Mercosul

Argentina quer acordos fora do Mercosul e se prevenir de problemas da política externa brasileira

06 maio 2020, 12:12 - atualizado em 06 maio 2020, 12:31
Problemas que o Mercosul possa ter na concretização do acordo com a UE, pós-pandemia, pode estar no centro das atenções da Argentina

Amanhã (7) o congresso argentino deverá referendar decisão do governo de negociar separadamente acordos comerciais sem a chancela do Mercosul. E além de abrir um capítulo novo no bloco, acentua a disposição do país em criar saídas mais rápidas para mitigar a sua grave crise econômica e seguir com acordos unilaterais, já em andamento, cuja ampliação poderiam precisar da decisão consensual do bloco.

Mais ainda, se os outros países membros (Brasil, Uruguai e Paraguai) quiserem negociar acordos sem a Argentina, quando usualmente as contrapartidas são aberturas dos mercados, o vizinho estaria protegido.

O segundo mercado Mercosul está em default da dívida externa, teve pedido de renegociação recusado pelos credores há três dias – o que dificulta mais ainda a entrada de investimentos -, e possui uma indústria sucateada. Portanto, se apoia também em protecionismo para tentar salvaguardar as indústrias “enquanto empurra com a barriga a solução da sua crise econômica” e faz uma “aposta no agronegócio e na China”, explica Michel Alaby, CEO da Alaby & Consultores Associados.

Com os chineses, o presidente Alberto Fernández conseguiu acordo para que o fluxo de comércio possa ser em moedas locais, peso e yuan. Mais de 70% das exportações de soja e carnes argentinas vão para a China e o país talvez almeje novas facilidades, que não necessariamente precisariam de consenso do Mercosul, mas que poderiam gerar algum mal estar, lembra o consultor.

Um número maior de frigoríficos argentinos de carne bovina poderia ser liberado – são 40 hoje, número maior que do Brasil -, estabelecimento de cotas mais vantajosas e prêmios para todos os produtos do agro, entre outras opções. A contrapartida seria a maior entrada de investimentos de Pequim na Argentina.

Se for adicionado o mal estar de Pequim com Brasília, não se despreza que o Buenos Aires aguarda alguma retaliação e espera tirar vantagens, desde as críticas diretas e indiretas feitas pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ministro da Educação Abraham Weintraub e até do Itamaraty quanto o possível desenvolvimento e disseminação proposital da covid. A mesma linha adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Há outras frentes nas quais a Argentina possa estar atuando estrategicamente. O acordo Mercosul-União Europeia (UE), que voltará a ser discutido quando a crise global resultado da covid-19 passar.

Apesar de que o país não possa sair mais da negociação, não se descarta que Fernández esteja prevendo maiores dificuldades para a sua conclusão final com a indigestão que o Brasil está gerando com aquele bloco. Agora com as duras críticas europeias sobre o modo do governo Bolsonaro lidar com o controle da pandemia, ampliando uma crise de confiança que começou o ano passado com as políticas ambientais.

Menos globalização

O consultor em comércio exterior e especialista em Mercosul, um dos primeiros a acompanhar de perto as negociações que formataram a União Aduaneira, não endossa diretamente, porém, a tese de que a UE vá abandonar o acordo por causa do Brasil e por isso a Argentina estaria se preparando para negociar bilateralmente.

Mas não se descarta essa possibilidade. Afinal, admite Alaby, o comércio global pós-pandemia não será tão mais livre como se desejava. Modelos de protecionismo e comércio mais administrados serão advogados pelas nações, incluindo as desenvolvidas.

O novo capítulo iniciado com a decisão do presidente Alberto Fernández igualmente é político, ao romper decisão de protocolos e resoluções firmadas desde o embrião do Mercosul, em 1999. E foi comunicada em reunião do bloco no último dia 24, no Paraguai, sem nenhum aviso prévio aos membros, independentemente de questões jurídicas que precisariam de adaptações para não gerarem problemas internacionais.

Além de ser uma guinada nas políticas consideradas esquerdistas argentinas, da qual o governo emergiu do kirchnerismo, sempre defensora de soluções de comum acordo, a decisão se antecipa ao Brasil. O ministro da Economia Paulo Guedes nunca escondeu querer mais liberdade para o País em negociações internacionais, sem falar que farpas trocadas pelo presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ernesto Araújo com o vizinho pós-governo Macri sempre foram adicionadas de ameaças do Brasil de deixar o bloco.

“Logo, se Brasil, Uruguai e Paraguai realmente desejarem revisar a Tarifa Externa Comum (TEC), imposta aos produtos de fora do bloco, como têm demonstrado, essa é uma boa oportunidade”, explica Michel Alaby, consultor do Programa das Nações Unidas para Países em Desenvolvimento (ONU/PNUD), em assuntos de countertrade,  consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e membro do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.

Portanto, não cria uma nova frente de indisposição com o Brasil, por exemplo, se aprovada pelos parlamentares, mesmo porque a medida não afasta a Argentina do Mercosul, complementa o consultor.

Vale lembrar ainda que o cenário criado – e se for conduzido oficialmente assim pelos parlamentares argentinos – não interessa a Brasil e Argentina que prejudique as relações comerciais entre ambos.

A Argentina passou para a quarta posição entre os principais destinos das exportações brasileiras, mas é o primeiro mercado para os produtos manufaturados.

E o Brasil é o principal destino das exportações totais argentinas, com exceção de carnes em geral, soja e milho.

Repórter no Agro Times
Jornalista de muitas redações nacionais e internacionais, sempre em economia, após um improvável debut em ‘cultura e variedades’, no final dos anos de 1970, está estacionado no agronegócio há certo tempo e, no Money Times, desde 2019.
Jornalista de muitas redações nacionais e internacionais, sempre em economia, após um improvável debut em ‘cultura e variedades’, no final dos anos de 1970, está estacionado no agronegócio há certo tempo e, no Money Times, desde 2019.
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