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Rodolfo Amstalden: Por que a morte nos mata tanto?

19 nov 2020, 12:21 - atualizado em 19 nov 2020, 12:21
Rodolfo Amstalden
“Somos todos despreparados para encarar a morte”, diz o colunista (Imagem: Murilo Constantino/Empiricus)

Tenho sangrado demais,

tenho chorado pra cachorro.

Ano passado eu morri,

mas esse ano eu não morro.

— Belchior

A morte talvez incomode por ser o fim de uma vida que, a despeito dos altos e baixos, teima em ser feliz.

Ou por ocultar uma incerteza absoluta. How to die in a world we don’t understand?

Se não existe “antes de mais nada”, será que pode existir “depois de mais tudo”?

Eu sempre tive conversas profundas com o Felipe sobre a morte. Tive a sorte de, ainda em vida, encontrar um amigo com o qual posso conversar filosoficamente sobre a morte. Essas pessoas são raríssimas, deveriam ser proibidas de morrer.

Como se dão tais conversas? Não são nada tétricas; são mais como explorações intelectuais genuínas, sem vencedor ou perdedor. Aprendemos bastante ao nos ajoelharmos para rezar no túmulo do outro.

Em linhas gerais, eu sou um sujeito que se preocupa pouco com a hipótese de morrer, não é algo que me incomoda tanto assim. É claro que eu prefiro estar vivo, mas meu mundo não vai acabar (?) quando a morte chegar.

Já o Felipe é o oposto. Fica extremamente incomodado só em ouvir falar do fim. Desconfio que isso tenha a ver inclusive com a sua insônia. Dormir é uma grande perda de tempo para quem um dia vai morrer.

No entanto, a despeito desses extremos aparentemente antagônicos, ambos concordamos com um aspecto vital: somos todos despreparados para encarar a morte. Crianças brincando no tabuleiros dos Deuses.

Trata-se de um erro ontológico. Desde a origem, fomos educados de modo a perceber a morte como algo único e definitivo — mas não é como ela se manifesta ao longo da vida.

Tenho hoje 37 anos e já morri algumas vezes. Mesma coisa com o Felipe. Tenho certeza de que já aconteceu com você também.

Ao percebermos a Morte estritamente como algo final, com “M” maiúsculo, perdemos a capacidade de encará-la de frente quando ela aparece no meio do caminho, inúmeras vezes.

Somos atropelados pelo Minotauro enquanto estávamos ainda alongando a panturrilha antes de entrar no labirinto, quando deveríamos estar já de escudo e espada em riste.

Mas tudo bem, o despreparo não é um problema. Morrer no meio do corredor não é um problema, desde que você saiba, de antemão, que vai morrer várias vezes. Aquela foi só mais uma vez. Cost of being in the business of life.

Temos que ficar calejados em relação ao juízo final, trazer a valor presente esse extenso fluxo de sangue intertemporal.

Cada drawdown do mercado é uma morte, e um tipo diferente de morte. Se acontece de você cair em um drawdown, aprenda a morrer com dignidade. Não chore, não fique se lamentando; logo passa. 

Na verdade, nem dá tempo de se lamentar. Daqui a pouquinho, já vem outro drawdown por aí. E você vai querer estar de pé quando a próxima onda vier para te derrubar.

Sócio-fundador da Empiricus
Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.
Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.
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