Economia

Roubini: fé na tecnologia do blockchain é tão exagerada quanto no Bitcoin

22 out 2018, 9:54 - atualizado em 22 out 2018, 10:09

Por Arena do Pavini – Agora que o Bitcoin perdeu espaço e se mostrou uma enorme bolha, o mercado se apega à tecnologia por trás da moeda virtual, o blockchain. Mas mesmo essa tecnologia está sendo supervalorizada e não trará os benefícios prometidos, alerta o economista Noriel Roubini, professor da New York University e um crítico contumaz da moeda virtual. Em artigo publicado no portal Project Syndicate, ele questiona vários pontos do uso da tecnologia que promete revolucionar os mercados financeiros e os negócios.

Segundo Roubini, mesmo depois de uma correção acentuada no início deste ano, o preço do Bitcoin e outras criptomoedas permaneceram insustentavelmente altos, e os “tecno-libertários” continuaram a insistir que as tecnologias blockchain revolucionariam o modo como os negócios são feitos. “Na verdade, o blockchain pode ser apenas a tecnologia mais exagerada de todos os tempos”, alerta o economista.

Sai Bitcoin, entra blockchain

Para Roubini, as previsões de que o Bitcoin e outras criptomoedas falharão provocam como reação uma defesa mais ampla da tecnologia por trás da moeda, o blockchain, sistema de códigos que garante a identidade da pessoa que faz a transação na internet, como um tolken. “Sim, o argumento resiste, mesmo que mais da metade de todas as “ofertas iniciais de moedas” até hoje tenham falhado e que a maioria das 1.500 criptomoedas também falhará, mas o “blockchain” irá, no entanto, revolucionar as finanças e as interações humanas em geral”, ironiza o economista.

“Na realidade, blockchain é uma das tecnologias mais exageradas já vistas”, defende o economista. “Para começar, os blockchains são menos eficientes do que os bancos de dados existentes”, afirma. Quando alguém diz que está executando algo “em um blockchain”, o que normalmente quer dizer é que estão executando uma instância de um aplicativo de software que é replicado em muitos outros dispositivos.

Descentraliação cria dificuldades e custos

Por essa descentralização, o espaço de armazenamento e o poder computacional necessários são substancialmente maiores e a latência é maior do que no caso de um aplicativo centralizado, afirma Roubini. Os blockchains que incorporam tecnologias de “proof-of-stake” (“prova de participação”) ou “zero-knowledge” (“conhecimento zero”) exigem que todas as transações sejam verificadas criptograficamente, o que as atrasa. Os blockchains que usam a “proof-of-work” (“prova de trabalho”), como muitas criptomoedas populares, levantam outro problema: eles exigem uma quantidade enorme de energia bruta para protegê-los. “Isso explica por que as operações de ‘mineração’ de Bitcoin na Islândia estão a caminho de consumir mais energia este ano do que todas as famílias da Islândia combinadas”, chama a atenção Roubini.

Para ele, os blockchains podem fazer sentido nos casos em que a relação velocidade/verificabilidade vale realmente a pena, mas raramente é assim que a tecnologia é difundida. As propostas de investimento em blockchains rotineiramente fazem promessas loucas de derrubar indústrias inteiras, como a computação em nuvem, sem reconhecer as limitações óbvias da tecnologia, alerta.

Blockchain e o computador universal

Roubini questiona também os esquemas que se baseiam na afirmação de que blockchains são um “computador mundial” universal e distribuído. Essa afirmação, diz, pressupõe que os bancos, que já usam sistemas eficientes para processar milhões de transações por dia, têm motivos para migrar para um ritmo significativamente mais lento e menos eficiente de uma criptomoeda única. “Isso contradiz tudo o que sabemos sobre o uso de software pelo setor financeiro”, avalia. Instituições financeiras, particularmente aquelas envolvidas em negociações algorítmicas, precisam de processamento de transações rápido e eficiente. Para seus propósitos, um único blockchain globalmente distribuído como o Ethereum nunca seria útil.

