Coluna do Hsia Hua Sheng

Como fica o comércio Brasil-China com o aumento dos riscos geopolíticos?

29 jan 2024, 16:54 - atualizado em 29 jan 2024, 16:55
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Momento delicado: tensões no Mar Vermelho encarecem frete e aumenta o tempo de embarques da China para o Brasil (Imagem: Xinhua/ Ding Ting)

Em uma pesquisa recente, o banco de investimento Goldman Sachs concluiu que, para seus clientes, o risco geopolítico substituiu o risco de inflação (ou deflação) como a maior incerteza de 2024. Essa revelação é muito interessante, pois o mercado financeiro global esperava que 2024 fosse um bom ano, uma vez que aguardava a queda das taxas de juros nos Estados Unidos e Europa.

Além disso, as principais ameaças relacionadas à inflação ou deflação estão sob controle dos bancos centrais e convergindo para meta. Enquanto isso, os riscos geopolíticos estão bem maiores e longe de ser controlados.

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Em termos financeiros, diferentemente do risco inflacionário, é muito mais difícil determinar a perda máxima de conflitos geopolíticos, diante de sua gravidade. Isto, porque esses riscos geopolíticos não só podem durar muito tempo, mas também têm um poder enorme de impactar rapidamente para outros campos, como o econômico e o social.

Na década de 80, os Estados unidos usaram a guerra comercial e tecnológica contra a crescente ameaça do Japão, pois as indústrias japonesas eram altamente competitivas, produziam mercadorias de elevada qualidade, e suas marcas eram cada vez mais conhecidos no mundo inteiro.

Passados 40 anos, os Estados Unidos repetiram as mesmas fórmulas contra a China, quando a liderança econômica global americana passou a ser ameaçada pela ascensão chinesa. Essa guerra já se estendeu para campo financeiro e, aparentemente, não tem prazo para terminar.

Agora, as guerras entre Rússia e Ucrânia, e entre Israel e Hamas, bem como os conflitos no Mar Vermelho, têm criado mais instabilidade global. Além da possibilidade da ampliação dessas guerras, o mundo também está preocupado com novos potenciais conflitos que podem piorar ainda mais o cenário internacional. Entre os exemplos, estão eventuais conflitos entre Coreia do Norte e Coreia do Sul, entre o governo local de Taiwan e a China, entre Venezuela e Guiana. Tudo isso alimenta o pessimismo sobre as tendências de riscos geopolíticos.

Riscos geopolíticos moldam modelo de gestão financeira das empresas

As empresas têm reformulado sua gestão financeira para sobreviver a esse novo modelo de globalização sob risco geopolítico. As empresas vêm utilizando mais energias renováveis para ganhar autonomia energética, e, assim, depender menos de combustíveis fósseis, cujas maiores reservas estão, justamente, em áreas de grande instabilidade geopolítica.

As companhias também estão descentralizando geograficamente ainda mais suas unidades produtivas e cadeias de suprimento, sacrificando a eficiência econômica e produtiva para evitar riscos políticos.

As empresas também começaram a usar mais moedas alternativas locais para fazer comércio e obter financiamentos internacionais. Um exemplo é o maior uso de Renminbi (Yuan chinês) no comércio bilateral e na concessão de crédito.

O custo de frete marítimo é a mais nova vítima desse risco geopolítico. Por causa do conflito no Mar Vermelho, os preços de frete do Extremo Oriente para a Europa saltaram mais de 70% em poucos dias. Isso também afetou toda malha marítima para outros continentes, se a rota passar pela Europa. Por exemplo, embarques provenientes da Índia ou Paquistão, que passem pela Europa, viram o preço do frete disparar de US$ 1.000 para US$ 3.500.

Qual seria o impacto do transporte marítima na relação entre o Brasil e China?

O custo de frete marítimo impacta significativamente o comércio internacional do Brasil, pois estamos longe dos nossos principais parceiros comerciais. Vamos usar exemplo da importação. Os importadores brasileiros têm duas rotas para trazer os produtos da China. Uma via Europa e outra via África do Sul (Durban).

Antes do conflito no Mar vermelho, a rota pela Europa era a preferida dos importadores, pois o frete era mais barato e o transit time (tempo de viagem marítima entre China e Brasil) era apenas um pouco maior. Por exemplo, o frete de importar um container de 40 pés era de US$ 2.000, via África do Sul com transit time de 30 dias. Esse frete era de US$ 16.00 via Europa, que demorava 40 dias para chegar.

Após o conflito, essa dinâmica mudou. A via pela África do Sul passou a ser preferida das empresas brasileiras, pois o transit time via Europa passou a ser o dobro. Embora ambos os fretes tenham aumentado após o conflito, o frete pela rota europeia continua um pouco mais barato (US$ 2.500, contra US$ 3000 da rota sul-africana), mas o transit time da Europa passou a ser de 70 dias, contra 30 dias da África do Sul.

Portanto, para garantir as margens de lucro, as empresas brasileiras precisam vencer mais este novo desafio: otimizar a gestão dos custos de frete e o transit time. Aumentou a importância de se fazer o planejamento da rota marítima para equilibrar a composição do custo final e administrar o capital de giro, pois o maior ciclo operacional gera mais custos financeiros para operação de outsourcing internacional da empresa.

*As análises e opiniões são de responsabilidade exclusiva do autor e não representam uma visão das instituições das quais o autor pertence.

Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). Ele é economista pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes, com larga experiência profissional em multinacionais e possui várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.
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Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). Ele é economista pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes, com larga experiência profissional em multinacionais e possui várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.
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