Opinião

Ivan Sant’Anna: O mercado é forte

06 dez 2018, 16:33 - atualizado em 06 dez 2018, 16:33

Ivan Sant’anna, autor das newsletters de investimentos Warm Up Inversa e Os Mercadores da Noite

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Caro leitor,

Durante os anos nos quais operei apenas nos mercados internacionais (Chicago, Nova York e Londres) eu assinava uma newsletter escrita por Ted Arnold, um analista inglês. Entre as muitas coisas que aprendi com ele, uma delas era o conceito de que “um mercado que reage bem a notícias ruins é um mercado forte”.

O inverso também procede: “mercado que reage mal a notícias boas é um mercado fraco”. Essas máximas sempre funcionam. Vejamos alguns exemplos:

Em 2002, último ano do segundo mandato do governo FHC, a Bolsa caiu, o dólar subiu e as taxas de juros abriram com a perspectiva de um governo Lula.

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Eis que, pouco antes do primeiro turno das eleições, os mercados reverteram, justamente quando a vitória petista se tornou praticamente certa. Bolsa pra cima, dólar e juros para baixo.

Era, ainda segundo o axioma Ted Arnold, o momento ideal para compra de ações. E quem comprou se deu muito bem, rachou de ganhar dinheiro. Pois, entre a vitória de Lula sobre Serra no segundo turno e a posse de Lula em 1º de janeiro de 2003, o Ibovespa não fez outra coisa senão subir.

Hoje em dia, analisando-se os acontecimentos daquela época, podemos ver que o então escolhido ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em conversas ao pé do ouvido, garantiu aos banqueiros e líderes empresariais que as políticas fiscal e monetária da gestão FHC seriam mantidas. Mais do que isso, afirmou que a meta de superávit primário seria elevada.

E foi isso que fez o mercado de ações subir (e o dólar cair) nos prolegômenos da administração de um partido que, desde a sua fundação, defendia as moratórias interna e externa, a estatização dos bancos, a reforma agrária e outros programas de cunho socialista.

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Portanto, Ted Arnold estava mais do que certo. Os “comunistas” vão vencer. O mercado está gostando disso. Compre o mercado.
Nessa época eu já tinha deixado de ser trader para me tornar escritor. Mas antes tive ocasião de lucrar com a Teoria Arnold (vamos chamá-la assim).

No fim de semana 25 e 26 de junho de 1994 houve uma geada de proporções apocalípticas que devastou os pés de café do Sul de Minas. Pois bem, na segunda-feira 27 o mercado de Nova York abriu com umbreakaway gap (a mínima daquele dia ficou muito acima da máxima de sexta-feira).

A alta dessa segunda foi de 25%, com pouquíssima liquidez (poucos touros tiveram coragem de comprar naqueles níveis; raros ursos ousaram vender, apesar da alta colossal). Mas eu fui “muito macho” e comprei, tanto para mim como para meus clientes.

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Foi a porrada que eu esperava para fazer uma reserva que me permitisse largar o mercado para me dedicar em tempo integral a escrever Os mercadores da noite, que se tornara minha ideia fixa.

Por incrível que possa parecer, à geada seguiu-se uma seca que destruiu cafezais de outras regiões do Brasil. O mercado, já alto, foi para a estratosfera. Certo?

Errado!

A cotação da libra-peso da traiçoeira rubiácea andou de lado por alguns dias, vacilando no topo, e deu início a um processo de queda, apesar dos analistas afirmarem que com a geada e a seca o café poderia subir ainda mais. Só que não entrei nessa. Com o Arnold na cabeça, liquidei as posições. E só não fiquei short porque naquele momento meu único objetivo na vida era Julius Clarence, personagem principal de Os mercadores da noite, que me aguardava enciumado para termos um colóquio a dois.

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Com a grana do café viajei para Davenport (no estado de Iowa), Chicago, Nova York, Londres, Bruxelas, Lausanne, locais onde, em duas viagens, desenvolvi toda a trama do livro.

Quatro anos antes do episódio do café, em 1990, o mercado de petróleo se encontrava debilitado. Havia superprodução, os estoques nos países consumidores eram muito altos e os membros da Opep tentavam controlar os preços através de um sistema de cotas, com produções fixas para cada um.

Só que três produtores importantes, Iraque, Kuwait e Emirados Árabes Unidos, trapaceavam o sistema e vendiam petróleo cru por baixo do pano. Com isso, o preço do barril, tipo WTI (Western Texas Intermediary), que deveria ser mantido em 21 dólares, caíra para 17 dólares na NYMEX (New York Mercantile Exchange).

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Eis que, sem a menor explicação, o preço subiu para 20 dólares. Eu não hesitei. Vesti a pele do urso e “shorteei” um lote grande. Ignorei a Teoria Arnold e me ferrei.

Na madrugada (fuso horário de Bagdá) de quinta-feira 2 de agosto de 1990, tropas iraquianas invadiram o Kuwait. O mercado de petróleo de Nova York (onde era fim de tarde) acabara de fechar. E eu, short.

Fui zerar minhas posições a 27 dólares, sofrendo um dos maiores revezes de meus 37 anos de profissão. Tudo isso porque cismei que o mercado estava errado quando subiu de 17 para 20 dólares em meio a uma crise de superprodução e de estoques elevados. E teria quebrado se tivesse insistido no erro porque o preço do barril subiu para 46 dólares em meados de outubro enquanto o Ocidente se organizava para tirar as tropas de Saddam Hussein do Kuwait.

Em minha opinião, qualquer trader que se preze (e preze o próprio bolso) deve esquecer os fundamentos se o mercado está indo radicalmente contra eles. Isso é sinal de que há um fundamento oculto. Ou, pelo menos, oculto para você. Mas não para os insiders. É claro que Saddam sabia da invasão do Kuwait e as ordens de compra que levaram o preço do barril de 17 para 20 dólares devem ter partido de pessoas ligadas a ele, senão do próprio ditador iraquiano, como eu insinuo em Os mercadores da noite.

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O mercado, seja ele de ações, de commodities ou de instrumentos financeiros, é cheio de regrinhas como essa que expus acima. Que devem ser conhecidas, respeitadas, mas não obedecidas às cegas, como se fosse um manual de instruções.

O mercado é mais arte do que ciência. É terreno fértil para os ousados, mas não para os irresponsáveis. É para machos e “machas”com os pés fincados no chão e a cabeça no lugar. 

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