Exportações

China amplia fornecedores globais e pressionará no futuro seus dependentes atuais, como o Brasil

02 nov 2020, 12:10 - atualizado em 02 nov 2020, 12:20
China Carnes
Apetite chinês vai ser disputado por outros fornecedores ao longo do tempo (Imagem: REUTERS/Fang Nanlin)

A história moderna das importações agropecuárias pela China mostra como o país foi forçado a diversificar suas fontes à medida que o seu desenvolvimento exigia volumes maiores de calorias para alimentar o povo e a criação de animais.

Meio silenciosamente, vai tentando abrir um novo capítulo, agora com estratégia.

Depois de uma guerra comercial infindável com os Estados Unidos – acrescida de disputa por dominância global tecnológica e política que pode beirar até conflito –, da dependência perigosa de poucos mercados e de um ritmo de crescimento econômico longe de esgotar as necessidades da sua classe média que já quase supera 1 bilhão de pessoas, Pequim mede os passos na diversificação das origens de suprimento.

O programa deve demorar, mas a obstinação chinesa o levará a frente, gerando, no futuro, mais países a também dependerem de seu mercado. A questão que se coloca, desde já, é como os países que atualmente precisam da China para comprar seus excedentes – e excedentes desenvolvidos justamente para o destino asiático – vão se virar quando suas margens em volumes e faturamento começarem a ser corroídas pelos novos fornecedores?

O Brasil hoje é um desses fornecedores em minérios de ferro, carnes e soja, principalmente, e os Estados Unidos o é no último item. O diretor-presidente da Marfrig (MRFG3), Miguel Gularte, disse recentemente que “tudo indica que o fenômeno China veio para ficar”, lembrando que a “cada 100 gramas de aumento per capita no consumo são 2 mil toneladas a mais” (de carne bovina), mas certamente outros mercados vão pegar um pedaço disso também.

Acordos comerciais

Recentemente, a China fez um acordo bilionário com o Vietnã para o vizinho incrementar sua produção de suínos, a carne preferia dos chineses que a peste suína africana (PSA) se encarregou de dizimar seu plantel e gerou a corrida para outras proteínas. E foi a base da explosão das importações de carne bovina do Brasil, além das de porco e de aves.

Com a Argentina, o atual governo de Alberto Fernández acelerou vários acordos, inclusive com parte dos negócios bilaterais já sendo conduzidos em yuan, e promessas de investimentos no país. O vizinho brasileiro já era importante fornecedor à China, inclusive em soja, e tende a crescer sob a tutela de Pequim.

Nos últimos dias, a imprensa chinesa deu destaque para os acordos fechados com a Tanzânia, na África Oriental, para a produção de soja. O governo chinês visualiza grande potencial produtivo nesse país, um dos maiores do continente, e vai despejar recursos, como já o faz em nações africana menores e que já garantem partes de suprimentos necessários de café, chá, frutas, carne bovina e até soja, entre os quais Etiópia, Burundi, Namíbia, Burundi, África do Sul, por exemplo.

Aliás, a África é o berço de projetos chineses de toda ordem, incluindo aqueles mais estratégicos para sua indústria, caso de minério de ferro, petróleo e terras raras. A América Latina é o segundo destino, fora da Ásia.

Domesticamente, os chineses também têm programas para fazer crescer a produção de açúcar, soja e proteína animal, especialmente em porcos. O Rabobank estima que em 2025, salvo novo revés com a PSA, o rebanho volte aos níveis do início de 2018, quando a doença se instalou. O crescimento já constante mês a mês em 2020 – 31% em 11 meses -, sobretudo na ponta estratégica de matrizes, ainda que no cômputo de 2020 ainda ficará 17% menor.

China dependência

Em 2019, a China comprou R$ 63,3 bilhões em mercadorias do Brasil, de um total exportado de US$ 224,3 bilhões. No primeiro semestre deste ano, a Secex mostra que os valores foram de US$ 41,2 bilhões, 40% a mais. Disso, 38% foram de commodities agrícolas, onde mais de 60% é soja.

O Brasil deve mandar para lá, em 2020, 82 milhões de tonelada de soja, 13% a mais que em 2019, se igualando ao recorde de 2018, quando o País aproveitou a guerra comercial estabelecida entre Pequim e Washington.

O câmbio favorável foi variável importante este ano.

Em carne bovina, se o Brasil não alcançar as 850 mil toneladas este ano, ficará próximo, com um aumento de 71% sobre 2019 e de 802% sobre 2015, segundo cálculos da consultoria Agrifatto. Foi neste ano que a China continental inaugurou as compras de proteína de boi brasileira.

Para ficarmos apenas nestes dois exemplos, em algum ponto do calendário futuro, com os produtores brasileiros seguindo investindo e apostando naquele destino, o crescimento de outros fornecedores vai criar concorrência. Mesmo que bem menores que a capacidade brasileira – e americana – a soma deles deve fazer os preços caírem.

Não se conhece nenhum outro destino para esses produtos que pudesse compensar.

Ameaça adicional e de prazo mais curto para o Brasil é, enfim, uma resolução mais sólida pondo fim as disputas comerciais entre EUA e a China, eliminando o potencial de retaliação tarifária de até US$ 350 bilhões.

A fase 1 de um acordo, este ano, abrangendo a eliminação de até US$ 120 bilhões em tarifas, avançou pouco – somente a soja americana se beneficiou – depois que o novo coronavírus quebrou as expectativas econômicas e gerou distúrbios políticos com as acusações de Donald Trump sobre a leniência chinesa no combate ao vírus antes que virasse pandemia.

Mas a superação desse conflito, que esboça uma nova Guerra Fria, vai botar de vez os americanos como fortes concorrentes do Brasil em todas as proteínas animais.

E capacidade de investimentos em produção eles têm.

 

 

Repórter no Agro Times
Jornalista de muitas redações nacionais e internacionais, sempre em economia, após um improvável debut em ‘cultura e variedades’, no final dos anos de 1970, está estacionado no agronegócio há certo tempo e, no Money Times, desde 2019.
Jornalista de muitas redações nacionais e internacionais, sempre em economia, após um improvável debut em ‘cultura e variedades’, no final dos anos de 1970, está estacionado no agronegócio há certo tempo e, no Money Times, desde 2019.
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