Selic restritiva já pressiona a economia e desaceleração do PIB deve continuar, diz economista do Santander

A Selic em patamar elevado já começa a bater na atividade econômica e deve ajudar na desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos trimestres, avalia economista do Santander, Gabriel Couto.
Segundo ele, setores mais sensíveis a crédito, como indústria de transformação, construção civil e serviços, já apresentam sinais de impacto, refletindo o efeito da política monetária restritiva sobre a economia.
A atividade brasileira cresceu 0,4% no segundo trimestre de 2025 (2T25), uma desaceleração frente ao avanço de 1,4% nos três primeiros meses do ano.
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Os setores de serviços (0,6%) e indústria (0,5%) compensaram a variação negativa da agropecuária (-0,1%). O consumo das famílias avançou 0,5%, mas o recuo do consumo do governo (-0,6%) e a queda dos investimentos (-2,2%) pressionaram o ritmo da atividade.
Para Couto, o fim do impulso sazonal da agropecuária é o principal fator que explica a desaceleração do PIB. “No primeiro trimestre, houve um impulso grande vindo da safra de grãos, da própria sazonalidade do agro. Daqui para frente, entre o segundo e o quarto trimestre, não teremos mais esse impulso”, disse em entrevista ao Money Times.
O economista lembra ainda que, apesar da desaceleração, o impulso fiscal recente ajuda a manter algum crescimento, mas não é suficiente para contrabalançar completamente os efeitos da Selic alta.
Para o terceiro trimestre, o Santander projeta crescimento de 0,4%, repetindo o desempenho do 2T25. Já no quarto trimestre, a atividade deve perder força, podendo ficar próxima de 0%, levando o crescimento anual de 2025 a 2%.
Leia a entrevista com o economista do Santander
Money Times: O que levou o PIB a desacelerar no segundo trimestre deste ano?
Gabriel Couto: O mais óbvio e direto, quando comparamos o primeiro trimestre com o segundo, é o fim da influência da agropecuária.
No primeiro trimestre, houve um impulso grande vindo da safra de grãos, da própria sazonalidade do agro. Daqui apra frente, entre o segundo e o quarto trimestre, não teremos mais esse impulso. Pelo contrário, a tendência é de variações negativas na agropecuária.
Além disso, olhando para a parte mais cíclica do PIB, como indústria de transformação, construção civil e até o consumo das famílias, vemos cada vez mais os efeitos da política monetária restritiva. Esses segmentos cíclicos estão começando a sofrer mais, o que também explica a desaceleração do PIB.
Money Times: A política monetária restritiva deve continuar fazendo efeito até o final do ano?
Couto: Eu acredito que sim, porque a política monetária tem defasagens. O que o Banco Central fez entre o fim do ano passado e o início deste ano começa a aparecer agora em alguns dados de atividade. Isso deve continuar à frente, mesmo com o ciclo de alta já interrompido.
Os setores mais sensíveis a crédito devem sentir mais os efeitos da política monetária. Então, além da indústria de transformação, que já sofre bastante, a construção civil também deve continuar pressionada, ainda que tenha mostrado resiliência nos últimos anos.
Nos serviços, a desaceleração do consumo das famílias pode se refletir em perda de fôlego, tanto nos serviços voltados às famílias quanto às empresas. Ou seja, há reflexos cruzados entre indústria, serviços e consumo. Mas, ao mesmo tempo, há forças contrárias com o impulso fiscal recente.
Money Times: O resultado do PIB no 2T25 ajuda o Banco Central na decisão de juros?
Couto: Acreditamos que não trouxe surpresas relevantes. Foi uma desaceleração esperada, sem mudanças na percepção de atividade. Esse dado reforça o cenário atual de manutenção da taxa de juros por um período prolongado.
Em nosso cenário, a Selic deve permanecer estável até o fim do ano, com início do afrouxamento apenas em 2026.
Money Times: Quando o BC deve iniciar o afrouxamento monetário?
Couto: Consideramos a primeira reunião de 2026, mas admitimos que pode ter algum deslocamento para frente.
Começaria com um corte de 0,50 ponto percentual. O cenário é de quatro cortes seguidos de 0,50, levando a Selic de para 13% ao fim do ano.
Money Times: Há riscos de eventuais surpresas que podem jogar o PIB para cima?
Couto: A política fiscal, principalmente no terceiro trimestre, pode mitigar um pouco os efeitos mais contracionistas.
Outro risco positivo — o principal — é o mercado de trabalho, que segue robusto. Não vemos sinais de arrefecimento imediato nem de aumento rápido da taxa de desemprego. Isso pode gerar impulsos adicionais para o PIB.
No entanto, na nossa avaliação, a política monetária e as condições de crédito devem pesar mais adiante, e em algum momento o mercado de trabalho também tende a sentir.
Money Times: A desaceleração da economia deve continuar nos próximos trimestres?
Couto: Sim. Para o terceiro trimestre, trabalhamos com crescimento de 0,4%, repetindo o resultado do segundo trimestre porque o impulso fiscal mantém o crescimento.
Já no quarto trimestre, estamos com um número ao redor de 0%. Provavelmente, pode ser um pouco negativo, talvez -0,1%. Com a ausência desse impulso fiscal, os efeitos acumulados da política monetária devem pesar mais, levando a uma atividade mais fraca.
Para o ano de 2025, estamos trabalhando com 2% de crescimento.
Money Times: Qual é a projeção para 2026?
Couto: Projetamos crescimento de 1,5%. Curiosamente, o crescimento médio trimestral pode ser até maior do que em 2025, mas o carregamento estatístico será menor, o que limita o resultado anual.
Além disso, consideramos início de afrouxamento monetário já no começo de 2026, o que deve ajudar no segundo semestre.
Ainda assim, o resultado cheio do ano tende a ser menor do que em 2025.
Money Times: E quanto ao fiscal em 2026, vocês veem risco maior?
Couto: O principal ponto no radar é a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Isso aumenta a renda disponível logo no início do ano e pode impulsionar o consumo. Já incorporamos esse efeito nas nossas projeções, mas é um risco fiscal relevante para a atividade.