Energia Elétrica

Entrevista: Reforma no setor elétrico é processo longo e pode levar até 5 anos

04 nov 2019, 15:41 - atualizado em 04 nov 2019, 15:41
Energia elétrica
Antes, o governo Fernando Henrique Cardoso também promoveu alterações profundas na área (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

Os planos do governo Jair Bolsonaro de promover uma reforma no setor elétrico são positivos e devem aproximar a regulação no país da praticada em mercados mais avançados, mas o processo será longo e a implementação total das mudanças pode levar até cerca de cinco anos, disse à Reuters um importante consultor.

O Ministério de Minas e Energia apresentou na semana passada plano de ação para a reforma que envolve a criação de um grupo para monitorar a adoção das medidas previstas ao longo dos próximos dois anos, com possibilidade de prorrogação do prazo por 12 meses adicionais.

O processo, que vem sendo definido pela pasta como uma “modernização”, deve envolver mudanças em leilões de contratação de usinas, novas regras para cálculo de preços no mercado spot de eletricidade e uma gradual abertura do chamado mercado livre de energia, no qual grandes consumidores hoje podem negociar o suprimento diretamente com geradores e comercializadoras.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou na semana passada que a “fase de implementação” da regulação deve durar “entre dois e três anos”, mas cronograma divulgado pela pasta projeta que algumas ações ficarão para após 2022, como uma possível abertura do mercado livre para clientes residenciais.

O ministro também disse que as propostas serão viabilizadas com medidas infralegais e por meio de dois projetos de lei já em tramitação no Congresso, sem a necessidade de apresentar uma nova matéria aos parlamentares.

“Em qualquer país do mundo, construir uma reforma setorial é um longo processo. Primeiro tem que viabilizar politicamente, depois criar o marco legal e a partir daí implementar. Até estarmos operando com um novo marco no mercado, acho que é um processo de quatro, cinco anos, mais ou menos”, disse à Reuters o sócio-diretor da Thymos Energia, Alexandre Viana.

Ele lembrou que a última mudança mais profunda no marco regulatório, no início do governo Lula, em 2004, partiu de discussões iniciadas em meados de 2001 e teve a implementação 100% concluída a partir de 2008.

Antes, o governo Fernando Henrique Cardoso também promoveu alterações profundas na área, com o chamado Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (RE-SEB), que estendeu-se de 1995 a 2003.

MUDANÇA EM LEILÕES

Um dos marcos importantes para as mudanças hoje em gestação no governo para o setor elétrico seria a implementação, prevista para a partir de junho de 2021, de novo modelo de leilões de energia para contratação de novas usinas.

No novo modelo, os leilões envolveriam a contratação em separado de nova capacidade, para expansão da matriz elétrica, e a negociação da energia a ser produzida pelas usinas, o que tem sido classificado pelo governo como “separação entre lastro e energia”.

Na prática, as usinas teriam uma receita pelo “lastro” agregado ao sistema elétrico e receberiam em separado pela venda de energia em contratos, com a remuneração do lastro sendo rateada entre todos os consumidores por meio de um encargo –que alcançaria também consumidores livres.

O modelo entraria efetivamente em vigor com o início da cobrança desse encargo, provavelmente a partir de 2025 ou 2026, disse Viana.

Ele acrescentou que a criação de mercados elétricos de capacidade ganhou força pelo mundo a partir dos anos 2000, como forma de garantir ao mesmo tempo a remuneração a investidores e a segurança do suprimento energético.

A solução surgiu em contexto em que a rápida expansão de fontes renováveis em alguns países faz com que os preços spot da energia cheguem a ficar negativos quando há forte geração solar ou eólica, o que poderia afastar investimentos em novas usinas caso não houvesse remuneração fixa pela capacidade ou lastro.

Velocidade em debate

Viana, que abordou desenhos de mercado para o setor elétrico em tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), projetou ainda que o governo deverá sofrer alguma pressão de investidores em energia para acelerar medidas previstas na reforma, como a abertura do mercado livre, principalmente.

O Ministério de Minas e Energia prevê que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deve concluir até o final de 2022 estudo sobre a abertura do mercado para todos consumidores a partir de 2026.

“Acho que essa é a maior divergência. O mercado, de modo geral, desejaria que avançasse mais rápido isso, rumo a um mercado 100% livre. Mas isso tem implicações”, afirmou Viana, que já foi executivo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e da chinesa SPIC.

Assim, é “natural” que o governo uma tenha visão mais “conservadora” sobre a transição para um mercado em que todos consumidores possam escolher diretamente seu supridor, inclusive clientes residenciais, apontou Viana.

Em meados de julho, o secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia, Reive Barros, mostrou preocupações com os efeitos que uma ampliação acelerada do mercado livre de energia poderia ter sobre finanças das distribuidoras.

Na ocasião, Barros afirmou que as empresas de distribuição têm perdido clientes para o mercado livre mesmo sob as regras atuais e destacou que eventuais problemas financeiros dessas concessionárias decorrentes de mudanças regulatórias poderiam desestimular novos investimentos privados no setor.

A reforma regulatória hoje em debate prevê estudos para que as distribuidoras sejam remuneradas pela infraestrutura disponibilizada aos clientes (fio), e não pela comercialização de energia, mas o cronograma do governo aponta a realização dessas análises após 2022.

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