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Felipe Miranda: Como Napoleão perdeu a guerra

23 mar 2021, 15:51 - atualizado em 23 mar 2021, 15:51
“No mercado, as reações não acontecem de maneira bem comportada, lineares, bonitinhas”, diz o colunista

“Do sublime ao ridículo é só um passo.” Dizem que a frase é de Napoleão. Bom, segundo a internet, ele disse tanta coisa que talvez essa daí não seja mesmo dele. 

Não importa tanto, tampouco devemos nos preocupar com essa transposição súbita entre a glória e a dor. Não há o que temer. “Somos todos um grande escândalo”, como resumiu James Hillman (essa é dele mesmo!). O ridículo é parte de nosso valor intrínseco. Desvantagens competitivas do homem. Ou seriam vantagens? Sei lá…

A parte interessante dessa história, por vezes negligenciada talvez por conta fim trágico do conhecido imperador, é que a volta também vale. Podemos ir rapidamente do ridículo ao sublime. 

Os cisnes negros são sujeitos de mente aberta, não discriminam entre o negativo e o positivo. É quase uma lei física — afinal, para um evento aleatório não pode haver um único padrão; se houvesse padrão, não seria randômico.

E nada como a lembrança de Schopenhauer para nos lembrar da via de mão dupla dessa dinâmica: “Toda verdade passa por três estágios. No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria.” A verdade ridicularizada vira sublime pouco tempo depois.

Como já dito aqui, o mercado está muito temático. Até a semana passada, só se falava em reflation trade. Com o pacote de estímulos fiscais vigoroso recém-aprovado nos EUA, a demanda reprimida da pandemia e a aceleração da vacinação, veríamos um superaquecimento da economia norte-americana. Os juros de mercado subiriam rapidamente, com o yield dos Treasuries de dez anos batendo 2%. Era para comprar commodity e banco. Nada mais andava.

Então, a China, ao mesmo retoricamente, voltou a se preocupar com a poluição em Tangshan; a Nova Zelândia resolveu barrar a especulação imobiliária; Jerome Powell escreveu um editorial manso no WSJ; a vacina da AstraZeneca não se mostrou efetiva contra a nova cepa da África do Sul; e a Europa passou a enfrentar uma nova onda (seria a terceira? Receio ter perdido a conta, desculpe) de Covid-19, com medidas adicionais de isolamento social e lockdown pesado na Alemanha na Páscoa. E lá vai o barril de petróleo abaixo de US$ 60… Back to tech! Vejo só os contratos futuros da Nasdaq em alta contra uma proliferação da tonalidade vermelho-sangue para os demais índices nesta manhã, dando basicamente continuidade ao movimento de ontem, de liderança das ações de tecnologia e alto crescimento.

Como transitar por um mercado tão ciclotímico, que alterna euforia e depressão entre setores do dia para a noite?

Gestores espertos trouxeram solução interessante: montemos um Barbell Strategy, uma estratégia com dois polos muito bem definidos, pesada em dois extremos. De um lado, as melhores ações de commoditiesVale e Suzano aparecem bem representadas. Do outro, vamos de tech (ou, ao menos, coisas percebidas como tech e de alto crescimento) — a moda sugere Magalu, B3, BTG Pactual, com uma pitadinha de uma cesta composta por coisas tipo Sequoia, Méliuz, Enjoei, Neogrid, Mosaico; alguns arriscam adicionar XP e Stone.

Acho interessante, confesso. De um lado, a velha economia. Do outro, a nova. Difícil errar, porque estamos com um pé em cada tempo. Mas, me pergunto: onde estão os cíclicos domésticos? Por que ninguém fala deles? Suspeito terem decretado sua morte de maneira um pouco precipitada.

Talvez não seja tanto para agora. O timing é sempre capcioso. As próximas semanas de abril devem ser duríssimas na frente da pandemia. Contudo, a partir de maio as coisas podem melhorar de forma vertiginosa. E tudo que sobe de maneira exponencial, cai da mesma maneira. Com a vacinação penetrando densamente a população acima de 60 anos, hospitalizações e óbitos devem cair bem. Assim, as coisas melhorariam. 

No mercado, as reações não acontecem de maneira bem comportada, lineares, bonitinhas. Vale pra cima e pra baixo. O GIC resolve fritar sua posição de Brasil e muita coisa cai 25% em duas semanas. A Capital vende B3 e a ação desaba por dias. Do dia pra noite, evapora 20% do valor de mercado da companhia. Do outro lado, não precisamos ir tão longe. Recupere a performance de alguns shoppings e educacionais no mês de novembro. Teve coisa subindo 60% em três semanas.

Por favor, não me entenda mal. Não estou dizendo que vai subir amanhã. Ninguém sabe exatamente quando vai começar a subir. Mas o mercado antecipa as coisas e, então, temos a manifestação concreta da prescrição de Hemingway: “gradually, then suddenly”. As coisas demoram a acontecer, até que acontecem depressa.

Chegamos àquela situação em que a única coisa que nos cabe sob a ótica do value investiu clássico é esperar. Arbitrar temporalmente a perspectiva de que uma situação de curto prazo vai durar para sempre, quando sabemos que não é assim. Como muito bem lembrou José Galló na gravação do RadioCash desta semana (recomendação cultural e de investimentos: não perca este episódio, que vai ao ar hoje!), veja o que está acontecendo em Miami. As pessoas estão loucas para ir para uma loja, consumir, viajar, se reunir, ir para bares e restaurantes. Está tudo lotado por lá.

Sinto-me como se houvesse um elefante voando na nossa frente e estivéssemos enterrando nossas cabeças em filigranas contratuais, perdendo uma grande oportunidade.

ações mercados
“Chegamos àquela situação em que a única coisa que nos cabe sob a ótica do value investiu clássico é esperar”, afirma Felipe Miranda (Imagem: Unsplash/@austindistel)

Relatório de ontem do Credit Suisse me pareceu preciso em identificar uma oportunidade com os shoppings brasileiros. Na média, os shoppings europeus e norte-americanos sobem 85% desde que a reabertura da economia começou em novembro, superando os benchmarks em cerca de 50%. No mesmo período, os shoppings brasileiros perdem cerca de 15% versus o Ibovespa — é a maior discrepância negativa para o índice em dez anos. Pela primeira vez em três anos, os shoppings brasileiros negociam com desconto frente àqueles dos países desenvolvidos.

Há incorporadoras negociando abaixo de 5 vezes lucros projetados para 2022 (caso de Mitre) e outras que vão pagar 10% de dividendo talvez já neste ano (caso de Direcional). Pão de Açúcar vale menos do que a participação em Cnova e em Êxito.

No pânico, aberrações acontecem. Quando elas se revertem, sobe 30-40% em um mês. Não dá tempo de comprar. O negócio rasga na sua cabeça antes de você sequer pensar em entrar.

No buy and hold, às vezes o mais difícil é saber esperar. É ali que você ganha dinheiro. Voltando a Napoleão, há uma corrente entre os historiadores defensora de que sua derrota na fatídica Batalha de Waterloo se deu pela hesitação em atacar. Quando estiver claro que a pandemia está sendo domada internamente, talvez seja tarde demais para sair da posição defensiva. Parece-me mais razoável sofrer por um mês de volatilidade do que perder uma oportunidade de 50% de lucro.

CIO e estrategista-chefe da Empiricus
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
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