Thinking outside the box

O dilema do Banco Central: Qual o próximo passo da Selic?

26 abr 2024, 18:39 - atualizado em 26 abr 2024, 18:39
Banco Central greve paralisação 24 horas quinta-feira 11 janeiro 2024 Sinal sindicato funcionários servidores carreiras
Até agora, a inflação tem se mostrado resistente, especialmente com os aumentos observados no início do ano (Imagem: REUTERS/ Adriano Machado)

A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está marcada para os dias 7 e 8 de maio, ocorrendo uma semana após a reunião de política monetária nos Estados Unidos, entre 30 de abril e 1º de maio.

Isso é crucial, pois, a política monetária dos EUA tem um impacto significativo globalmente, e a demora no início da redução dos juros afeta os mercados de risco ao redor do mundo, incluindo o Brasil.

Nos Estados Unidos, espera-se que as taxas de juros permaneçam entre 5,25% e 5,50% até que existam evidências concretas de que a inflação está efetivamente se estabilizando em torno da meta informal de 2%.

Até agora, a inflação tem se mostrado resistente, especialmente com os aumentos observados no início do ano.

A divulgação do índice PCE de março, a medida de inflação preferida pelo Federal Reserve, veio em linha com as expectativas, sugerindo que qualquer alívio na inflação é provável que seja observado nos dados de abril em diante.

Uma inflação mais alta do que o esperado pode adiar o primeiro corte de juros nos EUA para setembro ou, no pior dos casos, para dezembro.

No Brasil, a situação também é complicada. A inflação tem sido persistentemente alta, embora o índice geral de março tenha ficado abaixo das expectativas.

A inflação de serviços, em particular, continua elevada e desafiadora, preocupando o Banco Central do Brasil.

No entanto, houve um alívio com a divulgação do IPCA-15 de abril, que é uma prévia da inflação brasileira. O mercado foi surpreendido por uma desaceleração maior do que a esperada, com o índice subindo apenas 0,16% na comparação mensal.

Dados de inflação mais baixos do que o esperado no momento atual são cruciais para o humor dos investidores, pois quanto menor a inflação, maior o espaço para cortes nos juros.

O índice de difusão segue baixo, o que é compatível com o nível atual da inflação mensal. Os preços livres subiram apenas 0,2%, e a média dos núcleos inflacionários foi de apenas 0,19%. No entanto, os serviços continuam a ser uma preocupação, variando entre aumentos de 0,30% e 0,38%.

Da mesma forma que a inflação mais controlada nos EUA poderia favorecer cortes adicionais nas taxas de juros, aliviando a pressão sobre a curva de juros e beneficiando os ativos de risco, a situação no Brasil poderia seguir um caminho semelhante.

Analisando apenas os dados do IPCA, o Copom tem a possibilidade de reduzir os juros em 50 pontos-base na próxima reunião de 8 de maio, e talvez continuar com o ciclo de cortes de juros por mais algum tempo.

Contudo, isso pode não bastar.

Vamos por partes.

Relembrando os eventos recentes, o Banco Central do Brasil já indicava uma alteração na sua política ao prever um único corte de 50 pontos-base em maio, diferente dos cortes duplos habituais que vinha prevendo ao longo dos últimos meses. Até essa decisão, agora, parece incerta.

Um corte adicional de 50 pontos-base poderia reduzir ainda mais o diferencial de juros entre Brasil e EUA, impactando negativamente o carry-trade, que é a arbitragem de juros entre essas duas economias. Essa arbitragem atrai investidores estrangeiros, mas um ajuste agora poderia prejudicar tanto o real quanto os ativos locais.

Desde o início do ano, houve uma reversão no fluxo de capital estrangeiro que era positivo até então. Este fenômeno acompanhou uma alta nas taxas de juros internacionais, especialmente evidente pelo salto nos rendimentos dos títulos de 10 anos dos EUA de 3,8% para 4,6%.

Isso resultou na saída de capitais, afetando negativamente tanto os investimentos locais quanto a estabilidade da moeda brasileira frente ao dólar.

De fato, a especulação sobre a valorização do dólar em relação ao real atingiu níveis recordes, e a posição líquida comprada em dólar por meio de derivativos por não residentes alcançou a impressionante marca de US$ 70 bilhões. Isso reflete também a atuação de brasileiros por meio de operações offshore.

A força do dólar globalmente é prejudicial para a economia brasileira, pois embora beneficie a balança comercial por meio das exportações, também pode causar maior persistência inflacionária.

Deste modo, uma inflação mais baixa nos EUA nos próximos meses seria vantajosa também para o Banco Central do Brasil, que enfrenta a difícil decisão de manter ou não o ciclo de cortes de juros.

