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Mudança no Carf gera insegurança jurídica aos negócios, diz entidade

30 jan 2023, 15:09 - atualizado em 30 jan 2023, 15:09
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad trouxe de volta o voto de qualidade ao órgão, dando mais peso à União

O ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que não agradaram ao mercado. Depois de anunciar o nome de Carlos Higino Ribeiro de Alencar para comandar o conselho, Haddad estabeleceu uma série de mudanças no funcionamento do órgão que não agradaram ao mercado, setores políticos e outros envolvidos.

Segundo a justificativa apresentada, as alterações deverão permitir a redução do passivo de processos administrativos no órgão, que vem oscilando em torno de 100 mil desde 2018. O valor envolvido nesses processos, que girava em torno de R$ 600 bilhões entre dezembro de 2015 e dezembro de 2019, saltou para mais de R$ 1 trilhão em outubro de 2022.

A Fecomercio de São Paulo criticou as mudanças. “São preocupantes as mudanças na legislação e na atuação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), anunciadas na última quinta-feira (12), pelo Ministério da Fazenda. A Medida Provisória (MP) 1.160 altera o critério de desempate nos julgamentos administrativos do órgão e eleva para R$ 1,3 milhão o valor mínimo de alçada para o seu acesso – alterações que cerceiam os direitos dos contribuintes”, diz a entidade em seu comunicado.

Um dos pontos mais criticados foi o da volta do chamado voto de qualidade. “A MP traz de volta o antigo voto de qualidade, dispositivo que garantia aos presidentes das Câmaras – conselheiros representantes da Fazenda Nacional – o poder do voto duplo, isto é, de desempatar os julgamentos do processo administrativo federal. Desde 2020, a legislação determina que, no caso de empate, a decisão seja favorável ao contribuinte. Diante do fato de o Fisco recuperar o “voto de minerva”, o Poder Público deve levar vantagem nas situações de dúvida, em detrimento do contribuinte”, explica a FecomercioSP.

O Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) entrou em contato com o Ministério da Fazenda, o Ministério da Casa Civil, e com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, e apresentou ponderações a respeito do receio empresarial sobre a mudança – alertando que a retomada do voto de qualidade aumentará o número de demandas judiciais, justamente o que se pretende impedir no processo administrativo tributário.

A Entidade lembra ainda que as garantias constitucionais também se aplicam ao processo administrativo. Ao ter essa garantia afrontada, os direitos de petição e recurso também serão acometidos.

Há três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) que questionam a alteração promovida pela Lei 13.988/2020. Esta lei foi responsável por reduzir a aplicação do voto de qualidade e por garantir a decisão favorável ao contribuinte nos casos de empate. Ainda que o julgamento não tenha sido concluído, já se formou maioria no órgão pela validade da modificação a favor do contribuinte.

Valor mínimo de alçada é irreal para pequenas empresas

Quanto ao aumento da alçada para acesso ao Carf de 60 para mil salários mínimos, a ampliação fere o princípio da igualdade tributária, ou seja, a garantia de que todos os contribuintes que se encontrem na mesma situação jurídica recebam o mesmo tratamento tributário.

Com a majoração da restrição, contribuintes que almejarem um julgamento imparcial terão de recorrer ao Judiciário, arcando com todas as despesas e todos os riscos decorrentes da ação. As causas de menor valor são justamente dos contribuintes menores, que não têm condições de contratar advogados.

Segundo Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do CAT da FecomercioSP, “a MP causa grande prejuízo e insegurança jurídica aos contribuintes. Quanto ao voto de qualidade, se há dúvidas acerca da exigência, o lançamento tributário não deve prosperar. No caso da majoração do valor de alçada, são justamente os contribuintes menores que deveriam ter acesso ao julgamento pelo órgão paritário, contando com representantes dos contribuintes.”

Ele ressalta ainda que são direitos constitucionais do contribuinte a ampla defesa e o contraditório, não podendo ser relativizados por uma medida provisória, com a justificativa de perda de arrecadação.

Tais alterações causarão grave insegurança jurídica no País, afastando ainda mais investidores e reduzindo as atividades econômicas e os empregos.

Neste momento de incerteza econômica, o Poder Público não pode promover tamanha desordem no ambiente de negócios e no princípio básico de tratamento do contribuinte. Vale lembrar que, em setembro de 2022, a comissão de juristas criada pelo Senado Federal e pelo STF concluiu o trabalho de modernização dos processos administrativo e tributário, mediante a apresentação de dez Projetos de Lei (PLs). As propostas já tramitam no Senado e buscam realizar melhorias no contencioso administrativo de forma não unilateral, como pretende a MP.

Mudança não traz benefício real às contas públicas

De acordo com o Diagnóstico do Contencioso Tributário Administrativo de 2022, elaborado pela Receita Federal do Brasil em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cerca de 90% das decisões do Carf são proferidas por unanimidade ou por maioria de votos; ao passo que apenas uma pequena parcela (6,5%) é decidida por voto de qualidade – que, em volume financeiro, corresponde, em média, a 17,5% dos processos.

A retomada do dispositivo, portanto, além de não representar grande impacto à arrecadação federal, tem potencial de aumentar os questionamentos acerca da validade da cobrança dos créditos tributários no Poder Judiciário, uma vez que a existência de um empate significa dúvida sobre a interpretação da legislação entre os conselheiros da Receita e das entidades que representam os setores econômicos.

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Formado em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo, é editor de política, macroeconomia e Brasil do Money Times. Com passagens pelas redações de SBT, Record, UOL e CNN Brasil, atuou como produtor, repórter e editor.
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Formado em jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo, é editor de política, macroeconomia e Brasil do Money Times. Com passagens pelas redações de SBT, Record, UOL e CNN Brasil, atuou como produtor, repórter e editor.
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