Money Times Entrevista

Não basta só o arcabouço fiscal, é preciso ter compromisso político, diz Felipe Salto

26 maio 2023, 18:56 - atualizado em 26 maio 2023, 18:56
Felipe Salto
Economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto fala sobre o arcabouço fiscal (Foto: Reprodução/Warren Rena)

O texto-base do arcabouço fiscal aprovado nesta semana pela Câmara dos Deputados “não é a melhor regra do mundo, mas está na direção correta”, avalia o economista-chefe e sócio da Warren Rena, Felipe Salto. Para ele, porém, não basta só a aprovação de um novo marco fiscal de controle das contas públicas. É preciso compromisso político em torno da regra, conta.

Ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo e primeiro diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Salto é um dos maiores especialistas em finanças públicas do país. Em conversa com o Money Times, ele expressou insatisfação com o artigo 15 do texto, o qual permite ao governo expandir os gastos em 2024 através de um crédito suplementar.

Por outro lado, o economista classificou o arcabouço fiscal como uma solução positiva, exaltando o fato da nova regra fiscal se aproveitar de elementos do antigo teto de gastos e da meta de resultado primário. “Talvez o arcabouço fiscal seja uma solução salomônica, porque ele bebe das duas fontes, e talvez não repita os erros que foram cometidos: o erro de exagerar no aperto ou de flexibilizar demais”, diz. Leia mais na entrevista a seguir:

Qual a sua avaliação sobre o texto-base do arcabouço fiscal aprovado pela Câmara dos Deputados?

FS: O arcabouço fiscal é uma espécie de solução salomônica. Em 1999, adotamos a meta de resultado primário, que é a receita menos a despesa sem considerar os gastos com juros […] Em 2014, o déficit já era bastante significativo e, em 2016, veio o teto de gastos como uma respostas. Talvez o arcabouço fiscal seja uma solução salomônica, porque ele bebe das duas fontes, e talvez não repita os erros que foram cometidos: o erro de exagerar no aperto ou de flexibilizar demais. A regra de gastos que está sendo proposta é exequível. Sozinha, ela produz um ajuste gradual, não vai estabilizar a dívida amanhã. Mas a dívida crescerá a taxas menores do que na ausência dessa regra. O outro eixo do arcabouço são as metas de resultado primário, elas dependem muito de arrecadação. O governo precisa fazer a lição de casa e mostrar com maior clareza quais são essas medidas, quanto vai arrecadar, notas técnicas etc. Eu já tenho falado sobre isso porque é um volume expressivo de receita que vai precisar entrar.

Quais serão os principais desafios para o governo atingir as metas de resultado primário?

FS: A meta de resultado primário depende da receita e da despesa. Quando o país adotou o teto de gastos em 2016, o foco ficou muito do lado do gasto. Porque a regra incidia sobre o gasto, ele não poderia crescer mais do que a inflação. Agora, volta essa ideia de resultado primário, mas, a meu ver, de uma maneira inteligente, porque se o governo rompe a meta de resultado primário há uma consequência para o gasto […] Agora, como cumprir essas metas de resultado primário? Porque se o governo zerar o déficit no ano que vem, 0,5% de superávit no ano seguinte e 1% de superávit no outro… é um céu de brigadeiro, só que isso é extremamente difícil de acontecer. As nossas projeções, por exemplo, mostram que o déficit ano que vem será, na ausência de receitas extras, de 1,1% do PIB. Claro que já há algumas medidas sendo feitas. Uma delas é a decisão do STJ de mudar fortemente a linha de subvenção baseada no benefício tributário do ICMS. Essa medida pode render R$ 42 bilhões para a União, em um horizonte de 12 meses, considerando um cenário otimista. E a outra medida trata de fixar o preço de transferência entre empresas irmãs, o que pode dar entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões. Mas acho que tem uma incerteza grande e o governo precisa mostrar com maior clareza sinais concretos de que isso virá.

O texto ainda vai passar pelo Senado. Há algum ponto que o desagrada e que poderia ser ajustado?

FS: Outro ponto importante é a questão do contingenciamento. Hoje, a Lei de Responsabilidade Fiscal garante o chamado contingenciamento, que é um palavrão, mas que, na verdade, quer dizer uma coisa simples: é o congelamento de gastos quando há risco de descumprir a meta de resultado primário. Isso mudou um pouco. Porque o governo vai poder romper a meta de resultado primário — o que nunca aconteceu. Agora, como vai acontecer esse contingenciamento? Primeiro que não vai poder cortar toda a despesa discricionária. Vai haver o que eles estão chamando de nível mínimo, então há 75% que não podem ser cortados. Se os 25% não forem suficientes para cumprir a meta primária, a receita vai ter que fazer o serviço. Caso a despesa obrigatória esteja num nível tal que pressione o primário a ponto de não resolver esse corte de 25%, se criou uma amarra que dificulta o cumprimento da meta de resultado primário nesse aspecto.

O Banco Central (BC) já afirmou que não há uma relação mecânica entre a aprovação do arcabouço fiscal e o juro básico no país. Por outro lado, a aprovação da nova regra fiscal impacta nas expectativas dos agentes econômicos. O que o senhor espera da condução da política monetária após a aprovação do texto?

FS: Estou em uma ponta mais otimista se comparada à opinião média dos colegas. No início de fevereiro, percebi uma opinião média mais pessimista, desconfiança de uma política fiscal mais expansionista, risco de descontrole da dívida. Eu sempre defendi o seguinte: se fosse para fazer isso, não se teria colocado o Fernando Haddad, que fez uma gestão fiscal responsável em São Paulo, no Ministério da Fazenda. Se isso foi feito, é porque o presidente Lula quis dar um sinal, pelo menos nesse momento, que a escolha é essa. Depois, ele fez ataques ao Banco Central que levaram a alimentar essa apreensão. Mas, de todo o modo, estamos em maio e já está bem avançada a votação da regra fiscal. Não é uma regra que é a última bolacha do pacote, mas ela ajuda a resolver esse risco maior, ajudando a criar as bases para que, se houver uma execução da política fiscal razoável e controle de gastos, se tenha uma melhoria permanente das contas públicas. Agora, vamos ser claros: não basta só a regra fiscal, é preciso ter o commitment, o compromisso político em torno da regra. O primeiro passo foi dado, a regra tá caminhando para ser aprovada. Não é a melhor regra do mundo, tem vários defeitos, ela tem talvez um excesso de flexibilidade, mas ela está na direção correta. Agora, a execução da política fiscal vai ter que ser acompanhada de perto para ver se essa combinação da regra do jogo com a execução da política fiscal propriamente dita vai levar a uma melhora sistemática das contas públicas.

Repórter
Jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com extensão em jornalismo econômico pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Colaborou com Estadão, Band TV, Agência Mural, entre outros.
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Jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com extensão em jornalismo econômico pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Colaborou com Estadão, Band TV, Agência Mural, entre outros.
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