Uma possibilidade seria reduzir o corte para 25 pontos-base já em maio, mas isso comprometeria a política de comunicação do Banco Central sobre a desaceleração dos cortes de juros.

De fato, a possibilidade do Banco Central do Brasil agir contrariamente às suas próprias orientações anteriores poderia afetar sua credibilidade, mas talvez seja inevitável dadas as circunstâncias atuais.

Isso já levou muitos analistas a ajustarem suas previsões para a taxa Selic final, onde um levantamento recente apontou que a expectativa mediana para a taxa de juros ao fim do ciclo subiu para 9,75%, acima dos 9% anteriormente projetados em março e maior que o valor corrente reportado pelo Boletim Focus.

Esses ajustes não necessariamente indicam o fim do ciclo de ajustes monetários, mas talvez o fim de um episódio. Com isso, o Banco Central poderia reduzir o ritmo de cortes, elevando a Selic para 9,75% ou até 10%, e então pausar, avaliando a possibilidade de retomar os cortes de juros mais à frente.

Esse cenário reintroduz a ideia de um duplo ciclo de cortes de juros.

O retorno aos cortes dependeria da queda das taxas de juros nos EUA, para evitar a compressão excessiva do diferencial de juros. Um diferencial muito estreito favorece a valorização do dólar e pode elevar a inflação interna devido ao efeito de pass-through.

Além disso, as recentes incertezas fiscais no Brasil, especialmente com a revisão das metas fiscais a partir de 2025, acendem alertas.

Danos à credibilidade fiscal geralmente impõem altos custos à política monetária, forçando o Banco Central a elevar os juros para captar em condições menos favoráveis, o que dificulta ainda mais a gestão da política monetária.

Nunca fui otimista quanto à gestão fiscal deste governo, e o mercado também mostra ceticismo. Falta um plano claro para guiar o país até 2026, quando novas eleições estão previstas.

Portanto, a combinação de forte inflação, tanto local quanto internacional, atividade econômica intensa e incerteza fiscal significativa, pesa contra a manutenção de um corte de 50 pontos-base nas próximas semanas.

Adicionalmente, o preço do petróleo, potencialmente afetado por conflitos no Leste Europeu e Oriente Médio, pode impactar as expectativas de inflação, embora este seja um cenário menos provável no momento.

Em outras palavras, taxas de juros mais elevadas podem ser necessárias por enquanto. Dependemos de dados adicionais para obter uma visão mais clara da trajetória futura das taxas de juros. Um discurso mais coerente e promissor de Brasília ajudaria certamente a orientar melhor as expectativas.

Recentemente, críticas públicas à gestão política em Brasília indicam um possível movimento em direção a uma retórica mais equilibrada. O presidente Lula solicitou a Haddad e Alckmin que aumentem o dinamismo e a articulação política.

Adicionalmente, o Ministro de Minas e Energia, Silveira, esclareceu que não existe um plano para revisar a capitalização da Eletrobras e destacou que o Conselho da Petrobras considerou as necessidades da Fazenda ao decidir sobre os dividendos.

Esta semana, inclusive, Haddad recebeu boas notícias: além da já mencionada distribuição de dividendos extraordinários pela Petrobras, Lula autorizou a liberação de uma segunda parcela desses dividendos, potencialmente adicionando mais de R$ 6 bilhões ao Tesouro Nacional.

Outra notícia positiva veio do STF, onde o ministro Cristiano Zanin atendeu a um pedido do governo para suspender partes de uma lei que prorrogava a desoneração da folha de pagamentos para municípios e setores específicos até 2027.

Essa decisão temporária será revista em sessão plenária virtual já no dia seguinte, o que, apesar de poder causar atritos com o Senado, facilita as negociações na Câmara dos Deputados.

No contexto legislativo, Arthur Lira, presidente da Câmara, manifestou dúvidas sobre a viabilidade da PEC do quinquênio, antecipando resistências substanciais e questionando sua progressão no Senado devido a preocupações orçamentárias relacionadas à inclusão de várias categorias na proposta.

Isso representa uma pequena vitória para a equipe econômica, que também conseguiu um acordo parcial sobre o Perse, contribuindo para um ambiente legislativo mais estável.

Lira também indicou um esforço para desescalar tensões com Padilha, prometendo uma redução nos conflitos, o que é um sinal positivo, embora ainda insuficiente para mudar completamente o cenário político.

No entanto, a situação fiscal do país permanece frágil, exigindo ações mais decisivas e rápidas. Um alinhamento entre o discurso governamental e melhorias nos indicadores de inflação, tanto no Brasil quanto nos EUA, poderia representar um avanço significativo.

Esse é apenas um dos cenários possíveis e, embora sua realização seja incerta, seria extremamente benéfico para o mercado de ativos de risco. Caso contrário, a conjuntura econômica poderá continuar desafiadora.

Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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