Coluna do Fernando Luiz

Caso Americanas (AMER3): Crédito privado, um risco binário nas carteiras das PFs

20 jan 2023, 15:03 - atualizado em 20 jan 2023, 15:03
Americanas, Recuperação Judicial
“O que mais chama a atenção são as perdas registradas por produtos financeiros voltados para o investidor conservador”, escreve o colunista (Imagem: Iasmin Paiva/Money Times)

O ano começou com uma péssima surpresa a cotistas de centenas de fundos de investimentos: a forte desvalorização do dia para noite.

No mercado, especula-se que mais de mil fundos entre de ações, renda fixa e de investimentos imobiliários, podem ser afetados pela crise das Lojas Americanas (AMER3), que anunciou um problema contábil de R$ 20 bilhões e uma dívida total de mais de R$ 40 bilhões, pegando a muitos de surpresa.

No entanto, o que mais chama a atenção são as perdas registradas por produtos financeiros voltados para o investidor conservador, vendidos como de baixo risco e opção para alocação da reserva de emergência.

Milhares de desavisados, que deixaram seus parcos recursos em fundos assim para começar a poupar, esbravejaram suas perdas nas redes sociais.

Fato: investir em crédito privado é arriscado e nunca deve ser o destino de uma reserva de emergência ou de investidores que não entendem o risco que estão incorrendo.

Um erro muito comum na hora de investir é avaliar o risco apenas pela volatilidade de um ativo como se fosse o único ponto a ser considerado.

De forma simplificada, existem dois tipos de riscos. Um é o matemático calculado em cima do preço do ativo, ou seja, em cima da volatilidade.

Outro é o risco qualitativo que, traduzindo, é aquele que não se define pela volatilidade do preço e sim pelo próprio fundamento.

É o caso do crédito corporativo privado. Se o investidor olhar para a volatilidade, o risco dele é baixo. O problema é que pode acontecer de o empréstimo ter sido feito para a pessoa ou empresa errada, como o que está acontecendo com a Americanas que acaba de entrar em recuperação judicial.

Se não houver condições de o credor honrar com seu compromisso, o investimento tende a valer zero. É um risco preponderantemente binário. Ou seja, qualitativamente, a essência do risco é altíssima.

Justamente por este motivo é que fundos expostos a crédito privado, mesmo que prezem pela diluição do risco, não devem ser usados como opção para a alocação da reserva de emergência.

Afinal, estes recursos têm como finalidade a precaução, de forma que o investidor não precise recorrer a empréstimos nos momentos difíceis, cujas taxas de juros costumam ser muito altas. Por isso, requer conservadorismo e alta liquidez na hora de escolher onde aplicar.

Quando falamos de reserva de emergência é preciso pensar em aliar alta liquidez e capacidade de remuneração com baixo risco de perda.

É aí que entram os fundos chamados “de caixa”. Servem para aquele recurso que ainda não foi alocado definitivamente seja porque está entre períodos de alocação, seja porque o mercado ainda não apresentou boas oportunidades ou até, seja aquele pedaço dos recursos que precisam ficar em liquidez para serem utilizados a qualquer momento.

Tais produtos funcionam tanto para pessoas físicas, quanto para outros fundos alocarem e até empresas.

Estruturalmente, nossa ideia é que deveriam ser fundos multimercados que possuem zero nível de exposição ao risco de crédito privado corporativo, sempre baixa volatilidade de cotas e muita previsibilidade nos retornos, sempre próximos ao CDI.

Para entende-los é preciso olhar a tecnicidade que envolve o produto. Muitas opções de investimento têm sido oferecidas às pessoas físicas não qualificadas como de baixo risco, mas que precisam deixar os investidores alertas.

Nem sempre fundos somente com títulos federais são a melhor opção quando o assunto é alocação de caixa, por causa da volatilidade de cotas.

Ultimamente existem safras de títulos públicos sendo negociadas com 50% de desconto, gerando muita volatilidade; além de fundos ditos DI que aparentemente possuem uma parcela de crédito privado em suas carteiras, através de cotas de FIDCs e CCB´s.

Tesouro Direto também pode apresentar muito mais volatilidade do que os investidores esperam.

Vale aqui relembrar a velha máxima do mercado: “não existe almoço grátis”. Se a perspectiva de ganho é mais elevada, o risco potencial de perda também sobe. Em crédito, os riscos não aparecem claramente como no mercado de ações, onde temos diariamente bolsas cotações e liquidez, mas ele está lá e uma hora pode surgir.

Mas uma coisa é o investidor estar preparado para volatilidade e lida com ela. Outra é quando ele não quer isto, mas ela aparece mesmo assim.

Em 2022, a quantidade de resgates registrados em fundos de ações e fundos multimercados foi gigantesca. E ainda nem falamos do crescimento da inadimplência e endividamento das famílias, que estão nas máximas históricas.

E se essa inadimplência se transformar em crise no mercado de crédito, ou se o caso Americanas virar moda, a quantidade de dinheiro perdido será muito maior.

Sócio fundador e gestor da Trópico Investimentos
Com experiência de mais de 20 anos no mercado financeiro, Fernando Camargo Luiz é sócio fundador e gestor da Trópico Investimentos. É engenheiro formado pelo Mackenzie, com especialização em Value Investing pela Columbia Business School e gestão pela Harvard Business School.
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Com experiência de mais de 20 anos no mercado financeiro, Fernando Camargo Luiz é sócio fundador e gestor da Trópico Investimentos. É engenheiro formado pelo Mackenzie, com especialização em Value Investing pela Columbia Business School e gestão pela Harvard Business School.
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