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Vítor Oliveira: Ameaça às instituições, bolsonarismo desorganiza economia e atrapalha desenvolvimento

25 maio 2020, 18:11 - atualizado em 25 maio 2020, 18:29
Jair Bolsonaro Manifestação Protesto
“Em vez de direcionar e auxiliar a racionalização do combate à pandemia, Bolsonaro preferiu defender a criação de milícias armadas” (Imagem: Reuters/Adriano Machado)

Passamos do ponto de avaliar se a postura e as posições do presidente Jair Bolsonaro, seus ministros e apoiadores são compatíveis com o cargo. Não são; algo que a pandemia de covid-19 e o vídeo da reunião ministerial de 22/04 apenas escancararam para o mundo todo, prejudicando sobremodo a perspectiva de retomada da economia brasileira.

Não bastasse ter atrapalhado a agenda de reformas em 2019, o atual presidente mobiliza, aquiesce e apoia manifestações cuja pauta inclui o fim da ordem democrática, com a submissão de todos os poderes ao eleito para o Executivo, como se sua legitimidade fosse maior que a dos outros poderes, fruto de uma escolha divina – algo digno do debate político do século XVI.

É nesse contexto que se corrói a segurança jurídica para qualquer investidor não anestesiado pelo anti-petismo, bem como se desestabilizam as instituições políticas necessárias para assegurar o desenvolvimento econômico no longo prazo, pois a garantia de nossas liberdades vem da contenção do poder, não de sua concentração, dentro do arcabouço constitucional.

COVID-19

Em vez de direcionar e auxiliar a racionalização do combate à pandemia, Bolsonaro preferiu defender a criação de milícias armadas para desrespeitar as decisões legítimas de governos estaduais e municipais, deixando claro seu antagonismo com todo o mundo democrático.

Os países mais efetivos nas ações de isolamento social, testagem e prevenção, como a Alemanha, já começam a emergir da crise com um vislumbre da retomada de atividades econômicas, culturais e sociais. Até o futebol profissional voltou.

“Sem as instituições, ficamos à mercê do mundo em que o presidente torce as leis e demite servidores” (Imagem: Money Times/Gustavo Kahil)

A desorganização econômica resultante de uma má gestão da crise gerada pela Covid-19 não apenas escancara as diversas desigualdades que há tempos temos negligenciado, como também deixa marcas profundas na economia.

Os setores mais afetados com a paralisação da atividade econômica possuem, em geral, empresas com um menor capital de giro, trabalhadores menos qualificados e que dispõem de uma menor poupança acumulada.

Adicione o fato de que metade da força de trabalho antes da depressão econômica já estava no setor informal (que em outros tempos servia para amortecer recessões, nesta, amplifica) ou desempregada, considere que o peso das atividades em casa em tempos de home office não é dividido igualmente, e podemos perceber que o populismo nos conduz para diversos destinos catastróficos. O que aconteceu na Venezuela (que é desumano) é apenas uma das diversas possibilidades.

Aos amigos, tudo

Se o dinheiro não possui religião ou ideologia, ele definitivamente é avesso a risco e instabilidade. E o clima constante de desafio às instituições democráticas não sinaliza a nenhum agente econômico externo ou distante do poder que as regras serão respeitadas. E isso custa caro. Instituições que não promovam o direito de propriedade e a igualdade de oportunidades, geralmente estão associadas ao fracasso de economias como a brasileira em sair da chamada armadilha da renda média.

Varejo
“As empresas não investem, não compram, não empregam. O país perde a capacidade de crescer” (Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Sem as instituições, ficamos à mercê do mundo em que o presidente torce as leis e demite servidores que não auxiliem seus amigos, além de interferir no principal órgão investigativo do País para proteger sua família.

Se as regras do jogo não promovem o que Luigi Zingales denominou de “um capitalismo para o povo”, grupos de interesse se apropriam de renda gerada às custas dos perdedores do jogo econômico e as pessoas passam a não confiar mais nas regras do jogo. Não investem, não compram, não empregam. O país perde a capacidade de crescer.

Armas e chavismo

Não podemos normalizar o argumento chavista vociferado por Bolsonaro, ainda que em roupagem libertária, de que armar o “povo” evitaria uma ditadura, num mundo em que todo país civilizado se caracteriza pelo monopólio do uso legítimo da violência pelo Estado de Direito, sujeito ao império racional das leis.

Dias Toffoli STF Jair Bolsonaro
“Prender os ministros do STF ou congressistas opositores, como quer o bolsonarismo, se parece mais com um roteiro da história venezuelana” (Imagem: Flickr/Palácio do Planalto)

E esse é um argumento weberiano, não marxista – antes que nos chamem de comunistas -, embora a cartilha do chanceler Ernesto Araújo sugira que todos os liberais sejamos comunistas, pelo simples fato de não compartilharmos da visão olavista do mundo. Paciência.

Em que pese ser razoável debater a posse de armas para cidadãos, armar massivamente a população para enfrentar governadores, bem como prender os ministros do STF ou congressistas opositores, como quer o bolsonarismo, se parece mais com um roteiro da história venezuelana do que uma página digna da Nova República. Ainda assim, é nessa armadilha que nos metemos.

A eleição de 2018 acabou. É ilusório acreditar que o bolsonarismo será ignorado pelo mundo simplesmente por haver um ministro com discurso público alinhado a reformas estruturais e austeridade fiscal.

Claramente isolado entre seus pares e pressionado pela recomposição política em curso, qual será o Paulo Guedes capaz de sobreviver ao desenvolvimentismo dos militares e às preferências fiscais expansionistas de partidos como Progressistas, Republicanos e PSD, às vésperas da eleição municipal?

Sua presença é instrumental para evitar o aumento de pressões de curto prazo sobre o Planalto, mas o agravamento das consequências econômicas da pandemia escancara as contradições entre o liberalismo e o bolsonarismo. Com a imagem do Governo arranhada no exterior, como evidencia a proibição da entrada de brasileiros nos EUA, e flertando constantemente com o risco institucional, quais as chances de termos uma retomada impulsionada pela retorno dos investidores estrangeiros?

Esta não é uma avaliação que sugere a um líder político deixar de ter posições fortes – ou até de exercer sua capacidade de mobilização para pressionar o Congresso –, mas sim que há limites claros dentro das normas democráticas. E sem estes limites, não há retórica que nos leve ao desenvolvimento no longo prazo.

Vítor Oliveira é cientista político da Pulso Público

Texto com a colaboração de João Ricardo Costa Filho, Doutor em Economia pela Universidade do Porto, é professor da FGV/SP do Ibmec/SP.

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