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O que está por trás do encolhimento da Shopee na América Latina (e como isso pode afetar as PMEs no Brasil)

16 set 2022, 13:54 - atualizado em 16 set 2022, 14:48
Shopee
Redução da operação da Shopee na América Latina pode impactar pequenas e médias empresas (Imagem: Shutterstock/AnaLysiSStudiO)

Em um movimento brusco, a Shopee anunciou diversas medidas relacionadas às suas operações na América Latina: de uma vez só, a Sea Limited, que controla a marca, saiu da Argentina e reduziu as atividades no México, Colômbia e Chile.

Na Argentina, a desmobilização foi total. México, Colômbia e Chile foram drasticamente enxugados, agora, apenas vendedores estrangeiros poderão comercializar seus produtos nestes países, estratégia essa chamada de ‘cross-border’. Em nota divulgada à imprensa, a ‘elevada incerteza econômica’ é a razão para essa debandada.

Embora o Brasil não esteja nos planos de desmobilização de operações (ao menos não de forma pública), o movimento que ocorre com a Shopee nos países vizinhos aponta um fenômeno que já deu as caras por aqui em outras ocasiões: a elasticidade de operações digitais, sobretudo nos marketplaces, que pode mudar a realidade de milhares de pequenas e médias empresas com apenas um e-mail.

PMEs no e-commerce

A pandemia atuou como um agente catalisador na consolidação de canais de vendas remotos para PMEs. Segundo relato da Nuvem Shop, startup que desenvolve soluções para o comércio online, mais de R$ 2,3 bilhões foram movimentados em vendas digitais em 2011 – 77% a mais que em 2020.

Ao longo dos últimos anos, várias facilidades surgiram para esse tipo de empresa, que eram as mais refratárias ao comércio online por diversos motivos, como a falta de experiência, conhecimento e recursos financeiros para sustentar plataformas.

Em vez de o empreendedor ter que, além de vender, se preocupar com a criação de um site, loja virtual, administração e todos os gastos que essa operação envolvia, o cenário que se acentuou da segunda metade dos anos 2010 e hoje os marketplaces e empresas especializadas em e-commerce passaram a fornecer toda a estrutura necessária, de forma que ao vendedor coubesse o papel apenas de vender.

Essa jornada democratizou a digitalização de PMEs. Restaurantes, lanchonetes e pizzarias poderiam vender no iFood; lojas de roupas, artesanato, eletrônicos, entre outros, poderiam vender no Mercado Livre e posteriormente no Magalu, Americanas e Shopee.

A princípio é um cenário em que todos ganham. Mas a realidade desses empreendedores pode ser mais amarga devido à altíssima resiliência das empresas que gerenciam essas plataformas.

Abrir e fechar nunca foi tão fácil

A digitalização e a globalização são dois fatores que beneficiaram o surgimento e crescimento de empresas. Nunca foi tão fácil abrir um negócio.

O acesso a investimento, tanto nacional como estrangeiro, também não é tão complexo como antigamente: com a informação a um clique de qualquer lugar do mundo, a captação e transferência de recursos entre países se tornou uma atividade trivial.

No entanto, existe um ônus para tudo isso. A medida que estamos falando de um mercado com pouca regulação e comandado por um grupo seleto de players, as PMEs passaram a ser submetidas a regras privadas que podem mudar ao “bel” prazer dos executivos que comandam tais empresas.

Isso quando não ocorre o pior, já que fechar um negócio, como a Shopee fez nos países vizinhos, está cada vez mais fácil ao primeiro sinal de instabilidade.

Mudança de regras

A Shopee passou a cobrar, no começo deste mês, uma taxa de transação de 2% sobre o preço do item vendido. No fim de 2021, o Mercado Livre mudou algumas regras e atualizou tarifas, como a redução de subsídio nas taxas de entregas – que, em alguns casos, saíram de 40% para apenas 10%. Magalu e Americanas também já fizeram alterações nas regras sob pretexto de repassar ao ‘seller’ o aumento de custos operacionais.

Ainda no começo de 2021, a taxa da Shopee era de apenas 5% – ante cerca de 20% dos demais marketplaces. Essa taxa saltou para 12% ainda em 2021. Em 2022, dependendo da modalidade, ela saltou para 18% e, com a inclusão dessa ‘taxa de transação’, pode chegar a 20%.

Ou seja, um empreendedor que vendia camisetas a R$ 100 em 2021 deixava apenas R$ 5 com a empresa asiática. Agora, dependendo da modalidade de comercialização, pode deixar R$ 20.

Independentemente do motivo, mudanças de regras surgem do dia para a noite. Pequenas e médias empresas, que já enfrentam diversos ofensores (como margens apertadas, dificuldade de obtenção de crédito e a concorrência com grandes operações), podem ser fortemente prejudicadas.

No caso da Shopee, num espaço de pouco mais de um ano, a disparada das taxas de comissionamento corrói a margem de lucro dos vendedores a ponto de inviabilizar algumas vendas pelo simples motivo de não haver mais competitividade.

Quem monta seu negócio (compra de insumos, estoque, prevê despesas recorrentes, contrata funcionários e fornecedores) tem baixíssima previsibilidade a ponto de sua operação ser tão sólida quanto um castelo de cartas quando se lida com marketplaces.

Tem solução?

O que os marketplaces fazem está longe de ser inédito no mundo. É extremamente comum que empresas que estão entrando em novos mercados reduzam suas margens (e inclusive até tolerem prejuízos) para ganhar espaço e, só após estarem consolidadas, ditarem as regras para compensar os gastos iniciais.

No Brasil, há ainda outros fatores, como as variações econômicas, muitas vezes decorrentes da política e que fazem com que até a mais bem intencionada das empresas tenha que repassar custos.

Recente publicação do Valor Econômico apontou que, somados, Mercado Livre, Americanas, Via, Magalu e Shopee concentrem cerca de 83% do mercado de plataformas. Sobra pouco para as demais.

A barreira de entrada é elevada: custos com logística (centros de distribuição, caminhões, carros, entregadores), muitas vezes atrelados ao dólar; marketing; sistemas (tanto de operação como de cibersegurança) tornam essa uma operação para poucos.

Um eventual fortalecimento estatal nas regulações poderia dar maior previsibilidade a quem vende, mas poderia gerar um efeito contrário, com empresas abandonando o país e deixando o mercado ainda mais restrito. O recado que fica é claro: quem vende precisará saber jogar o jogo com as regras que estão na mesa, sob pena de não sobreviver a curto prazo.

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João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 30 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom.
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João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 30 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom.
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