Opinião

Felipe Miranda: Vendam os primeiros dos rankings

13 dez 2018, 11:12 - atualizado em 13 dez 2018, 11:12

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

“Ainda que fôssemos surdos e mudos como uma pedra, 
a nossa própria passividade seria uma forma de ação.”

“Um homem é sempre um contador de histórias.
Ele vê tudo que lhe acontece através delas. 
E ele tenta viver a sua vida como 
se estivesse contando uma história.”

Jean Paul-Sartre

Em março de 2010, Grigori Perelman rasgou um cheque de um milhão de dólares. O matemático russo recusava naquele momento o prêmio concedido pelo Instituto Clay de Matemática por ter resolvido a chamada “conjectura de Poincaré”, um problema proposto por Henri Poincaré há mais de um século, relacionado no ano de 2000 entre os “problemas matemáticos do milênio”.

Não era propriamente uma grande surpresa. Perelman já havia se negado a receber a medalha Fields, espécie de prêmio Nobel da Matemática, em 2006. Preferiu continuar desempregado, morando com sua mãe em São Petersburgo. Ao ser interrogado por telefone por um jornalista interessado em sua genialidade, Perelman apenas respondeu: “Você está me incomodando. Estou colhendo cogumelos”.

Só pode haver um prêmio para a virtude, que é a própria virtude. Ela é essencialmente silenciosa. Como está escrito em Mateus 6:2-4: “Quando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á”.

Há algo pior no recebimento de prêmios. Em alguma instância, o premiado se vê institucionalizado (prêmios são concedidos por instituições, não é mesmo?). Ele passa a prestar continência, domando-se, em maior ou menor grau, a diretrizes ditadas por terceiros. Como no filme “Cidadão Ilustre”, em que o protagonista se vê envergonhado por receber o Prêmio Nobel de Literatura. A arte precisa ser necessariamente transgressora, irrompendo contra o status quo e os limites impostos por reis e academias. Quando a Academia Real das Ciências da Suécia concede um Prêmio a um artista, é sinal de que ele foi domado.

A cena inicial de “Cidadão Ilustre” também não é propriamente original. Jean Paul-Sartre já havia recusado o Nobel de Literatura em 1964, alegando, entre outras coisas, essa espécie de institucionalização.

Comentário jogo-rápido-vapt-vupt: as opiniões cometidas pelo “Prêmio Nobel de Economia” Paul Krugman sobre o Brasil são escandalosas (dizem que ele está por aí); como disse certa vez o Prêmio Nobel da Grande Área Romário: “Calado, esse senhor é um poeta”.

Esclareça-se: a rigor, não há um Prêmio Nobel de Economia; o próprio Alfred Nobel desprezava “pessoas para quem os lucros são mais importantes do que o bem-estar da sociedade”. Oficialmente, essa condecoração é chamada de Prêmio do Banco da Suécia para as Ciências Econômicas, em Memória de Alfred Nobel, não sendo concedido pela Fundação Nobel, mas, sim, paga com dinheiro público.

Os homens (e as mulheres) de verdade são guiados(as) por uma força interna, pelas suas próprias motivações e convicções, pela vocação inexorável que lhes foi imposta ao nascimento, e não pela necessidade de reconhecimento externo. Cheguei a me emocionar com a entrevista de Elon Musk para a CBS News – enquanto os autoproclamados pertencentes à nata do value investing brasileiro falam mal de Musk por ele ter fumado um baseado e aparecido no Twitter, servindo de motivo para shortear ainda mais Tesla, o genial empreendedor tenta salvar a humanidade a partir de planos para colonizar Marte e nos oferecer uma alternativa. É uma completa subversão de valores. Aspas para ele: “I wanna be clear. I do NOT respect the SEC, I do NOT respect them. I only respect the Justice system”. Go, Musk!

Retomo.

Chegamos àquele momento insuportável em que elegemos os “melhores do ano”. Somos bombardeados por rankings apontando os melhores investimentos de 2018 e as famosas listas de melhores gestores.

