Coluna do Beto Assad

Selic em queda antes do previsto? Chegou a tão esperada crise dos juros altos

17 mar 2023, 13:38 - atualizado em 17 mar 2023, 13:39
Tesouro Direto
Selic em queda antes do previsto: Banco Central do Brasil se em sinuca de pico, com efeitos dos juros altos batendo à porta. (Imagem: Beto Nociti/Banco Central)

Não existe almoço grátis”. Se tem um bordão que tem tudo a ver com o mercado financeiro é este. Então, seria o momento de vermos a taxa Selic em queda antes do previsto aqui no Brasil?

Quando levamos isso para a situação da economia dos EUA, parece que muita gente resolveu acreditar que, de vez em quando, dá pra rolar sim um bom almoço sem custo algum.

Não era raro ver, até a semana passada, muita gente falando no famoso “pouso suave” para a maior economia do planeta. Ou seja, pessoas e instituições acreditando que a inflação será controlada sem grandes sustos para o setor produtivo e de consumo na terra do Tio Sam.

Mas os últimos dias deram os primeiros sinais mais concretos de que juros altos pesam, e muito, na economia de um país.

Selic de olho nos EUA

A saga da última semana começou com a sabatina de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (o Banco Central norte-americano), ao senado dos Estados Unidos.

Num cenário onde a inflação continua alta, Powell foi claro ao afirmar que a entidade está preparada para aumentar o ritmo de alta nos juros, levando em conta os dados sobre atividade econômica e inflação.

Ele foi direto ao ponto, ao dizer que os últimos dados econômicos chegaram mais fortes do que o esperado, sugerindo um nível mais alto nos juros do que era previsto anteriormente.

Na quarta-feira, dia 08 de março, foi divulgado o Relatório Nacional de Empregos da ADP, que mostra a variação de empregos no setor privado. Enquanto a previsão era da criação de 200 mil vagas de trabalho em fevereiro, o relatório apontou um número mais alto, de 242 mil novos postos de trabalho.

Já na sexta-feira, dia 10, foi divulgado o Payroll, relatório mais amplo de emprego dos EUA que exclui apenas as vagas do setor agrícola. E assim como o ADP, os dados de criação de vagas em fevereiro também vieram acima das expetativas.

O consenso Refinitiv esperava a criação de 205 mil vagas fora do setor agrícola, mas o número foi de 311 mil novos postos, com a taxa de desemprego ficando em 3,6% no mês.

Apesar do número mostrar uma queda em relação a janeiro, quando foram criadas mais de 500 mil novas vagas que surpreenderam os analistas, o mercado de trabalho norte-americano continua extremamente aquecido, o que fortalece a posição de Fed em aumentar o ritmo de alta nos juros.

Bancos vão à falência

Toda essa ideia estava muito clara para gestores e investidores, até que dois bancos norte-americanos quebraram entre sexta-feira e domingo. O primeiro deles foi o Silicon Valley Bank, ou SVB, seguido pelo e Signature Bank.

No caso do SVB, foi a maior falência de uma instituição financeira nos Estados Unidos desde a crise de 2008. Ele era um banco fundado em 1983, conhecido por financiar startups. E a atual política de juros do Fed “ajudou” neste processo de falência.

O banco informou na 4ª feira, dia 8 de março, que liquidou, no primeiro trimestre, US$ 21 bilhões em títulos com um prejuízo de quase R$ US$ 2 bilhões. Não bastasse isso, também informou sobre o seu plano de vender US$ 1,7 bilhão em ações para melhorar o caixa da instituição.

A notícia acabou causando uma corrida dos clientes para sacar o dinheiro do banco.

Para piorar a situação da instituição financeira, parte do valor sacado estava investido em outros ativos de menor liquidez.

Assim, o banco não conseguiu atender a todos os pedidos de saque, causando uma intervenção de órgãos reguladores do mercado financeiro.

O FDIC, uma espécie de Fundo Garantidor de Crédito dos EUA, passou a gerir o banco na sexta, declarando sua falência no mesmo dia.

Basicamente, a razão que levou a instituição à bancarrota foi a alta de juros nos EUA, já que o banco possuía títulos do governo mais antigos, com uma rentabilidade bem inferior ao que está sendo praticado atualmente.

Quando colocamos ainda na balança que os juros altos tiram o incentivo das empresas buscarem financiamento, a situação do banco se tornou insustentável.

Mas, como dizem os pessimistas, nada é tão ruim que não possa piorar.

No domingo, com medo de que a falência do SVB causasse um risco sistêmico afetando outras instituições financeiras, reguladores americanos resolveram fechar o Signature Bank, num movimento similar ao SVB.

Os gestores do banco disseram terem sido pegos de surpresa, já que souberam da decisão dos órgãos reguladores apenas um pouco antes da notícia sair na mídia.

O resultado foi um temor generalizado se espalhando pelo mercado e trazendo apreensão ao longo do final de semana.

Assim, a semana do mercado se iniciou com bastante volatilidade nos mercados mundiais, justamente pela dúvida sobre o que uma crise no setor financeiro norte-americano poderia causar nos mercados mundiais.