Novo protocolo para a Internet

Outra suposição falsa, afirma Roubini, é que o blockchain representa algo semelhante a um novo protocolo universal, como o TCP-IP ou o HTML, para a Internet. Tais alegações implicam que este ou aquele blockchain servirá de base para a maioria das transações e comunicações do mundo no futuro. “Novamente, isso faz pouco sentido quando se considera como blockchains realmente funcionam”, afirma Roubini, que lembra que os blockchains dependem de protocolos como o TCP-IP, por isso não está claro como eles serviriam como substitutos.
Além disso, ao contrário dos protocolos básicos, os blockchains são “stateful”, ou acumulativos, significando que eles armazenam todas as comunicações válidas que já foram enviadas a eles, explica Roubini. Como resultado, blockchains bem desenhados precisam considerar as limitações do hardware de seus usuários e evitar spams. Isso explica porque o Bitcoin Core, o cliente de software Bitcoin, processa apenas de 5 a 7 transações por segundo, em comparação com a Visa, que processa de maneira confiável 25.000 transações por segundo.

“Assim como não podemos registrar todas as transações do mundo em um único banco de dados centralizado, nem o faremos em um único banco de dados distribuído. De fato, o problema de ampliar a escala de uso do blockchain ainda está mais ou menos sem solução, e é provável que permaneça assim por um longo tempo”, afirma.

Embora possamos ter certeza de que o blockchain não destituirá o TCP-IP, um componente blockchain específico – como as linguagens de contratos inteligentes Tezos ou Ethereum – poderia definir um padrão para aplicativos específicos, assim como o Enterprise Linux e Windows para sistemas operacionais de PC. . Mas apostar em uma determinada “moeda”, como muitos investidores atualmente são, não é a mesma coisa que apostar na adoção de um “protocolo” maior. Dado o que sabemos sobre como o software de código aberto é usado, há poucas razões para pensar que o valor para empresas de aplicações específicas de blockchain irá capitalizar diretamente em apenas uma ou algumas moedas.

Fim dos intermediários

Uma terceira alegação falsa, afirma Roubini, diz respeito à utopia de que a blockchain supostamente eliminará a necessidade de intermediários financeiros ou instituições confiáveis. “Isso é absurdo por uma simples razão: todo contrato financeiro existente hoje pode ser modificado ou deliberadamente violado pelas partes participantes”, diz o economista. Automatizar essas possibilidades com termos rígidos sem um garantidor ou contraparte é comercialmente inviável, até porque exigiria que todos os acordos financeiros fossem garantidos em dinheiro, a 100%, o que é uma loucura do ponto de vista de custo de capital.

“Além disso, muitas aplicações apropriadas de blockchain em finanças – como na securitização ou no monitoramento da cadeia de suprimento – exigirão, afinal, intermediários, porque inevitavelmente haverá circunstâncias em que emergem contingências imprevistas, exigindo o exercício da discricionariedade”, lembra o economista. A coisa mais importante que o blockchain fará em tal situação é garantir que todas as partes de uma transação estejam de acordo umas com as outras sobre seu status e suas obrigações.

Fim da moda do dinossauro lento

Para Roubini, é hora de acabar com o modismo. “O Bitcoin é um dinossauro lento, ineficiente em termos de energia, que nunca poderá processar transações com rapidez ou baixo custo como uma planilha do Excel”, conclui o economista. Segundo ele, os planos dos responsáveis pela moeda Ethereum de criar um sistema de autenticação de prova de risco menos seguro irão torná-lo vulnerável à manipulação. E a tecnologia da Ripple para transferências financeiras interbancárias transfronteiriças em breve será deixada na poeira pelo SWIFT, um consórcio sem blockchain que todas as principais instituições financeiras do mundo já usam, acredita Roubini. Da mesma forma, sistemas centralizados de pagamento eletrônico com quase nenhum custo de transação – Pagamentos mais rápidos, AliPay, WeChat Pay, Venmo, Paypal e Square – já estão sendo usados ​​por bilhões de pessoas em todo o mundo.

Possível uso dos blockchains

Ele compara a “mania da moeda” digital de hoje às bolhas do passado, afirmando que ela não é diferente da mania ferroviária no alvorecer da Revolução Industrial em meados do século XIX. Por si só, blockchain é dificilmente revolucionário. “Em conjunto com a automação remota e segura de processos financeiros e mecânicos, no entanto, ela pode ter implicações potencialmente de longo alcance”, admite Roubini.

Para ele, em última análise, os usos do blockchain serão limitados a aplicativos específicos, bem definidos e complexos, que exigem mais transparência e resistência à adulteração do que a velocidade – por exemplo, comunicação com carros autônomos ou drones. “Quanto à maioria das moedas, elas são pouco diferentes das ações da ferrovia na década de 1840, que explodiram quando a bolha – como a maioria das bolhas – estourou”.

Compartilhar

pavini@moneytimes.com.br