Sputinik V e Covaxin. Caso a compra seja fechada, o país poderá receber 8 milhões doses da Covaxin em fevereiro e 12 milhões em março.

Em junho do ano passado, a agência reguladora de medicamentos da Índia permitiu que a empresa de Ella, a Bharat Biotech International, desenvolvesse uma vacina doméstica em tempo recorde.

Desde então, a empresa tem sido alvo de controvérsias que vão desde cronogramas irrealistas do governo a alguns relatos de reações adversas. A situação chegou ao auge no mês passado, depois que o governo indiano aprovou a vacina antes da conclusão dos ensaios finais em humanos.

A decisão provocou protestos em toda a Índia, e muitos na linha de frente da pandemia – principalmente profissionais de saúde – se recusaram a receber a vacina da empresa.

Duas semanas depois, a campanha nacional de imunização da Índia desacelerou: pouco mais da metade do número-alvo de pessoas se apresentou para tomar a vacina, hesitação em grande parte atribuída à aprovação apressada do imunizante da Bharat Biotech, que ainda está em ensaios de fase III.

Brasil e Índia negociam acordo para que o imunizante indiano chegue ao país (Imagem: Reuters/Altaf Hussain)

Dos EUA à Noruega, debates sobre a eficácia e segurança das vacinas contra a Covid-19 afetaram gigantes farmacêuticas como Pfizer e AstraZeneca, e governos de vários países buscam combater a resistência às vacinas. No entanto, especialistas dizem que a Índia nunca havia identificado resistência significativa às vacinas até agora.

As apostas são particularmente altas, porque o país do sul da Ásia corre para vacinar 1,3 bilhão de pessoas em vilas e favelas populosas, enquanto enfrenta o segundo maior número de casos do mundo.

“Há muitas perguntas sem resposta por causa da total opacidade” e falhas na prestação de contas, disse Dinesh Thakur, ex-executivo farmacêutico conhecido por expor fraudes na farmacêutica indiana Ranbaxy Laboratories. “Uma coisa é muito clara: eles agora criaram com sucesso um movimento antivacinas significativo na Índia.”

O uso da vacina desenvolvida pela Bharat Biotech, a Covaxin, causou polêmica particularmente porque o governo do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, distribuiu o imunizante juntamente com o produto da AstraZeneca, que completou os ensaios finais.

Sorte e localização determinam qual vacina será administrada a profissionais da linha de frente na Índia, e muitos temem acabar recebendo um imunizante que ainda não foi totalmente examinado.

“Eles os obrigaram a tomar a Covaxin”, disse Dayanand Sagar, presidente de uma associação de médicos residentes em Bangalore que representa 5 mil profissionais médicos em no estado de Karnataka. “Os profissionais de saúde devem poder escolher.”

Tanto o governo quanto a Bharat Biotech defenderam a segurança da vacina, e autoridades de saúde foram vacinadas com a Covaxin diante das câmeras. Em entrevista em dezembro, Suchitra Ella, cofundadora da empresa e esposa de Krishna, disse que a farmacêutica agiu “dentro da lei do país”. Um porta-voz da Bharat Biotech e representantes do governo indiano não responderam a pedidos de comentários.

Muitos acreditam que a velocidade da vacina foi impulsionada por forças políticas nacionalistas que pressionam por um imunizante “swadeshi” – ou fabricado localmente -, além das próprias ambições da empresa de estar entre as líderes.

“Ambas as coisas estão alinhadas aqui, a pressão do governo e o impulso competitivo interno da empresa”, disse Prashant Yadav, especialista em cadeia de suprimentos de saúde no Centro para o Desenvolvimento Global, em Washington.

Defensores da vacina destacam uma revisão por pares em estudo publicado na revista médica The Lancet em janeiro, segundo o qual o primeiro teste em humanos com a Covaxin conduzido em 375 pessoas mostrou “resultados de segurança toleráveis e respostas imunológicas reforçadas”.

O debate agora tem potencial de aumentar o ceticismo em relação às vacinas à medida que a farmacêutica assina contratos de fornecimento global.

A Bharat Biotech fechou um acordo para enviar a Covaxin ao Brasil e trabalha com uma empresa para aprovação nos Estados Unidos. Qualquer que seja o legado final da Covaxin, deixará uma marca indelével na reputação de Krishna Ella como cientista.

“Tenho 65 anos”, disse em entrevista à Bloomberg TV em dezembro. “Antes de morrer, quero causar algum impacto na saúde pública mundial.”

bloomberg@moneytimes.com.br