Colunistas

Bruno Mérola: Troque seu coletinho por um quimono de longo prazo

23 jul 2021, 11:47 - atualizado em 23 jul 2021, 11:47
“Comprar a cota de um fundo de ações hoje não tem qualquer impacto em sua valorização amanhã. Logo, não existe o conceito de momentum em fundos” diz o colunista.

Na literatura de alocação de ativos, “momentum” é a tendência que um ativo tem de continuar subindo apenas porque… já vem subindo.

Nos últimos 30 anos, dezenas de estudos acadêmicos e gestores sistemáticos praticantes têm validado a existência de um prêmio por momentum no mercado de ações.

Contrariando o senso comum, seria possível ganhar dinheiro comprando ações que tiveram o melhor desempenho recente e vendendo as que tiveram o pior, assim como são documentados ganhos com os fatores “tamanho” (empresas de menor valor de mercado) e “valor” (empresas baratas por métricas tradicionais de valuation).

Esse resultado tem se mostrado robusto para mais de 200 anos de dados da Bolsa americana e em mais de 40 países. Menos em um.

O Japão — que neste exato momento abre os Jogos Olímpicos de Tóquio em momento cauteloso de avanço da variante Delta da Covid-19 — é a misteriosa exceção à regra.

Por lá, a estratégia de comprar o que está na moda nunca vingou.

É o contrário, aliás: estudos sobre a explicação do retorno de ações japonesas indicam uma tendência maior de reversão à média, com investidores preferindo empresas de valor, baratas demais para o potencial que têm de convergirem para seu “valor justo”.

Há duas hipóteses principais. Cliff Asness, sócio-fundador da gestora AQR, argumenta que o resultado pode ser apenas fruto do acaso e que, dentre décadas de dados e dezenas de países, é provável que o prêmio de momentum não seja significativo em algum país relevante, por acaso o Japão.

Outra explicação segue a linha sociocultural, defendendo uma forte correlação positiva entre o nível de individualismo de uma sociedade e o prêmio de momentum em seu mercado acionário.

O individualismo (que se opõe ao coletivismo) é uma das dimensões culturais definidas pelo psicólogo holandês Geert Hofstede em seus estudos sobre o que diferencia sociedades.

Na prática, em uma sociedade considerada mais coletivista como a japonesa, investidores tenderiam a valorizar mais as informações e opiniões dos outros do que seus próprios julgamentos, demonstrando menores excesso de confiança e viés de atribuição e, por consequência, seriam menos impulsivos ao negociar ações.

E em fundos de investimento?

Com frequência, tenho visto investidores espelharem o mesmo comportamento que têm com ações no mercado de fundos, garimpando bancos e corretoras à procura do vencedor em desempenho dos últimos 12 meses, na esperança de que o gestor esteja em uma “boa fase” e de que esse resultado passado seja garantia de algum retorno futuro — não é.

Há uma diferença crucial aqui. Enquanto o aumento da demanda e do volume de investidores de uma ação — especialmente se de baixa liquidez — pode criar um aumento artificial de preço, justificando a estratégia de momentum, isso não faz sentido para fundos.

Comprar a cota de um fundo de ações hoje não tem qualquer impacto em sua valorização amanhã. Logo, não existe o conceito de momentum em fundos.

O corolário disso é que dúvidas como comprar, manter ou vender um fundo “por causa” de seu desempenho no semestre ou nos últimos 12 meses não deveriam existir. O investidor em fundos deve lutar para não trair sua alma: se a decisão que o levou a investir continua, o dinheiro continua lá.

Para trazer um exemplo, separei todos os fundos de ações do Brasil que existiram nos últimos dez anos e os classifiquei anualmente por desempenho.

A pergunta é: com qual probabilidade um fundo posicionado entre os 20% melhores de um ano também se manteve assim no ano seguinte?

Isso foi verdade em 29% dos casos. Talvez o leitor possa achar o número alto, mas seu complemento é que, em 71% das vezes em que você cogitou selecionar um fundo de ações para os próximos 12 meses com base nos 12 meses anteriores, o resultado teria sido pior.

Na série Os Melhores Fundos de Investimento, o desempenho de curto prazo, aquele que está na moda e que muitos estão usando por aí, não tem espaço.

Se você quer ser faixa-preta em montar uma carteira diversificada para o longo prazo, acredite: vale muito mais a pena vestir o tradicional quimono e cultivar a paciência dos japoneses.

Especialista em Fundos de Investimento, CFA, CFP®, CGA
Engenheiro com especialização em finanças, passou quase cinco anos no Itaú Unibanco. No Itaú Private Bank, fazia recomendações de investimentos para os Ultra High-Net-Worth Individuals (UHNWI) - em bom português: os clientes mais ricos e exigentes do Brasil. Atualmente, é o responsável da Empiricus pela série Os Melhores Fundos de Investimento.
Linkedin Instagram
Engenheiro com especialização em finanças, passou quase cinco anos no Itaú Unibanco. No Itaú Private Bank, fazia recomendações de investimentos para os Ultra High-Net-Worth Individuals (UHNWI) - em bom português: os clientes mais ricos e exigentes do Brasil. Atualmente, é o responsável da Empiricus pela série Os Melhores Fundos de Investimento.
Linkedin Instagram