Essas coisas são o maior desserviço que se pode prestar ao investidor ao final de cada ano. Há uma indução, tácita ou explícita (não importa), à seleção de ativos ou gestores para o ano seguinte a partir daquela eleição passada. Isso está completamente errado. Não é apenas inócuo, mas é também um mapa errado. E como estamos cansados de saber: não ter mapa é melhor do que ter um mapa errado.

A proposta de hoje é simples: fuja de todos os fundos de investimento que apareceram no pódio de melhores gestores dos rankings de Exame, Valor, S&P e o que mais você vir por aí.

Explico o racional.

O primeiro argumento é bastante simples. Quem faz o ranking não entende nada de investimentos. Eles não são praticantes. É algum burocrata sentado numa sala com ar condicionado, sem qualquer exposição ou relação direta com as variações dos preços dos ativos financeiros. Você se guiaria pela opinião de um cozinheiro que nunca fez uma comida na vida?

Esse não é o maior dos problemas. Prossigo.

O ambiente do mercado financeiro é, por natureza, permeado por incerteza e aleatoriedade. Estamos no Quarto Quadrante de Nassim Taleb (Google em “Fourth Quadrant Taleb”). Qualquer resultado é apoiado, entre outras coisas, no empurrão dado por forças randômicas. O desempenho de um ano é fruto de uma decisão tomada ex-ante, prospectivamente, para um futuro incerto. Transcorridos 12 meses, o cenário pensado lá atrás converge (ou não) para as posições do gestor/investidor.

A História não narra o que poderia ter sido. Apenas o que foi. Entre as várias possibilidades de cenários, apenas um aconteceu. E se ele, por mera força do acaso, coincidiu com aquele pensado pelo gestor, esse se saiu extraordinariamente bem.

O sujeito que mais concentrou e/ou se alavancou numa determinada posição que se provou vencedora saiu como o campeão do ano. Esse cara, porém, fez um péssimo trabalho. Impôs um risco tremendo para seus cotistas. Ele foi um irresponsável, que fez uma aposta “all-in” num determinado cenário, que acabou se configurando, entre vários outros possíveis.

Recorro a um exemplo para deixar a coisa mais clara. Como muito bem resumiu o gênio Rogério Xavier na carta aos cotistas da SPX referente ao exercício passado, “o ano de 2017 foi das criptomoedas”. Num exercício hiperbólico de abstração, se o gestor tivesse, naquele momento, se alavancado e concentrado em bitcoins, ele teria, por larga folga, liderado qualquer ranking universal de investimentos. E o que aconteceria com ele em 2018? Teria simplesmente quebrado! Expulso do jogo, suspensão automática, cartão vermelho direto.

Se fossem apenas os jornalistas ou os leigos a se pautar pelos rankings, eu até entenderia. Ou melhor, talvez eu tentasse entender. O problema maior dessa coisa é que os próprios gestores, que supostamente são profissionais e deveriam compreender isso com facilidade, se posicionam pública e orgulhosamente em favor da posição favorável nos rankings. Publicam nas redes sociais e enviam para suas respectivas listas de e-mails. Por favor, poupem-me do spam. Todos eles iludidos pelo acaso.

A liderança no ranking é normalmente resultado de excesso de concentração e alavancagem. Isso representa caca em algum momento no tempo. Os fundos ou investidores de maior retorno no longo prazo não são aqueles do primeiro quartil de anos específicos, mas, sim, os que se situam consistentemente no segundo quartil. Performances momentâneas espetaculares devem ser entendidas como sinal de perigo.

Não se trata de opinião. Há “lote” de estudos provando a ocorrência de retorno à média dos gestores.

Essa história de se promover a partir de rankings denota excessiva vaidade. Ego e gestão de ativos não formam uma boa combinação. Encerro da mesma forma que comecei, recorrendo a Sartre, pois sempre podemos olhar as coisas sob uma nova perspectiva: “O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos”.

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