First Bank e Credit Suisse

Para trazer um pouco mais de preocupação no mundo financeiro, eis que aparecem mais dos bancos com problemas, o americano First Republic Bank e o “Credit Suisse”.

Na quarta-feira, dia 15, as ações do banco suíço chegaram a cair 30%, após a gestão afirmar que o principal acionista do grupo se recusou a aportar mais dinheiro para ajudar nos problemas financeiros que se arrastam desde o ano passado.

Além do mais, a instituição afirmou ter encontrado “fragilidades” em sua contabilidade. Isso foi o suficiente para assustar ainda mais os investidores, que já estão preocupados com os péssimos resultados do banco que se arrastam a algum tempo.

Voltando aos EUA, mais um banco se viu em apuros após o caso SVB. O First Republic vinha enfrentando uma grande desvalorização de suas ações, e a instituição já estava avaliando até uma possível venda para sanar seus problemas, segundo a Bloomberg.

Importante chamar a atenção que o banco tinha a terceira maior taxa de depósitos sem seguro entre os bancos americanos, ficando justamente atrás do SVB e do Signature Bank.

Todo esse cenário mais pessimista começou a fazer analistas acreditarem que, ao contrário do que vinha afirmando, o Fed pode não subir a taxa de juros na próxima reunião, a fim de não assustar mais o mercado.

Para ajudar um pouco mais a melhorar o humor dos investidores, houve uma sinalização de socorro tanto ao Credit Suisse quanto ao First Republic.

No caso da instituição dos Alpes, o Banco Central da Suíça garantiu uma linha de crédito de até 50 bilhões de francos suíços como reforço de liquidez.

Já na terra do tio Sam, os chamados bancões se uniram para evitar a falência de mais um banco, prometendo depositar US$ 30 bilhões nas contas do do First Republic Bank.

Estes fatos ajudaram as ações dos bancos e as bolsas mundiais a se recuperaram. O índice Dow Jones, por exemplo, fechou a quinta feira em alta e vai subindo 0,82% na semana, onde se esperava um desempenho bem pior.

Ou seja, o socorro aos bancos e a possibilidade dos juros permanecem estáveis acabaram animando investidores em busca de mais risco.

Mas como fica a Selic no Brasil?

Como falei no começo, em algum momento os juros altos iam cobrar o seu preço na economia. Por aqui, já estamos convivendo com a Selic num patamar elevado a algum tempo, e mesmo assim a inflação continua acima da meta do Banco Central.

Tal fato vem fazendo o governo federal pressionar o BC para rever sua meta de inflação e, possivelmente, antecipar a queda dos juros no país.

Com os fatos dessa semana no exterior, passo a acreditar ainda mais numa queda da Selic já na próxima reunião, já que a narrativa de que os juros estão excessivamente altos por aqui deve ganhar força.

Quanto a uma possível contaminação do setor financeiro nacional com os problemas enfrentados pelos americanos, a crise traz uma desconfiança nos ativos de risco como um todo, e não de maneira focal sobre os bancos.

O sistema bancário brasileiro é um dos mais avançados do mundo, fruto de uma experiência de muitos anos de inflação alta e um forte controle do Banco Central. Isso traz uma maior segurança sobre o controle de liquidez dos bancos nacionais.

Além do mais, as principais fintechs nacionais se apressaram em dizer que não serão afetadas pela quebra dos bancos americanos. Já algumas startups possuíam uma quantia aproximada de US$ 10 milhões no SVB, segundo a Bloomberg.

As empresas puderam sacar os US$ 250 mil garantidos pelo FDIC, e o pagamento do restante deverá demorar algumas semanas, com risco de perda de até 20% do capital total.

Resta agora acompanhar os desdobramentos, tanto lá fora quanto aqui no Brasil. Além do mais, seguimos de olho no novo arcabouço fiscal, que deve ser apresentado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até o final mês.

É muita coisa para o investidor “digerir” em tão pouco tempo.

Analista e consultor financeiro no Kinvo
Beto Assad é analista de ações e consultor financeiro para o Kinvo, aplicativo que consolida investimentos de bancos e corretoras em um só lugar. Formado em Administração pela EAESP/FGV em 2004. Fez estágio na BM&F e tornou-se empreendedor antes de voltar ao mercado financeiro em 2009, trabalhando na Leandro&Stormer. Trabalhou posteriormente na Futura Invest, onde conheceu os sócios que criaram o Kinvo. Hoje, atua como analista de ações (CNPI-T) e é consultor de mercado financeiro.
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Beto Assad é analista de ações e consultor financeiro para o Kinvo, aplicativo que consolida investimentos de bancos e corretoras em um só lugar. Formado em Administração pela EAESP/FGV em 2004. Fez estágio na BM&F e tornou-se empreendedor antes de voltar ao mercado financeiro em 2009, trabalhando na Leandro&Stormer. Trabalhou posteriormente na Futura Invest, onde conheceu os sócios que criaram o Kinvo. Hoje, atua como analista de ações (CNPI-T) e é consultor de mercado financeiro.
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