Coluna do Guilherme Bier Barcelos

CVM: a complexa relação entre sociedade de assessor de investimentos e corretoras de valores após a Resolução 178

01 jun 2023, 8:30 - atualizado em 01 jun 2023, 8:32
CVM tokenização renda fixa
(Imagem: Reprodução/CVM)

A Resolução nº 178 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entra em vigor nesta quinta-feira (1º). A medida introduz grandes mudanças na profissão dos agentes autônomos. A começar pela modificação no nome desses profissionais, que passará a ser assessor de investimentos.

Como já referido nesta coluna em textos anteriores, a CVM reviu a sistemática que vigorava há quase 20 anos. Com isso, realizou diversas alterações, entre elas, a possibilidade da existência de um sócio-investidor.

O alcance das consequências desse novo regramento nos mercados somente será compreendido com o passar dos anos. Porém, algumas mudanças de comportamento por parte dos agentes econômicos já são perceptíveis, especialmente na relação entre as sociedades de assessores de investimentos e as corretoras de valores.

Como é

Com o advento da nova regulamentação, as corretoras rapidamente reviram seus templates contratuais e, em alguns casos, seu modelo de negócios. Isso explica, por exemplo, o porquê de vários contratos de distribuição de títulos e valores mobiliários (DTVM) conterem cláusulas atribuindo à corretora um direito de preferência para aquisição de equity da sociedade.

Tal modificação pode parecer singela, mas não é. Até a Resolução 178, a relação jurídica das corretoras com as chamadas sociedades de agentes autônomos era exclusivamente contratual ou obrigacional.

Ou seja, havia um contrato de DTVM por meio do qual a sociedade se tornava preposta da corretora por determinado período. Assim, podia ser remunerada pela corretagem gerada pelos clientes atendidos pelos seus sócios.

Além disso, não se desconhece que, com o passar dos anos, o tempo de duração do contrato celebrado pela sociedade com a corretora passou a ser objeto de negociação e de contraprestação. Com isso, quanto maior o tempo, maior a contraprestação paga pela corretora.

De qualquer modo, como o regulador vedava a existência de sócio-investidor, as decisões da sociedade eram prerrogativas de seus sócios. No caso, a corretora era uma parceira contratual.

O que muda?

Agora, a partir de 1º de junho, a relação entre sociedades de assessor de investimento poderá enveredar também para a perspectiva societária. Ou seja, a corretora, além de parceira comercial, poderá se tornar sócia da sociedade de assessor de investimentos.

No entanto, isso tende a dar ensejo a diversos questionamentos. Por exemplo, tome-se o caso em que determinada corretora se torne sócia da sociedade de um assessor de investimentos em 2023, sendo que o fim do contrato de DTVM esteja previsto apenas para 2025.

Assim, ao término do contrato, é possível que os sócios queiram avaliar propostas de corretoras concorrentes para verificar qual oferta é mais vantajosa. Nesse caso, será que um outro player estaria disposto a negociar com a sociedade da qual seu concorrente é sócio?

Prosseguindo nesse caso, se houver divergência entre os sócios e seja necessário deliberar em assembleia com o objetivo de celebrar contrato com outra corretora. Assim, será que o voto da sócia/corretora, em sentido contrário à migração, pode ser tido por inválido em face de eventual conflito de interesse?

CVM pode aperfeiçoar norma

Portanto, como se percebe, os contornos da relação societária sofrerão efeitos diretos da relação contratual entre as partes. E, nesse caso, a recíproca também é verdadeira. Outro aspecto que não pode ser descurado é que assegurar um direito de preferência irrestrito à corretora pode causar impacto nos programas de parceria (partnership) já em vigor.

Diante disso, não restam dúvidas de que muitas dessas questões somente serão solucionadas pelo Judiciário e pelos Tribunais Arbitrais. No entanto, ainda há esperança de que a CVM possa aperfeiçoar a norma.

De qualquer modo, é importante ter cautela quando da celebração desses contratos ou de seus aditivos. Afinal, com a entrada em vigor da resolução, a situação é outra, completamente distinta.

Sócio do RMMG Advogados
Guilherme Bier Barcelos é sócio do RMMG Advogados, onde é o head da área societária. Graduado e Mestre em Direito pela UFRGS, é Doutorando em Direito Comercial na Universidade de São Paulo (USP). Foi pesquisador visitante junto ao Max Planck Institute for Comparative and International Private Law, em Hamburgo (Alemanha) no ano de 2018.
Guilherme Bier Barcelos é sócio do RMMG Advogados, onde é o head da área societária. Graduado e Mestre em Direito pela UFRGS, é Doutorando em Direito Comercial na Universidade de São Paulo (USP). Foi pesquisador visitante junto ao Max Planck Institute for Comparative and International Private Law, em Hamburgo (Alemanha) no ano de 2018.
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